• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – REVISÃO DA LITERATURA

2.4 O PROFESSOR: UM POUCO DE SUA HISTÓRIA

O professor José Mário Conceição Zeferino, 44 anos conhecido como Mazé ou Zeferino, filho de família humilde da cidade de Santo Amaro, do Recôncavo da Bahia e berço do Samba de Roda, é licenciado em História, desde 1997, pela Universidade Federal da Bahia - UFBa, especialista em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana pela Fundação Cayru.

Figura 17: Prof. José Mário Zeferino Foto: Rosania Amorim.

Antes de ser professor, exerceu diversas atividades subalternas como ajudante de pedreiro, apontador de obra, serviços gerais, vigilante, zelador de escola. Dos 12 anos de experiência como professor, o maior tempo (10 anos) esteve como professor de escola pública do estado, trabalhando com alunos, filhos da classe popular, de trabalhadores de baixa renda. Na última escola que atuou, antes de ser aprovado em concurso público, começou como zelador (serviços gerais), passando para serviço de reprografia e, por fim, submeteu-se a concurso público sendo aprovado como professor de História. Desde o ano de 2000, ele atua no Colégio Estadual já descrito, na periferia da cidade. Além de escolas públicas, em

Salvador, atuou em escolas de três outros municípios da Região Metropolitana de Salvador: Dias D‘Ávila, Camaçari, Simões Filho.

Foi estudante de escola pública e de universidade pública e considera que só poderia estudar em escola pública. Como estudante, a escola oportunizou a aprendizagem requerida e o preparou para ir mais adiante. Tem como referência dois professores, que também são de sua terra: Jorge Portugal, professor, poeta, escritor, apresentador de televisão e Roberto Mendes, professor, escritor e cantor.

Ao chegar à escola do bairro de Águas Claras, diferente de tantos outros professores, teve a curiosidade de conhecer a origem do nome do bairro e do nome da escola. Percebeu que existia uma contradição entre o que era oferecido pela escola e o desejo, a expectativa dos alunos, e a riqueza com aquele caldeirão cultural onde estavam imersos, a escola e os alunos, que era o bairro, e que não era valorizado. Pesquisou o nome do bairro e da escola e aos poucos descobriu que ali existira um quilombo denominado Urubu ou Orobó, que foi liderado pela negra Zeferina. Coincidência ou não, este é também o sobrenome do professor que ao ser entrevistado disse que ficava muito orgulhoso em saber que seu sobrenome tem uma referência. Descobriu também que existiam muitas Casas de Candomblé na redondeza e muitos alunos que as frequentavam.

O professor nos informou que, mesmo antes da Lei 10.639/03 e, posteriormente, a Lei 11.645/08, já havia nele a preocupação de pensar a educação para a convivência, pois em 2000, iniciou o trabalho de forma diferenciada sobre o ensino da História do Brasil. Durante toda a sua vida tem buscado fazer algo que pudesse completar não só o alunado, mas principalmente, a ele mesmo, como professor e como disse: ―[…] eu faço com os meus alunos

aquilo que gostaria que fizessem para comigo, o melhor na qualidade da educação, de uma forma aprendente‖.

Teve, inicialmente, dificuldade com a direção da escola que não permitia a realização de atividades consideradas ―diferentes‖, por isso como ele mesmo diz: ―[…] tive de lutar, não

brigar, com a direção, lutar com as próprias forças com a colaboração dos alunos para fazer um trabalho diferente, para sair do tradicional.”.

Dois anos após o início do seu trabalho, houve mudança na direção da escola, ano em que havia iniciado um projeto de Cultura Popular, para concluir no mês de agosto, mês em que se comemora o dia do folclore, que se refere à cultura popular. Inicialmente, começou a estudar a cidade de Santo Amaro da Purificação, através de jornais, revistas, conversas,

matérias de televisão, conhecendo e aprofundando seus conhecimentos sobre a história do Samba de Roda e a sua prática.

O professor relata que, na época, havia uma resistência muito grande por parte das pessoas que integravam a direção da escola, em permitir tais estudos, por esta razão considerava a direção sempre um obstáculo ao seu trabalho. No entanto, no ano de 2002 teve uma grande surpresa com a chegada do atual diretor, um grande incentivador que já o conhecia como educador, pois, por coincidência, era professor da escola em que trabalhou como zelador, e também veio uma nova vice-diretora, que, diferente das anteriores, o apoiou permitindo o desenvolvimento do seu trabalho com o Samba de Roda e, no dia da apresentação final, no momento em que tocavam, cantavam e sambavam, entrou na roda e, juntamente com as estudantes que usavam suas saias rodadas, sambou, fazendo com que os alunos percebessem a autorização e valorização do trabalho que fizeram.

A proposta deste trabalho, inicialmente denominada de Fluxo em Ação, surgiu a partir da realidade presenciada pelo professor no ano de 2002, quando começou a trabalhar em um projeto da Secretaria de Educação, denominado de Fluxo que visava atender alunos de 5ª a 8ª série, com distorção de idade série, isto é, alunos que haviam ultrapassado a idade limite para conclusão do Ensino Fundamental. Os alunos atendidos por este Projeto vinham de experiências de abandono da escola, sem que tivessem concluído o nível fundamental de ensino, incluindo também aqueles com histórico de reprovações sucessivas. Jovens adultos, que muitos deles, trabalhavam durante o dia e frequentavam as aulas à noite e que necessitavam recuperar o interesse e a autoconfiança para a aprendizagem formal.

Ao perceber esta realidade, o professor com o objetivo de movimentar a sala de aula, propôs o trabalho com o samba fazendo com que a classe fosse além do ato de ler e escrever mecanicamente, isto é, fazendo da leitura a base para a construção de outros conhecimentos. No ano seguinte, passou a trabalhar com outras classes, ditas regulares e, como não apenas atendia aos alunos do fluxo, denominou o projeto de ―Corre-Beco‖.

Segundo o Dicionário de Ferreira, A.B.H., (1988), ―beco‖ é uma rua estreita com muitas casas construídas muito próximas uma das outras, o que forma um beco, ou seja, um caminho estreito por onde os moradores passam. O beco como é uma ruazinha estreita, todos se conhecem, todos trocam conhecimentos e amizade e todos são criados conhecendo uns aos outros. Neste sentido é que o projeto foi denominado de Corre-Beco, com a concepção de

aprendizagem, não só para alunos, mas para todos que estão envolvidos na comunidade estudantil. Então, correr beco é poder ir buscar o conhecimento onde ele esteja. Se determinado conhecimento não pode chegar pela via sala de aula, recorremos a outras vias. Isto tem dado um bom resultado. Assim, o conhecimento é construído dentro e fora da escola, sendo possível trazer o conhecimento de fora da escola para dentro da escola, seja através da oralidade, da leitura ou das imagens. Isto que possibilita o reconhecimento de si e de sua história. É assim que o professor define o projeto e conclui: Através do “Corre-Beco” busca- se o desenvolvimento de uma prática pedagógica prazerosa, que extrapole o espaço físico da sala de aula.

Figura 18 : Prof. José Mário Zeferino e alunos Foto: Rosania Amorim

O Projeto Corre-Beco passou a ser o norteador do Projeto Político Pedagógico da escola que se subdividiu em vários outros projetos. Dentre eles, está o projeto com o uso de letras de Samba de Roda, denominado de Academia na Roda de Samba.

De acordo com o Projeto Politico Pedagógico da Escola,

Entre os objetivos específicos trabalhados se priorizam as seguintes ações pertencentes ao subprojeto do Projeto Corre-Beco, intitulado ACADEMIA

NA RODA DE SAMBA, idealizado pelo professor de História, José Mário

Conceição Zeferino (MAZÉ):

Buscar novidades sobre a História dos Afrodescendentes e dos africanos nas (ciências, artes, lazer, música, jogos, etc.);

Analisar e valorizar a participação dos povos africanos na construção do estado nacional brasileiro;

Estabelecer relações de pertencimento étnico com a comunidade de Águas Claras, uma vez que se trata de um reduto remanescente de quilombos (Quilombo do Urubu);

Refletir sobre as diversas representações da África presentes no imaginário brasileiro;

Analisar a importância da África nas ressignificações culturais e identitárias do negro brasileiro;

Comprovar a historicidade do Samba no desenvolvimento intelectual e histórico-cultural brasileiro, baiano em especial no Colégio.