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6 DAS CRENÇAS ÀS AÇÕES DAS PROFESSORAS DE ELE:

6.1 Análise das entrevistas

6.1.1 Material didático

6.1.1.2 Professora Regina (Escola B)

Para desenvolver seu trabalho na Escola B, contexto de periferia, em que a maioria dos alunos é de famílias de operários, a professora Regina optou por não adotar o LD do PNDL, ainda que a escola os receba, compondo seu MD com textos. Como se pode perceber em suas palavras, quando questionada se adota algum MD pronto, como o LD.

Eu não consigo trabalhar com o livro, nesse período que eu tenho trabalhado eu não consegui me adaptar com o LD. Eu não vejo o LD bater com a realidade. Então eu prefiro trabalhar com textos. Muitos textos, nós temos muita coisa boa, do que seguir a regra aquilo que está ali.

Há uma crítica inculcada na fala de Regina. Ela não acredita que adotar o LD seja uma boa opção, pois considera que ele não é coerente com a realidade. Dessa maneira, prefere utilizar textos, já que acredita haver muito material de boa qualidade, não sendo necessário “seguir a regra, aquilo que está ali”, em referência a quem utiliza o LD, em oposição a quem elabora um MD diferente.

Essa parece ser a proposta da professora Regina: fazer diferente. Isso ocorre também por não ter conseguido adaptar-se ao LD: “(...) eu não consegui me adaptar com o LD”. Destaca-se, nessa declaração, que, ao colocar-se como sujeito dessa incapacidade de adaptação ao LD, Regina expõe o fato como se fosse uma falha sua, enquanto outros colegas conseguem utilizar os exemplares enviados pelo PNLD. Entende-se isso, na realidade, como uma forma de suavizar uma crítica velada a quem o utiliza. Assim, apesar de não acreditar no trabalho docente com o

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LD, ela não tem intenção de criticar explicitamente os professores que o utilizam ou o PNLD, de modo que assume para si uma forma de “culpa” por não fazê-lo.

Para desenvolver suas aulas, a professora dá preferência ao trabalho com textos. pois seu foco no Ensino Médio é desenvolver a habilidade de leitura, conforme os trechos indicam:

Então eu prefiro trabalhar com textos. Muitos textos, nós temos muita coisa boa, do que seguir a regra aquilo que está ali.

Eu não acredito que eu siga uma metodologia, vamos dizer assim Ana, Qual é o meu foco no ensino médio a leitura, por isso, eu trabalho muito com textos.

É possível observar que a professora Regina fez uma análise de necessidades e, de acordo com o que detectou nos alunos, estabeleceu os objetivos para as turmas do Ensino Médio, agindo em conformidade com o que indicam Leffa (2003), Gelabert, et al. (2002) e García (2011). As informações no discurso da professora apontam para uma constatação de que ela age conforme suas convicções e reflexões, demonstrando ser uma pessoa reflexiva e, ao mesmo tempo, determinada a agir.

(...) Se eu for definir debatendo esta tua questão eu trabalho na linha que eu acredito que os alunos têm que ler. Ele consegue ler e o resto ele vai ter que buscar por conta própria.

Regina tem a convicção de que deve oferecer, como educadora, uma parte do conhecimento ao aluno, e o restante ele terá que empenhar-se para alcançar por conta própria, conforme suas necessidades. Suas práticas voltadas para a habilidade de leitura e a utilização de textos como MD encontram-se reforçadas no trecho seguinte, em que a professora também reforça a percepção de ser uma profissional decidida e prática. Essa característica percebida na personalidade da professora, acredita-se, foi fundamental para que desenvolvesse um trabalho de leitura diferenciado no nível médio.

(...) Então, como eu te disse em outra resposta, eu gosto muito do texto, eu sou uma pessoa que leio muito, então eu busco muito em cima do texto, muito em cima de vê livros, de vê situações e ali eu monto o trabalho que tem que ser feito.

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Então, por exemplo, nas turmas que eu consegui montar a hora da leitura, que escola comprou 36 livros do Garcia Marques, pra nós lermos e tal, em espanhol. Já são turmas que são mais desenvolvidas,(...).

A professora convenceu a direção da escola a adquirir os livros de contos de Gabriel Garcia Marques, a fim de planejar o foco principal de suas aulas sobre a leitura dessas obras. Dessa maneira, instituiu a hora do conto, em que os alunos discutem, uns com os outros e com a professora, os contos lidos, propiciando uma aula interativa, ainda que haja a preocupação com a habilidade de leitura.

Entretanto, a professora não fica restrita apenas a esse autor e a esse material, pois relata que sempre faz uso de sites oficiais para a busca de materiais adicionais. Quando questionada se utiliza a Internet, responde que “(...) muito, muito, muito”. A reiteração do advérbio de intensidade enfatiza o uso, especificamente na busca por textos de Eduardo Galeano, escritor uruguaio. Outra busca mencionada pela entrevistada foi pelo autor brasileiro Machado de Assis, visando trabalhar com o conto A cartomante. Com “sites oficiais”, a professora refere-se a domínios voltados para a Literatura, evidenciando seu interesse pela utilização de textos literários para as práticas em aula.

Ana- Com que frequência tu utilizas material retirado da internet nas tuas aulas?

Regina- Ah, eu ocupo muito, muito, muito, muito. -Que tipo de sites tu utilizas?

Eu gosto muito dos sites oficiais, por exemplo, uma figura que eu sou muito aficionada pra trabalhar é o Galeano e Garcia Marques, né!

Tem muitas outras coisas ... até Machado de Assis trabalhei esse trimestre. Invertendo Cartomante ao espanhol, convertendo. Então eu gosto de sites oficiais, onde tu pegas textos mesmo para trabalhar.

Sua fala demonstra que a professora está segura de suas escolhas pedagógicas e tem objetivos bem definidos do que pretende no processo de ensino e aprendizagem, a saber, desenvolver a habilidade de leitura centrando-se em textos e autores literários. As informações trazidas pela professora, a todo momento, apontam para uma pessoa convicta de suas ideias.

Ainda sobre o uso do MD, a professora Regina foi questionada se utilizava polígrafo elaborado ou organizado por ela, ao que respondeu que não, pois consultou seus alunos de EJA, que não consideraram uma boa ideia.

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(...) e eles também não concordaram pra minha surpresa. Era melhor a aula no debate, no desenvolvimento, naquele, na escrita, no debater, no quadro escrever e tal que eles acham muito cansativo.

Os alunos desse nível preferiram aulas dialogadas, discutidas e interativas, em detrimento das tradicionalmente baseadas em um material impresso, além de expressarem que, para eles, o material seria mais cansativo. Na opinião da professora, um polígrafo é algo que não proporciona o crescimento dos alunos, mas

a sua limitação excessiva: “eu não julgo interessante, eu acho alienante”.

Ana- Tu elabora algum tipo de polígrafo?

Regina- Não, tu sabe que com o EJA eu argumentei com os meus alunos, eu não julgo interessante, eu acho alienante, e eles também não concordaram pra minha surpresa. Era melhor a aula no debate, no desenvolvimento, naquele, na escrita, no debater, no quadro escrever e tal que eles acham muito cansativo.

Ana- É mesmo?

Regina- E eu acho também!

Ressalta-se que deve ser considerado que a professora Regina não tinha ciência do ponto de vista da entrevistadora em relação ao MD e ao LD e, quando se

perguntou, com certa surpresa, pela reação dos alunos (“Ana- É mesmo?”), a

professora reforçou o ponto de vista daqueles, o que pode ter sido influenciado por ela, haja vista que, antes de expor a possibilidade à turma, argumentou sobre seu ponto de vista desfavorável a isso.

(...) com o EJA eu argumentei com os meus alunos, eu não julgo interessante, eu acho alienante, e eles também não concordaram, pra minha surpresa.

Os adjetivos utilizados para desqualificar o polígrafo foram bastante expressivos, quais sejam: “desinteressante” e “alienante”. A partir disso, acredita-se que seria raro algum aluno argumentar a favor do polígrafo. Porém, independentemente disso, o que se pode constatar é que a professora, além de não optar pelo uso do LD, também não gosta de trabalhar com polígrafos prontos, ainda que previamente elaborados por ela. Isso tem coerência com a opção pelo MD que a professora defende.

A professora revela que planeja o MD para o mês, mas executa as atividades dentro do possível. Assim, o andamento das aulas é que determina o fluxo e a velocidade do material utilizado em aula. Infere-se, pela fala da professora, que é

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mais relevante a preocupação em fazer com que os alunos entendam o que ela propõe ensinar do que em seguir ou não um cronograma previamente estabelecido de aulas e materiais.

Ana: - Com relação ao planejamento das aulas, tu planejas a aula, planeja para a semana, para o bimestre, para o trimestre? Como funciona?

Regina:- Dentro do possível eu tento trabalhá dentro do mês e dentro daquilo que eu tenho pra proporcioná, eu não sou uma professora conteudista. Eu não me importo muito com conteúdo. Talvez, por isso, o que me importa é que eu vá consegui repassa, que eles peguem, que eles tenham interesse, que eles manipulem, que eles argumentem, que eles.... né! Então... â aquela média daqueles trinta dias eu vou seguindo.

Ao declarar-se como uma professora não “conteudista”, ficou pouco claro, no momento da entrevista, o que a participante quis expressar. Logo, em outra ocasião, questionou-se novamente a esse respeito:

Ana – O que quer dizer não ser conteudista?

Regina- Não conteudista, no meu ponto de vista, é não ter preocupação exagerado com o conteúdo a ser ofertado, muitas vezes saio dele ou estaciono. Prefiro que entendam e tenham interesse do que ficar seguindo a risca o conteúdo. E muitas vezes abandono o conteúdo, isso na EJA, e trabalho com o que acho que os alunos vão ter mais interesse.

Os conteúdos, de acordo com os PCNs, têm um sentido amplo no processo de ensino, como se observa:

Os conteúdos referem-se não só a aprendizagem de conceitos e procedimentos como também ao desenvolvimento de uma consciência crítica dos valores e atitudes em relação ao papel que a língua estrangeira representa no país, aos seus usos na sociedade, ao modo como as pessoas são representadas no discurso, ao fato de que o uso da linguagem envolve necessariamente a identidade social do interlocutor (BRASIL, 1998 - PCNs 3º e 4º ciclos, p.71).

No excerto anterior da entrevista com a professora Regina, pode-se inferir que uma das crenças da professora é que o professor de LE deve priorizar a construção de sentido, e não necessariamente o objeto de ensino e aprendizagem.

Para tanto, ela relata que não tem “preocupação exagerada com o conteúdo,

podendo sair dele ou estacionar”. Consequentemente, a professora demonstra estar atenta aos alunos, especialmente à forma como apreendem a língua, avaliando,

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constantemente, se precisa deter-se em certos aspectos ou se pode seguir com o desenvolvimento das aulas.

Isso é um aspecto positivo principalmente no caso dos alunos do EJA, que são alunos com um perfil diferenciado do ensino regular: geralmente, caracterizam- se por terem passado um tempo afastados da escola, trabalham durante o dia, são responsáveis por sua família e têm mais idade. Conforme salienta, a professora direciona as aulas para conteúdos que eles tenham mais interesse em aprender.

Os alunos, habitualmente, se comprometem com o processo de aprendizagem se o que for trabalhado em aula fizer algum sentido em seu ponto de vista, ou seja, se estiver relacionado, em algum grau, ao seu universo e às suas vivências, de modo que possam ser estabelecidos sentidos e conclusões (VIANA et al., 2011). A professora Regina demonstra essa preocupação ao levar para a sala de ELE textos e assuntos de interesse dos alunos, que oportunizem, assim, a produção de conhecimentos. Para a professora, isso é mais relevante do que seguir uma lista de conteúdos previamente estabelecidos.

Quanto à postura da professora, pode-se dizer que está consoante ao exposto por Leffa (2012), ao versar sobre como trabalha o professor da pós- modernidade, que busca uma maneira própria de trabalho, voltada para seu contexto e oportunizando ao aluno pensar e interagir. Não é possível saber como termina esse processo, pois é essencialmente dialógico, portanto, não pode ser totalmente planejado ou previsto, pois acontece na realidade da interação.

Pelo exposto, de fato, constata-se que Regina admite o improviso, pois não fica presa ou engessada ao conteúdo, admitindo a possibilidade de permanecer nele ou de dar sequência às atividades, conforme o andamento da aula e a necessidade dos alunos. Também, mostra conhecer o contexto escolar, pois desenvolve atividades diferenciadas para cada nível, como no caso do EJA. Além disso, promove a discussão e valoriza a participação dos aprendizes, o que se pode comprovar quando afirma que o mais importante é “(...) que eles peguem, que eles tenham interesse, que eles manipulem, que eles argumentem (...)”. Essas são características condizentes com o professor transformador intelectual, perfil traçado de acordo com Kumaravadivelu (2003).

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