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5.2 AD-MIRAR É PERCEBER O OUTRO: A OBSERVAÇÃO NOS CANTINHOS

5.2.4 A Professora Zila

Meus antigos horizontes, navios meus destroçados, meus mares de navegar, levai-me desses desertos, deitai-me nas ondas mansas, plantai meu corpo no mar. Lá, viverei como as brisas. Lá, serei pura como o ar. Nunca serei nessas terras, Que só existo no mar. (Zila Mamede) A adesão da professora Zila aconteceu espontaneamente, isto é, não havia uma intenção particular de convidá-la, muito embora fosse o objetivo da visita nesse dia definir o segundo sujeito. No primeiro dia da visita não foi possível ir a sala de aula pois conforme dito, ainda havia crianças na fase de adaptação. Em virtude dos professores estarem no pátio recepcionando as crianças, a pesquisadora dirigiu-se a sala de coordenação. Nessa sala estava presente a professora Zila que perguntou o que estava fazendo ali, haja vista a pesquisadora ter lecionado nessa escola. Ao explicar-lhe os motivos da visita, apontando os objetivos da pesquisa, ela perguntou se não poderia participar, embora estivesse trabalhando com literatura infantil nos anos iniciais. Inicialmente não se identificou problema algum quanto aos critérios, pois foram elencados ter vínculo empregatício efetivo com o sistema, ser lotada na escola, trabalhar com os anos iniciais, os quais foram satisfatoriamente preenchidos. Tomada a decisão de aceitá-la como parceira na pesquisa, foi entregue o roteiro de perguntas que

devolveu na semana seguinte, no dia de seu planejamento, no qual também a professora Zila definiu o tema de seu projeto e também a turma na qual seria realizada a observação.

As sessões de observação direta, técnica proposta para a construção de dados, iniciaram concomitantemente com as da professora Myriam, em abril de 2008. Nesse caso foram em número de quatro sessões semanais, numa classe de terceiro ano de escolarização, com trinta e sete alunos, sendo dezoito meninos e dezenove meninas na faixa etária de nove anos.

As sessões durariam duas horas e trinta minutos e aconteceriam sempre após o intervalo do recreio. O tema deste projeto foi definido a partir da temática proposta pela SME, como já foi explicado antes. A professora juntamente com a equipe optou por um sub-tema. Nesse caso, levando em consideração a temática, foi definido o projeto sobre MONTEIRO LOBATO, destacando-se que esta professora lecionava literatura infantil para todas as turmas. A primeira sessão foi marcada pela realização de uma oração encaminhada pela professora. Sobre este primeiro encontro, vale salientar que a professora se dispôs ao trabalho com projeto de modo mais sistematizado, isto é, embora não fosse essa sua primeira experiência com projetos, sentia-se insegura na sua elaboração e condução. Neste dia, ela anunciou a turma de alunos que iriam trabalhar com o projeto e que a pesquisadora estava ali para observar como esse trabalho se desenvolveria. A turma ouviu prontamente, mas no decorrer da aula os alunos apresentaram dificuldade de atenção e concentração no que a professora falava.

Após a apresentação do projeto, a professora perguntou aos alunos se conheciam Monteiro Lobato, ao que responderam que sim. Trouxe para a sala alguns fantoches representativos dos personagens do sitio do pica-pau amarelo, que muito interessou aos alunos distribuindo-as aleatoriamente. Quando conseguiu entregá-los, organizou os alunos que estavam com os fantoches numa fila na frente da sala; pediu aos alunos que apresentassem seus personagens complementando suas falas com outras informações. Os alunos demonstraram interesse e agiram com espontaneidade. Porém, não foi feito pelos alunos nenhum levantamento anterior de informações sobre o que estavam estudando, o que fragilizou a discussão.

A professora começou a falar sobre Monteiro Lobato, relatando sua biografia, numa exposição oral; nesse intervalo, devido a falta de atenção dos alunos, ela recolheu os fantoches e continuou sua explanação, informando o que seria feito. Essas situações ocorreram, porque à medida em que falava os alunos brincavam com os fantoches sem muita

atenção ao que a professora dizia. Em seguida, pediu para que os alunos abrissem o caderno na ‘matéria de literatura’ para que escrevessem nele a biografia do autor.

A atividade básica foi copiar do quadro um texto biográfico que a professora escreveu, porque o mimeógrafo estava quebrado, e era sua intenção entregá-lo impresso. Também houve outro problema que contribuiu para uma reorientação do que havia sido planejado. A escola dispunha de um laboratório de informática sob a responsabilidade de um professor que neste dia não compareceu. O professor de informática estava doente e Zila poderia se utilizar do laboratório com seus alunos, por determinação da própria escola. Para essa atividade, planejou-se realizar a leitura da biografia para que os alunos conhecessem os personagens utilizando o computador e depois, na sala de aula, iriam desenhar e produzir um texto sobre o que veriam.

Depois da cópia do texto, a professora distribuiu uma folha de papel A4 com uma ilustração para que os alunos pintassem. A professora Zila propôs a realização de uma apresentação artística no final do mês.

No momento da escrita do quadro os alunos ficaram sentados nas carteiras em filas, havendo um controle maior da disciplina da turma pela professora O que foi observado e detectado ao longo do desenvolvimento das tarefas foi um interesse pequeno dos alunos pelas tarefas, levando a uma reprodução da atividade de forma automática e a muita indisciplina.

No primeiro dia de observação houve uma preocupação excessiva com o comportamento dos alunos, para que fizessem silêncio e permitissem que a professora falasse. Nesse início de atividade, a professora conduziu inteiramente o processo e a participação do aluno limitou-se a responder brevemente as poucas questões que foram lançadas.

Na segunda sessão de observação, foi feita uma atividade escrita sobre a biografia de Monteiro Lobato; esta atividade realizada em grupo de dois alunos, baseou-se na cópia de perguntas. Os alunos levaram todo o horário desta aula nessas duas tarefas, copiar e responder as perguntas apresentadas pela professora. Nesse caso não se entendeu ser relevante o registro das perguntas, mas o tipo de tarefa proposta para o estudo do tema.

Na terceira sessão, os alunos assistiram ao filme VIAGEM AO CÉU, um dos episódios da série Sitio Do Pica-Pau Amarelo. Nesta aula não houve tempo para discussão. A professora encaminhou para casa outra atividade. Entregou aos alunos três folhas de papel oficio e pediu para que construíssem um livrinho sobre a obra Sítio do pica-pau Amarelo.

Ficou prevista para a aula seguinte uma discussão e a produção de um texto como produto final do projeto, as quais foram realizadas na quarta e última sessão. Dessa forma, o

projeto foi concluído de maneira breve, devido a semana de provas que estava sendo organizada pela escola.

Algumas construções foram se erguendo nesse período a respeito do trabalho desenvolvido pelas duas professoras. O tema do projeto não teve relação com outras áreas e nem promoveu a integração dos conteúdos: ele foi decididamente disciplinar. Não se identificou coerência entre a idéia do projeto e o que fizeram em sala de aula, pois as tarefas propostas foram meramente de execução sem problematização e uma condução direta das professoras, não instigando os alunos a descoberta. Houve em ambas as situações a apresentação da temática e de questões para levantamento de informações prévias direcionando a atividade de cópia e o anúncio de todas as tarefas.

Esses encaminhamentos, realizados pelas professoras se colocaram como um aspecto relevante ao processo de reflexão sobre as atividades propostas no plano dos projetos. Neste trabalho, como ressaltado, tomou-se como um dos objetivos verificar como estava se processando o planejamento e desenvolvimento de uma ação pedagógica pautada no projeto. Portanto, não interessou inicialmente saber a qual perspectiva as professoras estavam se vinculando de acordo com as diferentes vertentes da compreensão dos projetos, se assim pode-se denominar. O que interessava na verdade era o fato das professoras assumirem o trabalho com projetos independentes de suas versões ou denominações. Embora tenham se definido a priori as questões de observação, a pesquisadora procurou cuidar em não partir de uma pré-concepção do trabalho com projeto.

Para discutir a efetivação dos projetos desenvolvidos nas salas de aula foi necessário verificar no campo teórico próprio da discussão a que perspectiva as práticas das professoras investigadas se constituíam e se definiam como prática de pesquisa e se os alunos seriam ativos no sentido de construírem e vivenciarem o processo de descoberta.

Foi intenção identificar que atividades eram sugeridas aos alunos ou deles emanavam, a forma como eram conduzidas e se elas partiam da idéia central do projeto: a utilização do método científico ou uma ação com base nele com vistas a uma aprendizagem. Segundo Boto (2006, p. 604), como preconizou Dewey, “o projeto constitui o elemento que organiza e estrutura a continuidade da experiência” configurando-se no elo que une o pensar e o conhecer. Acrescenta ainda esta autora que para John Dewey existe uma correlação entre método cientifico e desenvolvimento da inteligência que se dá mediante a vivência de etapas que conduzem ao conhecimento “Em ambos os casos, seriam cinco as etapas de elaboração para o conhecimento: sugestão, intelectualização, hipótese, raciocínio e verificação” (Ibid. p.

603). Essas premissas embasaram o processo de observação dos momentos de aulas das professoras.

Buscou-se também saber se havia coerência entre a idéia de desenvolver um processo de descoberta – ou de pesquisa com base em procedimentos científicos e o que é/foi feito em sala de aula, a partir da identificação da perspectiva do projeto que melhor poderia caracterizar a prática das professoras.

Neste estudo, foi considerada intenção da investigação e da análise identificar como se dava a definição do tema, verificando a maneira do projeto ser iniciado em sala de aula e a reação dos alunos frente às tarefas propostas, buscando compreender em que o projeto, sendo iniciado pela professora, diferia da aula cotidiana. Ainda, se deixava de ser arbitrário o processo de tomada de decisão quanto aos encaminhamentos em sala de aula e se estes desenvolviam o processo de pesquisa.

Ainda diante das temáticas definidas pelos sujeitos, buscar perceber ou identificar aspectos de sua relação com outras áreas do conhecimento; se o tema promovia a integração dos conteúdos e o que se destacava como relevante para as professoras no desenvolvimento desse trabalho. Quais características o exercício da aula revelava e assim se seria possível caracterizar a teoria pedagógica que permeava a prática das professoras.

Respeitando os critérios e elementos definidos para a observação, pode-se concluir que houve uma ênfase na proposição de discussões e levantamento de conhecimentos já apreendidos pelos alunos, no entanto ficando restritos às experiências deles.

As professoras já tinham se apoderado de todos os conteúdos que deveriam ser explorados em cada tarefa apresentada aos alunos numa ordem estabelecida anteriormente. Essa situação também demonstrou e as observações confirmaram que as tarefas foram previamente pensadas, organizadas e propostas de forma detalhada com instruções (bem precisas) de execução.

De modo geral foi possível afirmar que as professoras realizaram intervenções que visavam estabelecer o controle da disciplina, pedindo a atenção das crianças para os conteúdos que estavam trabalhando; houve também um direcionamento nas explicações para a realização das tarefas. Contudo, uma reflexão a respeito das tarefas escolares se colocou como relevante neste trabalho.