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GRUPO 4: DIMENSÕES DA POLÍTICA A TUAL E A LIDERANÇA POLÍTICA EM QUESTÃO

3. Análises por eixos temáticos

3.5. Produção de Informação

O uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs) por esses coletivos e movimentos corrobora com as hipóteses anteriores a respeito das potencialidades democráticas da internet e contribui para a realização das formas de organização e participação que estes movimentos defendem.

As potencialidades democráticas previstas nessas hipóteses baseiam-se na arquitetura em rede da internet, que permite o exercício: i) do princípio da isegoria; ii) da produção de informação; iii) da liderança horizontalizada; iv) da ação descentralizada dos militantes; e v) da organização e da mobilização de cidadãos independentes. (BACHINI, 2013; CASTELLS, 2013)

Atentando especialmente à segunda potencialidade democrática do uso das redes, a produção de informação, Castells (2009) formula sua tese a respeito do poder de comunicação (communication power). Para o autor, a arquitetura das redes provoca o deslocamento do poder de produzir informação, que antes se concentrava nas mãos dos mass media, democratizando-o e difundindo-o, e gera outra forma de poder que se fundamenta na capacidade relacional dos indivíduos.

Desse modo, alguns autores entendem que o poder de comunicação que emerge das redes tende a propiciar o empoderamento dos indivíduos e a estimulá-los ao debate e ao engajamento políticos, ampliando assim as formas de participação na vida pública. (PUTNAM, 2000; GOMES, 2011)

“A verdadeira democracia eletrônica consiste em encorajar, tanto quanto possível – graças às possibilidades de comunicação interativa e coletiva oferecidas pelo ciberespaço – a expressão e a elaboração dos problemas da cidade pelos próprios cidadãos, a auto-organização das comunidades locais, a participação nas deliberações por parte de grupos diretamente afetados pelas decisões, a transparência das políticas públicas e a sua avaliação pelos cidadãos” (LÉVY,1999; p. 190)

A partir da análise de conteúdo realizada nas páginas dos coletivos que participaram das manifestações de junho, observamos que esses se utilizaram do Facebook essencialmente para produzir informação contra-hegemônica ou alternativa aos mass media e mobilizar os cidadãos para os atos.

Com base no gráfico 1, notamos que esse espaço fora usado para que os integrantes desses coletivos expressassem sua crítica a respeito dos políticos, das instituições representativas, do sistema capitalista, da polícia e dos mass media.

Especialmente no que se refere a esses dois últimos usos, averiguamos a partir das postagens relacionadas aos temas 6, 7, 8 e 12 que os coletivos se aproveitaram desse

espaço para corrigir as distorções da cobertura midiática e do governo sobre os atos e denunciar a repressão truculenta que sofriam por parte da polícia militar. Para tanto, os coletivos se utilizaram na maioria das vezes de fotos e vídeos produzidas pelos manifestantes a partir de seus celulares durante os atos, conforme podemos verificar no gráfico abaixo:

Gráfico 8

Chama a atenção também no gráfico 8 a alta frequência do uso de links nas postagens. Esse uso está relacionado fundamentalmente as categorias 11 e 14, e revela que os coletivos se aproveitaram desse espaço para dar a visibilidade não obtida em outros meios às suas propostas. Nesse caso, destacou-se a página do MPL, que em diversas postagens publicizou suas propostas, conforme podemos observar no gráfico 1.

Contudo talvez o uso mais bem-sucedido do Facebook por esses coletivos deu-se na mobilização da população para os atos. De acordo com o gráfico 2, verificamos que esse foi um dos tipos de postagem que mais estimulou os seguidores a interagir com a página. Além disso, dados de fontes secundárias5 revelam que essa mobilização via

internet levou às ruas de pelo menos 350 municípios milhões de pessoas ao longo do mês de junho de 2013.

Nesse sentido, os dados apresentados convergem com os estudos de Castells (2013) acerca dos movimentos sociais que emergiram fora do Brasil a partir de 2011, e especialmente, com sua tese a respeito da formação do espaço da autonomia.

      

5 Dados oficiais da Polícia Militar extraídos de SINGER, 2013 e divulgados amplamente pela imprensa.

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Sem Recursos Fotos VídeosIlustrações/ ImagensLinks Hashtag Pesquisa Outros

Recursos

Nas palavras de Castells,

“Compartilhando dores e esperanças no livre espaço público da internet (...) indivíduos formaram redes, a despeito de suas opiniões pessoais ou filiações organizacionais. Uniram-se. E sua união os ajudou a superar o medo, essa emoção paralisante em que os poderes constituídos se sustentam para prosperar e se reproduzir (...). Da segurança do ciberespaço, pessoas de todas as idades e condições passaram a ocupar o espaço público, num encontro às cegas entre si e com o destino que desejavam forjar, ao reivindicar seu direito de fazer história, sua história, numa manifestação de autoconsciência que sempre caracterizou os grandes movimentos sociais”. (CASTELLS, 2013; p.8)

Outro comportamento observado nos coletivos participantes das manifestações de junho que os aproxima desses movimentos internacionais e, consequentemente, das inferências de Castells, reside na produção colaborativa de conteúdo já prevista na hipótese da inteligência coletiva de Levy (1999) e caracterizada nas análises de HARDT e NEGRI (2001).

Para esses autores, a internet pode ampliar os canais de participação na vida pública ao apresentar espaços colaborativos que não se resumem apenas a publicização das informações, mas que inserem o cidadão em discussões globais e permitem a formulação de ações políticas conjuntamente. A partir de então, os cidadãos passam a exigir a abertura dos “códigos–fonte das sociedades” assim como os dos softwares livres, no sentido “que todos possam trabalhar em cooperação na solução de seus problemas e na criação de novos e melhores programas sociais”. (HARDT E NEGRI, 2001; p.425)

Além de todas as páginas serem abertas para os seguidores publicarem, nesse sentido destacou-se a página do Occupy Brazil, que estimulava seus seguidores a produzirem conteúdo e colaborarem com a gestão daquele espaço e postava todos os conteúdos em inglês e português para que os seus apoiadores de coletivos internacionais, como o Occupy Together e o Global Revolution, pudessem compreendê-las.

Observamos que durante as Jornadas de Junho, os coletivos que se organizaram utilizando os sites de redes sociais (social networking sites) apresentaram questionamentos sobre as formas tradicionais de organização política, tais como partidos, movimentos sociais e sindicatos. Entre os principais questionamentos, notamos a crítica à insuficiência da democracia representativa na condução dos processos políticos contemporâneos.

Para Manin (1997), a chamada crise da representação política nos países ocidentais decorre da metamorfose da democracia de partido para a democracia de audiência (ou público), metamorfose essa cujo motor foi a introdução dos mass media na política. Para o autor, o resultado desse processo é o declínio das relações de identificação entre representantes e representados e da determinação das políticas públicas por parte do eleitorado.

Contudo, ao refletir sobre os protestos atuais, Manin (2013) compreende que a emergência desses novos movimentos sociais críticos à ordem vigente é uma característica da própria democracia representativa, que tem como um de seus princípios a liberdade de expressão e oposição.

Outra característica desses movimentos é o uso das tecnologias de informação e de comunicação para a ação política. Nesse caso específico, constatamos que não se trata apenas do uso comunicacional, mas a própria arquitetura em rede (CASTELLS, 2009) dessas mídias expressa uma modificação no processo político, considerando o caráter horizontal, sem centralização, as formas interativas e, principalmente, o aspecto conectivo entre os coletivos políticos.

A incorporação de ferramentas digitais nos processos políticos proporciona um conjunto de mudanças nos espaços tradicionais de discussão, nas instâncias de formulação e de deliberação possibilitando a inovação nas formas de participação dos atores (GOMES, 2011).

Verificamos também a utilização de dispositivos digitais e virtuais na articulação de redes sociais com o objetivo de dinamizar e descentralizar o debate político, de ampliar as possibilidades de organização das ações coletivas e de processos de resistência, incorporando os sujeitos aos debates sobre as questões sociais e políticas.

O uso das redes sociais para a ação política expressa uma modificação significativa no papel das lideranças e na própria característica dos movimentos articulados em torno de reivindicações sociais, econômicas, culturais e políticas. No geral, observamos a multiplicidade de demandas (HARDT & NEGRI, 2005) e, ao mesmo tempo, a ausência

de uma liderança com projeção no cenário político nacional. Contudo, ao utilizarem as redes sociais para publicizar suas propostas, esses temas encontram ressonância no campo social e ganham visibilidade, inclusive nas mídias tradicionais.

Observamos que as redes sociais potencializam determinadas questões do campo social e podem catalisar sentimento de protesto ou de indignação em algumas convocatórias, demonstrando uma capacidade que há muito os partidos políticos e movimentos sociais tradicionais vêm perdendo. Temas considerados periféricos a agenda de debates ou até mesmo que envolvem questões relacionadas às políticas públicas ganham outro tratamento, uma abordagem que se difere das formas utilizadas pelas lideranças tradicionais.

O funcionamento em rede sem um centro que concentre a capacidade de informar e de convocar possibilita a descentralização da política e estimula o redimensionamento do papel das lideranças políticas. Evidentemente, as redes sociais não encerram o papel das lideranças políticas, mas impõem às lideranças a necessidade de se pensar em novas práticas que convirjam com os anseios que hão de estruturar a chamada nova política.

“Devemos resistir precisamente a uma tradução assim apressada da energia das manifestações para um conjunto de demandas pragmáticas “concretas”. Sim, os protestos realmente criaram um vazio – um vazio no campo da ideologia hegemônica -. E será algum tempo para preenchê-lo de maneira apropriada, posto que se trata de um vazio que carrega consigo um embrião, uma abertura para o verdadeiro Novo” (ZIZEK, 2012, p. 18)

Em suma, observamos um processo em aberto, mas já deflagrado, em que os coletivos estão buscando seus caminhos. Suas respostas não estão dadas previamente, mas em fase de construção a partir do questionamento das atuais práticas políticas, das formas institucionais e organizativas e da proposição e novas formas de se fazer política.

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