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5 O QUE NOS DIZ A OLIMPÍADA SOBRE A AVALIAÇÃO EM SUAS

5.1.5 A reescrita é inerente à escrita

Tendo em vista que a Olimpíada adota a metodologia da sequência didática para trabalhar com gêneros discursivos em sala de aula, a reescrita é etapa fundamental do processo de ensino e aprendizagem de escrita. A avaliação de texto nas aulas de Língua Portuguesa, na perspectiva da OLPEF, portanto, leva em conta as múltiplas etapas de escrita de um texto. Aqui, novamente, reforça-se a ideia de que a avaliação é contínua e promotora do aprendizado:

Avaliação não é um fim em si mesmo ou apenas o ponto final do trabalho. Na verdade, essa avaliação está articulada a todo o movimento que gera a própria produção de texto, com suas escritas e reescritas. (A IMPORTÂNCIA, 2014)

A avaliação de escrita, desse modo, está imbricada no processo de reescrita e vice- versa. E a reescrita, por sua vez, é inerente ao ato de escrever. Para Simões e Farias (2013, p. 31), “escrever está muito distante de ser um ato linear. Uma das notáveis características da prática da escrita é que ela se dá num vaivém”. Simões (2014) ressalva que, às vezes, autores muito experientes conseguem “tirar” um texto de uma só vez, porém há de se levar em conta que, nesses casos, o ir e vir do texto se deu ao longo dos anos de experiência desse sujeito. Portanto, quando estamos começando nossa trajetória de autor, são esperadas e necessárias diversas reescritas.

Ainda que alguns autores experientes consigam escrever em um único movimento um texto já publicável, a prática da reescrita é comum até mesmo para autores consagrados.

Belinky, escritora voltada ao público infanto-juvenil, em uma entrevista para a revista Na Ponta do Lápis, conta um pouco sobre seu processo de escrita:

Aí guardo o texto na gaveta para pegar dali a uma semana. Então leio o que escrevi, vejo se acho bom, faço mudanças. Como diz o escritor russo Tchekhov, o texto, o teatro não se escreve, se reescreve. Sempre pode melhorar ou cortar. Eu guardo e releio. Ao reler, posso dizer isso com menos palavras, de um jeito melhor, mais compreensivo. Assim faço a minha apreciação. (BELINKY, 2012, p. 5)

“Se assim é com escritores profissionais, o que dizer dos autores em formação, ou seja, dos alunos?”, questiona Zelmanovitz (2014, p. 9). A autora lembra ainda que não podemos perder de vista que, embora em formação, são autores e, “mesmo se parirem algo aparentemente sem vida, é importante nunca perdermos de vista que as cinzas guardam as últimas confidências do fogo” (ZELMANOVITZ, 2014, p. 9), ou seja, é papel do professor orientar seus alunos em seus primeiros passos com a escrita e perceber que, nas suas desajeitadas linhas, há certo sentido que precisa ser melhor moldado. Como afirma Sampaio (2015, p. 11), há sempre de se ter em vista que os textos “raramente ‘nascem’ prontos para serem apreciados pelos leitores, pois a escrita consiste num exercício que requer leitura, atenção e disciplina”. De modo semelhante, Mendonça (2016) nos explica que a feitura de um texto implica trabalho, processo e diversas refeituras:

O processo de elaboração de qualquer texto, seja ele escrito, seja oral ou multimodal, envolve mais que criação, mais que inspiração. Envolve essencialmente trabalho sobre e com a linguagem. Esse trabalho se traduz em atividade analítica e reflexiva dos sujeitos, nas múltiplas refações do texto. (MENDONÇA, p. 40, 2016)

Visto que, nas práticas escritas cotidianas, escrever é reescrever, na escola não pode ser diferente e cabe ao professor tornar isso claro ao aluno e, ainda mais, motivar o aluno a escrever e reescrever seu texto:

É fundamental que o professor ensine aos alunos que um texto bem escrito – aquele que cumpre a finalidade a que se propõe, conquista legitimidade perante o leitor – é um processo repleto de idas e vindas. Cada nova leitura é uma possibilidade de aprimorar uma ideia, checar o que está confuso, ambíguo, redundante, adequar o vocabulário, ajustar a pontuação, corrigir algum deslize ortográfico, gramatical. O incentivo do professor é decisivo para encorajar os alunos a enfrentar a revisão e o aprimoramento do texto. (REVISAR, 2010, p. 17)

Além de ser uma atividade inerente à escrita, a reescrita – os diversos movimentos, diálogos, interações que o texto do aluno faz ao longo de sua construção – é promotora do aprendizado. De acordo com Suassuna (2014, p. 6), “só o vai e vem do texto permite a aprendizagem, o investimento, a descoberta de novos caminhos”. Simões (2014) corrobora a fala de Suassuna ao lembrar que a reescrita é um momento privilegiado para o aprendizado, posto que faz o aluno refletir sobre os usos da linguagem. Schlatter (2018, p. 23) afirma ainda que “escrever, compartilhar e reescrever não implica em usar a última versão como a melhor,

mas sim ter vivenciado essas etapas para refletir sobre possibilidades, poder escolher e justificar o que se quer dizer e como se quer dizer.” Para a autora, o processo de escrita e reescritas, no que diz respeito à aprendizagem, é mais importante que o produto final. É no reescrever, como nos aponta Mendonça (2016), que o professor, como bom mediador, pode chamar a atenção do aluno para determinado ponto do texto e o aluno vai ter que encontrar caminhos para o aprimoramento de tal ponto, detonando reflexões que ampliam suas capacidades discursivas:

A análise linguística pode ter ainda um papel muito importante nas devolutivas dos textos, já lidos e comentados pelo professor ou por outros avaliadores/revisores (alunos, grupos de alunos, outras pessoas). Nesse momento, chegam aos estudantes indicações de aspectos para aprimorar seu texto que lhe escaparam anteriormente por serem, provavelmente, mais opacos, menos perceptíveis a esses autores. Assim, indicações qualificadas dos pontos a serem ajustados podem detonar processos reflexivos poderosos e fundamentais na ampliação das capacidades discursivas dos alunos, desde que contem com a mediação docente adequada. (MENDONÇA, 2016, p. 42)

Outra questão levantada pela Olimpíada em relação à avaliação da (re)escrita diz respeito ao avaliar em diferentes camadas. Uma vez que um texto se faz em diferentes etapas e que o professor deveria se posicionar, primeiramente, como um leitor interessado, sem esquecer que ele é um mediador experiente, uma avaliação não precisa esgotar todos os problemas textuais de uma só vez. Nesse sentido, Zelmanovitz (2014) afirma que a avaliação necessita ocorrer em três camadas:

Na primeira camada, o professor entra em contato com o conteúdo geral do texto, isto é, busca compreender o que o autor quis dizer. Esse é o momento de o professor conversar com seus botões: o que ele quis dizer está dito? Se sim, por quê? Se não, o que atravancou o caminho – excessos, ausências, problemas na sequência?

Para responder a essas questões, o professor vai para a segunda camada de leitura. Nela já é possível investigar a relação entre o todo e suas partes, deter-se em determinados trechos, descobrir como certas referências estudadas foram transpostas para os textos. É o momento em que se amplia a noção do que foi dito, pois entra em cena uma maior percepção sobre o como foi dito.

Na terceira camada, com o olhar bem mais apurado, o professor pode fazer um raio X do texto porque já sabe apontar ideias interessantes, momentos confusos, belas passagens, necessidade de reconstrução de trechos, níveis de proximidade e distância com relação ao gênero e incorreções. (ZELMANOVITZ, 2014, p.10, grifos do autor)

Para a autora, portanto, primeiro o professor deve se deter no que o aluno disse, no conteúdo daquele texto; em seguida, o professor pode estar mais atento a algumas questões da construção do texto; e, por fim, faz-se uma análise mais detalhada. Como reforçam Simões e Farias (2013, p. 31), “lá pelo final da costura são decididos os arremates: uma última revisão, ou um último dedo de prosa do autor com seu texto, proporciona aquele capricho que entrevemos em todo bom resultado”.

Tendo em vista o papel essencial do professor entre as diferentes etapas de uma produção textual, é preciso estar atento à linguagem que ele usará para mediar esse processo. Não basta dizer “está ruim” ou “melhore”, tem que se orientar o aluno em relação à natureza desse problema, para que ele consiga encontrar caminhos para superá-lo. É desse modo que o professor conseguirá promover a aprendizagem através da avaliação, superando a ideia de correção.

O ato de tornar saliente para o aluno um problema textual é muito distinto de apenas indicar que há um problema em determinado trecho. Em se tratando de coesão, por exemplo, mais que destacar um período e escrever “problema de coesão” na margem da folha (ou da tela), é preciso delimitar especificamente a sua natureza – por exemplo, uso indevido de pontuação, conjunção, modo/ tempo verbal, ou falta de paralelismo. Dessa forma, a revisão e a refação do texto podem ser preciosas oportunidades para aprender, não apenas para higienizar o que foi escrito. (MENDONÇA, 2016, p. 42)

Não basta, então, entregar o texto para o aluno e dizer “Melhora”, “Aprimora”. Com isso, o aluno acaba confundindo reescrita com passar a limpo (SIMÕES, 2014). Ainda em relação à linguagem usada pelo professor, Simões (2014) nos lembra de que, ao dialogar com os textos dos alunos, os professores precisam, de certa forma, transformar a linguagem acadêmica da avaliação em uma linguagem acessível para os discentes. Conforme a autora, se o professor se deter em explicar conceitos abstratos da área da avaliação – como adequação ao interlocutor, por exemplo –, o aluno poderá até decorar esses conceitos e reproduzi-los, mas não conseguirá transpô-los ao concreto do seu texto. Visto que o objetivo primeiro é ensinar leitura e escrita e não conceitos abstratos da linguística, cabe ao professor, como conhecedor de seus alunos e dos gêneros que se propõe ensinar, encontrar a melhor linguagem, o melhor vocabulário para atingir seus alunos. Uma ferramenta que pode dar conta dessas questões é o bilhete orientador, sobre o qual a Olimpíada dispensa certas páginas, conforme descrito no próximo subcapítulo.