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Capítulo 2. Procedimentos metodológicos

2.2. Processos e instrumentos de recolha de dados

Numa primeira fase, procurei conhecer a população que vai ser alvo de estudo neste relatório. Para isso, entendi que a técnica de recolha de dados fosse a consulta das fontes de documentação escritas oficiais, mais precisamente, a consulta da informação constante nos processos do RSI dos beneficiários do concelho em estudo. Os dados recolhidos são referentes à totalidade dos beneficiários acompanhados pela equipa do protocolo do RSI desde junho de 200728 até junho de 2017, o que corresponde a uma totalidade de 419 processos familiares. Recolhi dados relativos à caracterização sociodemográfica dos beneficiários do RSI: idade, sexo, escolaridade, tipologia do AF, rendimento per capita, escalão do RSI. Para tal, os processos familiares constituíram o acervo documental primário usado.

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A análise das dimensões mais subjetivas da população teve em conta percecionar as problemáticas e as competências destas famílias. Para isso, foram auscultadas as demais técnicas que fazem parte desta equipa do protocolo do RSI onde me encontro inserida. Estes dados resultaram, acima de tudo, de conversas relativamente informais (entrevistas abertas). Os dados recolhidos foram usados para a construção de uma base de dados (de modo a facilitar a sua análise).

O cumprimento desta fase inicial permitiu a realização da fase seguinte – as entrevistas aos beneficiários do RSI –, pois facilitou um conhecimento mais rigoroso e necessário sobre as famílias que iria encontrar e sobre a sua diversidade, permitindo a definição das estratégias mais adequadas a adotar. Assim, procurei aprofundar o conhecimento do tema e compreender as experiências da população em estudo de modo a compreender perspetivas de ordem mais específica, a partir do seu interior, ou seja, a partir da interpretação dos atores, tais como comportamentos, aspirações e motivações. Tal corresponde, “a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (Minayo et al., 2002, p. 22).

Utilizei o processo que Guerra (2006, p. 18) denominou de sense making, que dá um ênfase especial às experiências e significados dos sujeitos que agem em contextos concretos. Procurei, desta forma, compreender a perspetiva dos atores sobre o RSI, os quais possuem uma interpretação e uma experiência única e pessoal desta medida de política social. Afinal, são estes que, no seu dia-a-dia, vivenciam a sua execução e implementação no terreno, permitindo-nos aceder aos seus efeitos. Para além disso, considerei também pertinente utilizar as narrativas dos atores como fonte de explicação e interpretação da realidade, procedimento que Guerra (2006, p. 31) define como um processo analítico que procura dar sentido à ação e à racionalidade dos atores, de modo a “tornar objetiva a subjetividade”. Foram então realizadas entrevistas semidirigidas a 10 beneficiários do RSI (quadro n.º 2) residentes no município em estudo e com a prestação do RSI ativa em junho de 2017. O estabelecimento final deste número foi determinado pela abrangência de uma significativa diversidade de informação pertinente e pela observância do critério da saturação. Segundo este critério, no entender de Minayo (1999), considera-se suficiente o número de sujeitos entrevistados quando se constata uma certa reincidência das informações, sem desprezar, porém, informações ímpares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta.

Capítulo 2. Procedimentos metodológicos

Quadro n.º 2. Caracterização dos entrevistados.

Entrevistado Sexo Idade Estado Civil Tipologia do AF Tempo de benefício

Valor RSI atual

E1 M 50 Solteiro Isolado 8 anos e 6 meses 183,84€

E2 F 30 União de Facto Nuclear com filhos 3 anos e 5 meses 105,88€

E3 M 57 Solteiro Isolado 3 anos 96,77€

E4 F 47 Divorciada Isolada 5 anos e 5 meses 161,67€

E5 F 46 Casada Nuclear com filhos 12 anos 585,83€

E6 M 63 Solteiro Irmãos 1 ano e 2 meses 276,32€

E7 F 52 Divorciada Isolada 11 anos 181,79€

E8 F 56 Divorciada Isolada 2 anos e 6 meses 183,84€

E9 F 57 Divorciada Isolada 1 ano e 2 meses 175,18€

E10 F 55 Viúva Isolada 11 meses 182,71€

Fonte: Elaboração própria

Com base nos dados empíricos disponíveis que as entrevistas a 10 beneficiários permitiram recolher, foi possível atingir o adensamento factual pretendido, pelo que a realização de um maior número de entrevistas acrescentaria poucos elementos pertinentes para a discussão. Deste modo, preocupei-me menos com a generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da compreensão. De referir que os beneficiários entrevistados não correspondem a processos em que eu sou a técnica gestora, sendo geridos pelas colegas da equipa do protocolo do RSI, esbatendo-se, deste modo, qualquer forma de influência ou condicionamento das respostas.

A opção pela entrevista semidirigida justifica-se, tendo em conta que se trata de um instrumento de recolha de informação que permite atingir maior profundidade dos elementos em análise e incorpora os testemunhos e as interpretações dos interlocutores (Quivy & Campenhoudt, 2005). Deste modo, pretendi que, através das narrativas dos beneficiários, se assegurasse a compreensão das lógicas e dos sentidos das suas experiências. A entrevista semidirigida, não sendo inteiramente aberta, nem encaminhada por um grande número de perguntas precisas, permite-nos não colocar as questões pela ordem previamente estabelecida, procurando respeitar a forma como o entrevistado organiza o seu discurso (Quivy & Campenhoudt, 2005).

De forma a que os entrevistados foquem os mesmos aspetos, estabeleci previamente uma grelha de dimensões de análise (apêndice A) que contempla três dimensões relacionadas com a implementação desta medida de política social: a formulação do requerimento, o acompanhamento dos técnicos e os impactos da medida. O processo inicia-se, então, com a formulação do requerimento de RSI, tendo considerado para esta dimensão os seguintes eixos de análise:

i) Que problemáticas eram sentidas antes do requerimento (inclusivamente na família de

origem);

ii) Quais as razões que motivaram o requerimento;

iii) Como é iniciado e desenrolado o processo de decisão do requerimento;

iv) Qual a perceção que os entrevistados tinham da medida e dos seus beneficiários; v) Que representações achavam que a vox populi produziria sobre si e sobre o facto de

passarem a ser requerentes e beneficiários do RSI.

Depois da formulação do requerimento RSI, identifiquei como segunda grande dimensão o acompanhamento/intervenção dos técnicos, o qual permite a transformação da medida em ações reais. Procurei, desta forma, estudar a perceção dos entrevistados com base nos seguintes eixos:

i) Qual a perceção acerca do acompanhamento dos técnicos;

ii) Quais são as formas de contacto dos técnicos com os beneficiários; iii) De que forma é elaborado o CI (negociação / imposição);

iv) Qual a sua opinião relativamente às obrigações inerentes à medida, nomeadamente

perante o serviço de emprego.

A última dimensão de análise corresponde à avaliação dos impactos sociais da medida. Nesta fase, as questões que orientaram o estudo foram:

i) Quais são as principais mudanças sentidas pelos beneficiários com a prestação;

ii) Que capacidade tem a medida para responder às responsabilidades económicas da

esfera doméstica;

iii) Qual é a perceção da prestação enquanto beneficiário (comparando com a perceção

enquanto não-beneficiário);

iv) Qual a influência do RSI na rede de relações sociais dos beneficiários;

v) Qual a perceção do futuro (perspetivas de emprego e durabilidade do benefício); vi) Quais são as propostas de melhoria/alteração da medida.

Capítulo 2. Procedimentos metodológicos

A partir desta grelha, construí o guião de entrevista (apêndice B). Nele integrei perguntas tendentes a tratar as dimensões centrais do estudo, considerando os objetivos da investigação. Aliás, como referem Carmo e Ferreira (1998), a utilização da entrevista requer que se tenha em consideração alguns aspetos, nomeadamente como definir o objetivo da investigação, como construir o guião de entrevista, como selecionar os entrevistados, a marcação de local, data e hora, como evitar perguntas indutoras, como registar as observações sobre o comportamento do entrevistado e o ambiente em que decorre a entrevista.

Antes de iniciar as entrevistas, efetuei um contacto telefónico para obter uma autorização prévia dos beneficiários selecionados para o estudo. Todos eles concordaram e se disponibilizaram para agendamento do dia e hora. As entrevistas foram efetuadas no domicílio de cada entrevistado, sendo, na minha opinião, um espaço onde se sentem confortáveis, o que constitui um elemento facilitador das informações a obter, circunstância que se veio a confirmar.

A entrevista semidirigida foi, então, o instrumento privilegiado de recolha de dados. Diga-se que se encontra entre as mais utilizadas na investigação social, dada a sua flexibilidade, não sendo inteiramente livre e aberta, nem orientada por um leque inflexível de perguntas estabelecidas. Neste tipo de entrevista,

o entrevistador deixará andar o entrevistado para que este possa falar abertamente, com as palavras que desejar e pela ordem que lhe convier. O investigador esforçar-se-á simplesmente por reencaminhar a entrevista para os objetivos cada vez que o entrevistado deles se afastar (Quivy & Campenhoudt, 2005, pp. 192-193).

Assim, estas entrevistas permitiram-me aceder a uma informação rica e profunda acerca dos temas que pretendia abordar. Decorreram, em média, entre 30 a 40 minutos cada uma, tendo sido gravadas, para um melhor registo da informação recolhida. No início das entrevistas, foi pedida a devida autorização para a gravação áudio, através da assinatura de um consentimento informado (apêndice C) e foi garantido o anonimato dos entrevistados.

Todos os entrevistados me reconheceram, embora não fosse a gestora de caso (como referi atrás), podendo também ter sido facilitador para a recolha de uma informação rica, uma vez que, facilitou a interação e o à vontade. Para além disso, tentei sempre respeitar a liberdade de cada pessoa e procurei estabelecer uma relação de confiança, o que permitiu, de um modo geral, que as mesmas acabassem por se ir exprimindo de uma forma aberta em relação aos seus sentimentos, opiniões, emoções.

Tentei ter sempre presente que a minha personalidade e os meus valores podem ter alguma influência na investigação e foi importante para que, em determinadas alturas, não interrompesse as pessoas, tentando não falar muito e ouvir mais. Foi uma das maiores dificuldades que tive durante o decorrer das entrevistas e pude apenas percebê-lo aquando da audição das mesmas. Julgo que esta situação pode estar relacionada com o facto de que, alguns entrevistados, principalmente E1, E4 e E10, não conseguirem facilmente colocar em palavras o que queriam exprimir, apresentando respostas muito curtas, ou mesmo divergentes do que se pretendia. Assim, procurei através de perguntas e reformulações, ajudá-los a exprimir-se ou a orientar-se para o pretendido.

Se, por um lado, esta técnica de levar as pessoas a explicitarem o que diziam ter permitido compreendê-las melhor, por outro lado, contribuiu para que as entrevistas se prolongassem por mais tempo, tendo tornado o processo posterior de transcrição mais moroso. Posteriormente, estas entrevistas foram integralmente transcritas, sendo atribuído um número a cada entrevistado por forma a garantir o anonimato.

Os dados obtidos através das entrevistas foram submetidos à análise de conteúdo. Esta técnica de análise tem um papel cada vez mais importante na investigação social, dado possibilitar o tratamento de informações e testemunhos que apresentam um certo grau de profundidade e de complexidade de forma metódica e com rigor (Quivy & Campenhoudt, 2005). Desta forma, segui a sugestão de Guerra (2006) e utilizei o modelo simplificado baseado na proposta de Poirier e Valladon, ou seja, a partir de uma análise temática, através da qual se segmentam os discursos por categorias, classificadas e agrupadas. Ainda seguindo a sugestão de Guerra (2006), analisei os discursos e os seus significados, procurando aliar a objetividade dos discursos com a riqueza da subjetividade inerente ao entendimento que cada entrevistado possui. Destes discursos construí as sinopses (apêndice D), que podem ser entendidas como uma “síntese dos discursos que contêm a mensagem essencial da entrevista e são fiéis, inclusive na linguagem, ao que disseram os entrevistados” (Guerra, 2006, p. 73). Na construção das sinopses, elaborei três grelhas (com as dimensões analisadas) que foram divididas pelas categorias em estudo.

Capítulo 3.