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2. SITUAÇÃO ATUAL DO SETOR DAS PESCAS EM PORTUGAL

2.3 PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DA FRESCURA DO PESCADO

2.3.1 Autólise

Os produtos da pesca são alimentos altamente perecíveis em que o tempo que decorre desde a sua captura até à sua deterioração é, muitas vezes, reduzido (Pereda et al., 2005).

A deterioração do pescado está associada ao efeito combinado de diversas reações químicas, devidas à atividade de enzimas endógenas e à multiplicação bacteriana (Huss, 1995; Oehlenschläger e Rehbein, 2009).

As alterações sensoriais verificadas no pescado, variam de acordo com diversos fatores entre os quais: a espécie em causa, manuseamento após captura/abate, temperatura e método de conservação (Martinsdóttir et al., 2009).

Assim, de modo a promover uma boa conservação dos produtos, estes devem ser manuseados de forma a retardar a instalação do rigor mortis (Librelato e Lopes-Shikida, 2005). Os processos de autólise (i.e. auto-destruição/morte celular) têm início logo após a morte do animal e constituem a primeira etapa de deterioração do produto. Nesta etapa, as próprias enzimas do animal, presentes nos seus órgãos e musculatura, como as catepsinas e colagenases, intervém ativamente na decomposição do mesmo, promovendo a libertação de péptidos de baixo peso molecular e aminoácidos que, nas fases seguintes são substratos para os microrganismos (Argenta, 2012).

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Segundo Beirão et al. (2004), a autólise deve-se essencialmente à hidrólise de proteínas e gorduras que constituem a musculatura do produto da pesca, devido à ação das suas enzimas lipolíticas e proteolíticas. A temperaturas entre 1ºC e 5ºC, de acordo com Sikorski et al. (1990), a taxa de degradação das proteínas musculares é inferior, variando consoante a espécie em questão, sistema de captura utilizado, as condições de conservação e a temperatura de armazenamento dos produtos.

A autólise é uma das etapas de deterioração do pescado, em que este perde o seu odor agradável a maresia e a textura altera-se ficando a carne mais mole devido à ação das enzimas dos tecidos (Franco e Landgraf, 2008).

Segundo Pereda et al. (2005), é de extrema importância eviscerar e refrigerar o peixe o mais breve possível após a sua captura, já que animais que tenham sido capturados a ingerir alimento apresentam maiores concentrações de enzimas digestivas, e assim as alterações autolíticas iniciam-se mais precocemente. O uso da salga como método de conservação também está descrito, pois diminui a decomposição do alimento pela autólise e pela ação de microrganismos, uma vez que diminui a quantidade total de água existente, diminuindo assim a sua disponibilidade para integrar reações enzimáticas de decomposição (Vieira et al., 2004).

2.3.2 Oxidação

A oxidação lípica desempenha um papel muito importante na alteração de qualidade do pescado, devido à elevada proporção de ácidos gordos polinsaturados presentes nos lípidos que o compõem (Huss, 1995; Kolakowska et al., 2003).

Este fenómeno ocorre quando os tecidos dos produtos da pesca contatam com o oxigénio da atmosfera, levando à alteração não só da sua aparência como da qualidade nutritiva, diminuindo assim o seu valor comercial (Kolakowska, 2003; Jacobsen et al., 2008). A velocidade com que esta etapa ocorre depende também de como foram aplicados os princípios de conservação, o método de captura usado e a espécie em causa (Soares e Gonçalves, 2012).

Logo após a morte do pescado começa a ocorrer a oxidação lipídica, fenómeno que assume particular importância quando este é para conservar congelado, pois afeta negativamente a textura do produto (Jacobsen et al., 2008).

A etapa de oxidação lipídica apresenta um papel mais ativo em espécies gordas, sobretudo nas de maiores dimensões, como o salmão, a truta e o atum (Pérez et al., 2007).

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Existem diversos métodos para avaliar o nível de oxidação lipídica dos produtos, tendo por base os compostos formados nesta fase. Os mais frequentemente usados são o índice de peróxidos (IP) que indica a formação de compostos oxidativos primários e o índice do ácido tiobarbitúrico (TBARS) indicativo, por sua vez, de compostos oxidativos secundários (Ólafsdóttir et al., 1997). Contudo, tendo em conta que os compostos oxidativos primários, tal como os hidroperóxidos, são muito instáveis e reagem facilmente com outros, o índice de peróxido muitas vezes não constitui um bom indicador, por não fornecer uma boa correlação entre estes valores e os resultados da análise sensorial (Jacobsen et al., 2008). De referir ainda que certos compostos oxidativos secundários reagem com os grupos amina e alguns aminoácidos, levando à formação de compostos denominados terciários, que escurecem o músculo do peixe e alteram a sua textura, sendo mais evidentes em produtos da pesca congelados (Jacobsen et al., 2008).

A velocidade da reação de oxidação depende do grau de insaturação na molécula de ácido gordo, assim quanto maior for o grau de insaturação, maior é a suscetibilidade à oxidação (Soares e Gonçalves, 2012).

2.3.3 Deterioração Microbiológica

As alterações físicas, químicas e microbiológicas no pescado assumem um grande peso na sua avaliação sensorial e valor de venda (Soares e Gonçalves, 2012).

É importante ressaltar que a invasão microbiológica associada ao desenvolvimento bacteriano é dos fatores mais preponderantes na deterioração do pescado. A grande maioria dos microrganismos presentes tem atividade lipolítica e proteolítica, conduzindo a uma degradação dos tecidos e formação de substâncias tóxicas e com odor bastante desagradável (Soares e Gonçalves, 2012).

Esta etapa ocorre de modo semelhante em animais de água doce ou de água salgada, sendo a principal diferença a composição química dos animais e a microbiota, que difere de água doce para água salgada. A invasão bacteriana inicia-se pela região branquial, por ser uma zona com bastante vasculatura e de fácil acesso, que começa a exibir um cheiro desagradável. Seguidamente, instala-se na parede e cavidade abdominal do peixe, devido à ação de enzimas e microrganismos naturalmente presentes na microbiota intestinal, que, posteriormente, se instalam na região abdominal (Soares e Gonçalves, 2012).

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Segundo Vieira e Saker-Sampaio (2003), o amolecimento muscular ocorre devido à ação bacteriana sobre as substâncias azotadas não proteicas, com a formação de produtos com odor desagradável. Certas bactérias como Aeromonas hydrophila, Vibrio parahaemolyticus,

Vibrio cholerae, Vibrio vulnificus, Clostridium botulinum (tipos B, E e F), Plesiomonas shigelloides são consideradas patogénicas e, poderão estar associadas aos produtos da pesca,

por fazerem parte da microbiota natural do meio marinho. É de referir que agentes como

Listeria monocytogenes, Clostridium perfringens, Clostridium botulinum, Salmonella spp., Escherichia coli, Shigella spp., Staphylococcus aureus, Yersinia enterocolitica também são por

vezes encontrados nos produtos da pesca capturados em águas contaminadas com matéria fecal ou resultantes de más condutas de higiene (Huss et al., 2003).

Com a decomposição microbiológica ocorre a redução do óxido de trimetilamina a trimetilamina, descarboxilação da histidina em histamina e decomposição da ureia em amónia. Os produtos finais desta etapa são: dióxido de carbono, hidrogénio, amoníaco, compostos sulfurados como sulfureto de hidrogénio, ácidos gordos de cadeia curta (lático, acético, propiónico) e bases orgânicas (Soares e Gonçalves, 2012).

Segundo Ferreira-Canas et al. (2010), de entre a microbiota deteriorativa responsável pela degradação do pescado armazenado em condições de aerobiose e a temperaturas de refrigeração (4ºC), os microrganismos psicrotróficos são os que assumem um papel mais preponderante. Contudo, de acordo com Lyhs, (2009) algumas das principais bactérias deteriorativas de produtos da pesca frescos são Pseudomonas spp., Shewanella spp., Enterobacteriaceae, bactérias do ácido-lático, Photobacterium phosphoreum, entre outras.

2.4 FATORES RESPONSÁVEIS PELAS ALTERAÇÕES DE FRESCURA /

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