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5 O QUE NOS DIZ A OLIMPÍADA SOBRE A AVALIAÇÃO EM SUAS

5.1.4 Professor é mais que corretor, é interlocutor

Conforme Schlatter e Garcez (2014, p. 38), “sempre que nos expressamos (no que dizemos ou deixamos de dizer), temos em perspectiva com quem interagimos, por que razão e com que finalidade, e assumimos uma posição de diálogo com o outro”. Se no nosso cotidiano não escrevemos pensando num corretor, mas num leitor, como manter esse aspecto da linguagem nas produções escritas dentro da sala de aula? De acordo com Britto (2014, p. 24), nós, os professores, “só contribuiremos para a formação e o sucesso de nossos alunos se nos posicionarmos como leitores e parceiros deles”. Nesse mesmo sentido, para Zelmanovitz (2014, p. 11), a avaliação “supõe a presença de dois participantes: de um lado, autores e, de outro, leitores, ambos encarando a montagem de dois difíceis quebra-cabeças – a construção de um texto e a avaliação da produção textual”.

A posição esperada de um professor diante do texto do aluno deve ir além da de um revisor; o educador deve estabelecer relações dialógicas com esse texto, “deve agir como um real parceiro, concordando, discordando, acrescentando, questionando, perguntando etc” (SILVA e SUASSUNA, 2015, p. 74). Ao avaliar, portanto, o professor, antes de se preocupar somente com os recursos linguísticos que o aluno usou, deve estar atento também para o que o texto do aluno diz, apontando, em sua avaliação, sugestões de melhoria em todos os aspectos textuais que as requeiram: “o professor deve questionar o texto do aluno como um leitor ou um coautor, apontando outros caminhos possíveis para o aluno dizer o que quer dizer e fazendo da avaliação um momento para refletir sobre os múltiplos usos da língua” (SILVA e SUASSUNA, 2015, p. 72). Entretanto, como indicam as autoras (2015), os alunos acabam escrevendo não para serem lidos, mas corrigidos: as respostas que eles obtêm são muitas vezes o silêncio, uma nota, ou um mero visto.

Ao olhar para o texto dos alunos apenas com os olhos de um corretor, sem permitir que o texto primeiramente lhe intrigue, o educador “torna difícil aos alunos irem reafirmando, ao escrever, a natureza de diálogo inerente a todo o uso da linguagem” (SIMÕES e FARIAS,

2013, p. 32). Para Pereira (2013), os alunos podem desenvolver certa aversão à escrita devido a essas práticas mais tradicionais de avaliação textual. Ao devolver os textos apenas destacando o que estava errado, reforça-se uma dicotomia do conhecimento na qual o professor é aquele que detém todo o saber e o aluno é aquele que não sabe nada. A autora (2013) ainda reforça que os alunos precisam ser lidos “de verdade”, visto que, quando o professor se interessa pelo que o aluno tem a dizer, é mais fácil engajá-lo no processo de escrita.

Conforme Suassuna (2014), o aluno percebe quando o professor manda escrever e sequer sabe por que mandou, tampouco está interessado em saber o que o aluno tem a dizer sobre determinado tema. Isso faz com que o aluno fique sem vontade de escrever ou de dizer sinceramente o que pensa e acabe se recusando a fazer a tarefa. Desse modo, é necessário que o professor se posicione como um leitor interessado para que o processo de (re)escrita faça sentido e, assim, os alunos queiram participar dos projetos em sala de aula.

Além disso, colocando a questão numa perspectiva bakhtiniana,

“É pela prática de escrever e de efetivamente obter reações e respostas ao nosso texto que nos constituímos como participantes proficientes. E é através de muita prática que aprendemos a optar melhor e de maneira menos ingênua, levando em conta os detalhes que são importantes sobre as pessoas a quem nos dirigimos, por quê, para quê.” (SCHLATTER e GARCEZ, 2014, p. 38)

É pela interlocução que nos constituímos e nos aprimoramos como autores. Por conseguinte, se queremos formar alunos-autores, é importante que nos posicionemos como professores- leitores de seus textos. Simões e Farias (2013, p. 34) ratificam tal afirmação ao dizer que se “o professor se manifesta como um leitor, ao reescrever, o aluno se constituirá em autor. Assim, a reescrita dele vai começar respondendo às dúvidas do leitor e reagir aos destaques que esse leitor dá a aspectos do texto”.

A fim de que o professor consiga colocar-se no papel de leitor, reiterando o que já foi dito, é preciso que este deixe claro, na tarefa de escrita, uma situação interlocutiva clara. Assim, o professor consegue assumir o lugar do leitor projetado no enunciado.

O professor, por sua vez, deve oferecer a seu aluno tarefas cujos enunciados sejam claros e precisos em relação aos aspectos que devem ser atendidos pelos alunos, e ainda, em sua leitura avaliativa, deve posicionar-se (…) como o interlocutor hipotético que a tarefa solicita que o aluno considere, tornando-se interlocutor do aluno. (MANGABEIRA, COSTA e SIMÕES, 2011, p. 299)

Do mesmo modo, o “bom” autor, isto é, o aluno que consegue transparecer a interlocução de seu texto, permite que seu leitor (que, num primeiro momento, pode ser o professor) passe a reivindicar o papel social do leitor projetado.

Se o texto apresentar uma interlocução e um propósito reconhecível, o avaliador da Olimpíada também vai saber se colocar no papel de leitor e reagir a ele conforme

projetado. Um escritor proficiente deixa transparecer o que quer dizer, para quem e por que razão. O leitor poderá, assim, reconhecer esses aspectos no texto, reagir como alguém do grupo a quem a produção se destina, ou de fora, e então se posicionar, respondendo à expectativa criada pelo gênero. (SCHLATTER e GARCEZ, 2014, p. 43)

Se, por um lado, o professor precisa abandonar o seu papel como corretor em benefício do seu papel como leitor interessado, entrando no jogo de personagens criados pelas tarefas de escrita, por outro lado, é esperado que, nesse jogo, haja um leitor mais experiente que vá orientar um autor menos experiente. Por mais semelhante que as situações reproduzidas em sala de aula sejam das situações que ocorrem em nosso cotidiano além- muros, a produção textual em sala de aula não deixará de ser uma tarefa escolar, que pressupõe uma avaliação do aluno por parte do professor:

ainda que a tarefa esteja embasada em uma concepção dialógica da linguagem, que tenha como objetivo fazer com que o aluno faça uma produção de texto situada em uma situação de interlocução bem clara e delimitada em seu enunciado, outra situação de interlocução está em jogo: a interlocução entre o aluno que cumpre uma tarefa pedagógica na sala de aula em questão, e o professor que posteriormente avaliará a produção desse aluno (MANGABEIRA, COSTA e SIMÕES, 2011, p. 298)

Existem, então, duas interlocuções em jogo: a situação projetada no enunciado da tarefa de escrita (autor – leitor); e a que se dá entre o aluno que cumpre certa tarefa pedagógica e o professor que avalia tal tarefa (aluno – professor). Conforme Gomes, que aborda essa questão em relação a exames de proficiência,

o candidato está inserido em dois contextos comunicativos ao mesmo tempo. O primeiro, e real, é o fato de estar sendo avaliado respondendo a questões de um exame de cujo resultado depende sua certificação de proficiente em Língua Portuguesa. Nesse contexto, o papel assumido é o de candidato a ser avaliado, e a sua interlocução é um corretor que dará uma nota ao seu desempenho, o propósito comunicativo é o de convencer a banca examinadora de que ele está apto a receber o certificado de proficiência. O segundo, e hipotético, é estabelecido pelo enunciado da tarefa, no qual o candidato deve se inserir, imaginando como seria adequado usar a língua levando em conta o novo papel a ser assumido por ele e pelo corretor, o propósito comunicativo a ser alcançado e o conteúdo informacional que deve estar presente na materialização do discurso. (GOMES, 2009, p. 25 apud MANGABEIRA, COSTA e SIMÕES, 2011, p. 298-299)

Assim como o candidato de um exame de larga escala – ou um participante da Olimpíada, ou um aluno em sala de aula – precisa se inserir simultaneamente em dois contextos comunicativos, o professor deve agir como esse agente duplo: ele se coloca como o leitor-alvo, que se interessa por e questiona o texto do aluno no que diz respeito ao seu propósito, às suas ideias ao mesmo tempo em que avalia o quanto o aluno cumpriu a tarefa proposta, como mobilizou os recursos linguísticos para cumprir tal tarefa e, ainda, quais são os caminhos para aprimorar possíveis problemas. Portanto, de acordo com Madi (2013, p. 21),

temos que ler “os textos dos alunos assumindo diferentes olhares: leitor (que aprecia), avaliador (que identifica problemas, fragilidades), colaborador (que dá indicações para o aprimoramento)”. Madi (2013, p. 20) complementa que, por mais que se proponha que se escreva para leitores que não participam do ambiente escolar, no caso de um concurso de escrita, como é a OLPEF, não é possível evitar que os alunos-candidatos “tenham em mente os avaliadores, mas é importante que isso não comprometa a interlocução original do texto.”

Como apontaram os colaboradores da OLPEF, é inevitável que, no ambiente escolar, a interlocução aconteça entre aluno e avaliador – e não só entre autor e leitor –, mas é necessário que haja um esforço para que essa interlocução escolarizada não se sobressaia a ou até mesmo anule as situações de comunicação criadas pelas tarefas de escrita. Senão, retornamos ao problema discutido precedentemente: um aluno que é apenas corrigido, que não tem um leitor interessado acaba por se desencorajar de seguir escrevendo.