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Professor monocultural versus Professor inter/multicultural

No documento A escola e a diversidade étnica e cultural (páginas 71-76)

CAPÍTULO II – Diferenciação pedagógica: medida exequível ou demagógica

2. Atitudes dos professores

2.1. Relações Interculturais – Aceitação da diferença

2.1.1. Professor monocultural versus Professor inter/multicultural

Benavente (1990, in Peres, 2000:243) numa investigação tendo como população alvo professoras do ensino básico – 1.º ciclo concluiu que “existem três categorias distintas de ser professor: os inovadores, que pensam que vale a pena construir projectos e ocupar todas as margens de liberdade; os desinvestidos, que não querem, não sabem ou não avaliam correctamente as condições existentes e, finalmente, os cumpridores, que desempenham as suas funções numa leitura minimalista das regras estabelecidas.”. Estas categorias identificadas por

72 Benavente vão ao encontro dos três estilos de atenção à diversidade identificados por Brophy e Good (1974, in Díaz-Aguado, 2003:24): “(1) pró-activo, o professor que consegue adaptar o ensino à diversidade dos alunos; (2) reactivo (o laissez faire); (3) e sobre-reactivo, ou discriminatório”.

Vieira (1995:138) adverte que “Se pretendemos a manutenção da escola como peça fundamental do desenvolvimento, então há que pensar um sistema mais de aprendizagem do que de ensino. (...) Passar-se-ia assim da mera reprodução escolástica à construção de produtores de ideias e, portanto à inovação.”. O mesmo autor acrescenta (idem:140) que “o professor do futuro tem que privilegiar a curiosidade, incitar ao acto de questionar, incutir a vontade e a capacidade de escolher o seu próprio caminho”.

Neste seguimento de ideias podemos referir uma reflexão da APPI – Associação Portuguesa de Professores de Inglês em Pinto, Félix, Cunha (2003:16) que vai de encontro ao papel do professor que aqui tem sido descrito e que implica mudanças de postura face ao ensino, designadamente “o papel do professor muda radicalmente: é-lhe pedido que passe de mero executor a mediador entre o core curriculum e o projecto curricular da sua escola. Paralelamente, cabe-lhe também o papel de construtor do currículo: definindo percursos diferenciados perante a diversidade de situações que se lhe deparam, potenciando as aprendizagens, através da utilização de diferentes metodologias e de diferentes modos de organização do espaço-tempo-aula, tendo em conta os diferentes estilos cognitivos e perfis pedagógicos existentes nas diferentes turmas e nos diferentes alunos numa mesma turma.”.

Peres (2000:208-209) assinala que “Cada vez mais, a profissão de professor abarca uma multiplicidade de tarefas que ultrapassam em larga medida a planificação de aulas, a sua execução e avaliação. O professor deve educar, atender à diversidade sócio-cultural dos alunos, estabelecer laços de cooperação com a família e a comunidade; deve participar no projecto educativo da escola, ser animador cultural, promover uma cultura cívica e ecológica e orientar os alunos para a prática dos valores éticos e morais, deve preparar para a vida e para o trabalho.”.

“O professor – instrutor e professor – personagem (Hannoun, 1975), professor pregador (Rodrigues Dias, 1989) ou mais geralmente designado por professor

73 conservador ou tradicional, no sentido do profissional com uma representação cristalizada do aluno médio, seu interlocutor eleito tem uma única concepção da sua actividade. Instruir é a sua função.” (Ventura, 2001:48)

A autora (idem:53) acrescenta que “o professor instrutor (...) revela um perfil: conservador e tradicional, o que valoriza o que já interiorizou, não demonstrando disponibilidade para a integração de novas concepções da vida e do mundo; pregador, instrutor e monocultural, o que se preocupa sobretudo com o que tem a reproduzir, sem revelar uma atitude expectante, de alguém pronto a ouvir e a aprender com o outro; de personagem, o que demonstra dificuldade em lidar com situações que envolvam sentimentos.”.

Sousa (1998:310) adverte que “quando a escola recusa e silencia as identidades sócio-culturais localizadas, a pretexto de uma formação de cidadãos formalmente homogéneos face ao estado, está a contribuir para a permanência das clivagens sociais através de formas de discriminação e exclusão, de criação de desigualdades sociais.”.

“É na perspectiva de uma concepção como um processo libertador, no sentido da construção da autonomia pessoal, com a participação activa do aluno, que surge o conceito de professor – treinador e professor – pessoa (Montessori in Hannoun, 1975), professor reflexivo (Nóvoa, 1990 e Alarcão, 1996) ou professor multicultural (Stoer e Cortesão, 1999)” (in Ventura, 2001:53).

“Ser-se reflexivo, na opinião de Schon (1987) e corroborado por Alarcão (1996), é a capacidade de utilizar o pensamento como atribuidor de sentido. A reflexão baseia-se na vontade, no pensamento, em atitudes de questionamento e curiosidade, na busca da verdade e da justiça. Conjuga cognição e afectividade num acto específico, próprio do ser humano. Aceita-se o sujeito em formação como pessoa que pensa, dando-lhe o direito de construir o seu saber. Valoriza-se a experiência como fonte de aprendizagem, a metacognição como processo de conhecer o próprio modo de conhecer e reconhece-se a capacidade de tomar em mão própria a gestão da aprendizagem.” (Pereira, 2004:101-102)

Ventura (2001:62) acrescenta que “o professor treinador revela um perfil: de pessoa, o pendor afectivo e emocional das relações interpessoais não constituem um problema; multicultural, tendo uma atitude de entusiasmo perante a novidade ou a diferença, e de curiosidade face ao outro; reflexivo, possuindo consciência

74 das suas limitações e potencialidades, assumindo-as e admitindo que pode sempre melhorar”.

Denote-se que já em 1972 a 1974, Gilly (in Gonzaga, 1998:235) nos seus trabalhos sobre a representação do aluno pelo professor “isolou um factor de impressão geral (...) que é interpretado pelo autor por estreita referência à função profissional “instrução”. Este factor geral traduz uma apreensão global e indiferenciada efectuada a partir de valores fortemente desejáveis sócio- indiferenciada efectuada a partir de valores fortemente desejáveis sócio- institucionalmente na consecução dos objectivos ligados ao papel tradicional atribuído ao professor enquanto “transmissor” do saber. Esta dimensão principal assenta primeiramente sobre as atitudes face ao trabalho escolar (mobilização do aluno, empenho, participação, aplicação, motivação) e só depois sobre as disposições cognitivas intelectuais facilitadoras da interiorização e assimilação, da aprendizagem retentiva dos saberes transmitidos com vantagem sobre a sua expressão criativa. Um segundo factor extraído traduz a forte influência normativa sócio-institucional. Trata-se de um factor interpretável por referência aos aspectos sociais dos comportamentos destacando uma outra função atribuída ao professor: a “gestão do grupo-classe”. Enquanto que o primeiro factor descrito se encontra associado ao quadro normativo de valores para a realização do objectivo “instrução”, este segundo factor (...) envia-nos para o quadro normativo dos valores que gerem a vida social do grupo-classe, para as regras sócio-morais da vida escolar, aquelas que condicionam e determinam a qualidade da integração de cada aluno às condições colectivas do ensino, pelas relações que estabelece com os seus colegas e com o próprio professor.”.

“A estruturação da representação do aluno pelo professor obtida a partir dos trabalhos de Gilly é também confirmada na generalidade pelos trabalhos de Mollo (1979), e na investigação mais recentemente realizada na realidade portuguesa, de Carita (1999), J. L. Sousa (1994) e Gonzaga (1996). Em todos encontramos a ideia de que os modelos interiorizados pelo professor se centram sobre o ser papel de “agente de instrução” e de “gestão da turma” e na respectiva receptividade interessada do aluno no processo de aprendizagem e conduta social passiva e relativamente conformista como “agido dessa instrução”. A

75 dimensão humana dos alunos é, em todos, remetida para segundo plano” (Gonzaga, 1998:236).

Sousa (1998:310) advoga que “Apenas o professor, enquanto elemento que filtra em última análise todo o sistema, poderá estabelecer a ponte entre as diversas culturas presentes, através de um confronto positivo entre as mesmas, pela resolução auto-regulada dos conflitos cognitivos e culturais (...). A ele caberá fazer da escola um espaço de pluralismo cultural, de expressão e afirmação prática de referências e identidades, como ponto de partida e núcleo estruturador dos percursos e processos de aprendizagem dos alunos. A ele caberá concretizar a promoção educativa de cada um, sem desvalorizar cosmovisões localizadas e pessoalizadas. A ele caberá resolver, no terreno, o conflito entre globalização e diversidade, através do respeito pelas identidades e especificidades regionais, locais e pessoais que apenas consolidarão a integração e a coesão social.”

O professor treinador surge como um agente educativo reflexivo que revela preponderância para o professor inter/multicultural, enquanto que o professor instrutor pelas suas práticas de ensino assemelha-se ao professor monocultural.

Os trabalhos de Perestrelo (1998, in Stoer, 2001:265-266) “demonstram que o professor monocultural faz tudo para afastar a diferença da sala de aula. Isto é, o professor desenvolve estratégias (não sempre conscientemente assumidas), por exemplo através da organização da turma ou do espaço físico de sala de aula, ou através da interacção que promove (ou não) com certos alunos, que não só simplificam a acção pedagógica, assim pondo em causa os benefícios que poderiam ser desenvolvidos na base da sua complexidade, como homogeneízam as relações socioculturais da sala de aula. É verdade que a dominância deste professor começa a ser questionada, mas as condições que subjazem a este questionamento tendem a transformar uma potencial conversa dialogada numa conversa banal e unidireccional”.

Stoer (2001:271-272) propõe “a educação inter/multicultural crítica como movimento contra-hegemónico; crítica porque armada por um conhecimento sociológico reflexivo e implicado, quer do processo de reprodução social e cultural quer da relação entre cidadania e subjectividade; contra-hegemónico porque face aos excessos de regulação se assume como parte integral do movimento para a solidariedade, a cidadania activa e a justiça social. Expressando esse movimento

76 contra-hegemónico ao nível da educação escolar estará o agente educativo “relocalizado”, articulado em rede, parceiro de um processo de desenvolvimento local integrado, inter/multicultural na sua gestão de diferença e na sua capacidade de promover o bilinguismo cultural”.

Temos consciência que em muitas salas de aula os alunos ainda são meros receptores de conhecimentos, em que a sua aprendizagem é uma actividade passiva em que estes apenas praticam o que lhes foi ensinado e transmitido. Consideramos que face às novas concepções de compreensão do processo ensino-aprendizagem é imperativo que os alunos sejam participantes activos na sua aprendizagem e aprendam pela descoberta, pesquisa e intervenção activa na procura de respostas para as suas interrogações, desta forma estaremos a educar crianças críticas que adoptam posturas activas. Esta concepção envolve uma aprendizagem cooperativa em que as crianças aprendam umas com as outras e pesquisem, sendo que caberá ao professor assumir o papel de guia deste processo de aprendizagem e não ser mero transmissor e, em vez de adoptar um papel de instrutor fomentar uma postura de professor treinador que supervisiona e orienta os seus alunos num projecto de aprendizagem, levando-os a ser mais autónomos e críticos.

No documento A escola e a diversidade étnica e cultural (páginas 71-76)