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CAPÍTULO I O MUSEU E O PROFESSOR NA RELAÇÃO MUSEU-

1.2 A construção conceitual das representações sociais: sua contribuição

1.2.3 Processos formadores das Representações Sociais

Moscovici apontou para dois processos que estão dialeticamente relacionados na formação das representações sociais e que se referem à articulação entre a atividade cognitiva e as condições sociais nas quais são construídas as representações. São eles: a objetivação e a ancoragem.

O processo de objetivação ocorre quando os indivíduos recorrem aos elementos ideológicos existentes em seu meio social (valores, mitos, crenças, etc) para constituir uma imagem significante sobre um dado objeto de representação. Em outras palavras, um conhecimento novo é objetivado quando se torna “palpável” do ponto de vista figurativo, a partir de uma construção abstrata, tornando-se expressão da realidade pensada como natural.

Segundo Moscovici, objetivar é reproduzir um conceito em uma imagem. Para exemplificar, usa da comparação entre Deus e um pai, que instantaneamente se torna visível em nossas mentes, como uma pessoa a quem podemos responder como tal (2003, p.72).

Diante de um enorme estoque de palavras que se referem a objetos específicos, que circulam mais ainda na então chamada “sociedade do conhecimento” e na “era da informação”, estamos sempre impelidos a prover estes objetos de sentidos concretos correspondentes; daí a importância da objetivação.

O teórico adverte ainda que, se existem imagens essencialmente ligadas à comunicação e à compreensão, é porque elas não existem sem uma dada realidade e não podem permanecer sem ela, concluindo que, “como por uma

espécie de imperativo lógico, as imagens se tornam elementos da realidade em vez de elemento do pensamento (ibid, p.74)”.

O processo de objetivação é caracterizado por três elementos interdependentes: a construção seletiva, na qual as informações, crenças e idéias acerca do objeto da representação sofrem um processo de seleção, de descontextualização, em função de critérios culturais (remetendo às condições de acesso às informações) e critérios normativos (funcionando como retentores dos elementos de informação para constituir um sistema de valores próprios aos grupos); a esquematização ou núcleo figurativo em que se acentua um princípio organizador da informação para se constituir um padrão de relações estruturadas, um modo de ordenar as informações, em que cada elemento de sentido se refere a uma imagem. Os estudos de Abric (1989, apud NÓBREGA, 2001) aprofundaram essa etapa da objetivação, dando uma visão mais ampliada da teoria de Moscovici; já a naturalização é o processo em que os conceitos ordenados na estrutura figurativa se tornam categorias naturais e adquirem materialidade, ganhando evidência na realidade e no senso comum. “O conceito deixa de ser uma idéia e até mesmo uma simbolização da imagem, para tornar-se uma entidade autônoma (NÓBREGA, 2001. p. 75) ”.

No processo de objetivação, as duas primeiras etapas estão estritamente relacionadas ao efeito da comunicação e das pressões originárias na pertença social dos indivíduos.

Moscovici, em estudos posteriores, considerou que, para se materializar uma idéia ou conceito, ou a sua naturalização, existem ainda três processos constituintes: a personificação, associação de uma teoria sobre um objeto a um indivíduo; a figuração/metaforização, imagens e metáforas substituem

conceitos complexos, transmitindo o essencial do seu conteúdo de forma aceitável para o quadro de valores dos grupos; e a ontologização, atribuição de qualidades ou forças às idéias, às palavras ou coisas (VALA,2000).

No que concerne à ancoragem, um segundo processo relacionado à formação das representações sociais, ocorre um processo de transformação de algo não familiar em familiar. Para tanto, são buscadas referências em experiências e esquemas de pensamento, para, assim, constituir uma contextualização do objeto novo com que se tem contato. Em suma, Moscovici (apud, NÓBREGA, 2001) destaca que a ancoragem consiste

na maneira na qual as informações novas são integradas e transformadas em um conjunto de conhecimentos socialmente estabelecidos e na rede de significações socialmente disponíveis, para interpretar o real, onde são, em seguida reincorporadas na qualidade de categorias servindo de guia de compreensão e da ação.

Para Moscovici (2003), ancorar é classificar e dar nome a alguma coisa. Segundo (ibid, p.66): “Coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras”. Moscovici ainda acrescenta: “de fato o que é anônimo, o que não pode ser nomeado, não pode se tornar uma imagem comunicável ou ser facilmente ligada a outras imagens (p.61).”

O ato de nomear que possibilita a descrição, a avaliação e a interpretação, é muito importante, pois, geralmente, estabelecemos uma resistência frente a algo novo quando não conseguimos nomeá-lo. Daí o papel fundamental da ancoragem. Esse processo constituinte das representações sociais revela e direciona a nossa postura negativa ou positiva diante de um objeto que nos é conhecido.

A ancoragem se organiza a partir de três condições estruturantes

descritas por Nóbrega (op.cit). A primeira é atribuição de sentidos, uma significação sobre um dado objeto inscrita numa “rede de significações”, existentes na sociedade, (JODELET, 1996). É ela que imprime a marca dos distintivos culturais; “o pensamento constituinte se apóia sobre o pensamento constituído, a fim de ordenar a novidade nos moldes antigos, no que já é conhecido” (JODELET, 2001). A segunda é instrumentalização do saber, que confere um valor funcional à estrutura figurativa da representação. A relação entre o indivíduo e o meio é mediada pelo sistema de interpretação e transforma o conhecimento novo em algo útil para explicar e atuar no mundo. O

enraizamento no sistema do pensamento, a terceira condição estruturante,

articula a oposição entre a incorporação dos elementos novos na sociedade e a familiarização do que é estranho, ou seja, o elemento novo, ao entrar em contato com os pensamentos mais antigos, desencadeia novas interpretações sobre a realidade.

Moscovici (ibid, p.78) ainda destacou o papel da memória em sua dimensão psicológica e social, como fundamental para a efetivação dos processos formadores descritos acima. Afirma:

É dessa soma de experiências e memórias comuns que nós extraímos as imagens, linguagens e gestos necessários para superar o não-familiar, com suas conseqüentes ansiedades. As experiências e memórias não são nem inertes, nem mortas. Elas são dinâmicas e imortais. Ancoragem e objetivação são, pois, maneiras de lidar com a memória. A primeira mantém a memória em movimento e a memória é dirigida para dentro, está sempre colocando e tirando objetos, pessoas, acontecimentos, que ela classifica de acordo com um tipo e os rotula com um nome. A segunda, sendo mais ou menos direcionada para fora (para outros), tira daí conceitos e imagens para juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas conhecidas a partir do que já é conhecido.

Esse aspecto nos remete à importância que pretendemos dar à experiência de vida dos(as) professores(as) relacionada ao museu para, assim, tentarmos compreender como eles têm representado essa instituição.

Esse percurso sobre a noção de representação social iluminou todo o nosso olhar sobre o nosso objeto de pesquisa e nos possibilitou elaborar três perguntas-chave para a análise e compreensão das representações sociais dos(as) professores(as) sobre o museu: Quais são as suas representações sociais? Como se caracterizam? E quais são as principais influências sociais e cognitivas na construção de suas representações?

Em torno dessas questões passa a compreensão de como as professoras objetivam e ancoram suas representações sociais, quais são os modelos imageantes que lhes dão suporte, que universo semântico as estruturam, quais as marcas sociais que influenciam sua constituição e, sob que forma, essas representações tem se expressado em suas condutas e comunicações.

O próximo capítulo, que versa sobre o percurso teórico-metodológico, aprofundará e explicitará um outro momento imprescindível na construção do conhecimento; a definição do método e das técnicas através dos quais foram coletados os dados empíricos relacionados ao problema, para serem submetidos a uma análise que produziu resultados interpretáveis.