• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 Avaliação no processo de ensino e aprendizagem de língua estrangeira

1.1.1 Proficiência e a natureza comunicativa da língua estrangeira

Para que seja possível discutir as questões que envolvem a natureza comunicativa de uma língua, faz-se necessário considerar alguns conceitos como competência, competência comunicativa, competência linguístico-comunicativa e o termo proficiência. Dessa maneira,

esta subseção apresenta uma revisão dos principais estudos acerca desses conceitos e a complexidade que os envolve.

O estudo precursor de Hymes (1972) contribuiu de maneira decisiva para o desenvolvimento do conceito de competência comunicativa, ao discordar do conceito de competência linguística de Chomsky (1965), que a partir da dicotomia competência e desempenho, inclui apenas o conhecimento da língua e não considera a capacidade de usar esse conhecimento. Entretanto, é a partir de Hymes (op. cit.) que o conceito de competência comunicativa passa a protagonizar uma grande confusão terminológica, conforme afirma Scaramucci (2000). Isso se dá por conta da inclusão da capacidade de uso no conceito de competência comunicativa proposto por Hymes (op. cit.).

Canale e Swain (1980) apresentam então, um modelo de competência comunicativa composto por três componentes: a competência gramatical, a competência sociolinguística e a competência estratégica. Reformulado por Canale e Swain (1980), o modelo é expandido e apresenta quatro tipos de competência, com o acréscimo da competência discursiva e a diferenciando da competência sociolinguística. De acordo com o modelo expandido proposto por Canale (1983), a competência comunicativa estaria sujeita à exposição dos aprendizes aos quatro tipos de competências (gramatical, estratégica, sociolinguística e discursiva), sendo o componente lexical, em princípio, um dos componentes da competência gramatical. Além disso, cabe notar que dentre as quatro formas de competências, a noção de competência estratégica é bastante comum em contextos de aprendizagem de línguas, pois é a competência que o aluno pode vir a desenvolver e utilizar quando desconhece um determinado tópico ou as regras da língua, inclusive em situação de produção oral.

É importante lembrar que o modelo teórico de Canale e Swain (op.cit.) teve o objetivo de converter o conceito de Hymes (op.cit.), principalmente teórico, em unidades pedagogicamente manipuláveis, daí sua relevância para o processo de ensino e aprendizagem

em LE. É no modelo teórico de Canale e Swain (1980) que a natureza da comunicação se caracteriza como forma de interação social adquirida e aplicada em contextos sociais, dotada de um alto grau de imprevisibilidade e criatividade na forma e mensagem, acontecendo no discurso e em contextos socioculturais. Todavia, esse modelo foi também criticado por ser descritivo e não estar fundamentado em estudos empíricos (SHOHAMY, 1988; SCARAMUCCI, 2000), mas é considerado relevante para os contextos educacionais.

A percepção acerca do conceito de competência comunicativa incide sobre a competência voltada para a prática. Para Savignon (1983), o conceito de competência comunicativa é visto como algo dinâmico e depende da negociação de significados entre os falantes. Scaramucci (op.cit.) afirma que o modelo de competência comunicativa de Canale e Swain (op.cit.) parece ser adequado para explicar proficiência, porém o modelo de capacidade linguístico-comunicativa de Bachman (1990) não só norteia, mas é também reconhecido por estudos na área de avaliação como o melhor modelo de capacidade linguístico-comunicativa já desenvolvido (SCARAMUCCI, op.cit.).

No modelo de Bachman (op. cit.) a capacidade linguístico-comunicativa equivale à proficiência, e tal capacidade é formada por três componentes que interagem entre si: a competência linguística, a competência estratégica e mecanismos psicofisiológicos. A competência linguística se subdivide primeiramente em organizacional e pragmática, e posteriormente, em gramatical, textual, ilocucionária e sociolinguística, conforme ilustrado na figura 2 a seguir. No que diz respeito aos outros aspectos do modelo, a competência estratégica enfoca a avaliação, o planejamento e a execução e, os mecanismos psicofisiológicos fazem a distinção entre o canal visual do auditivo e a habilidade produtiva receptiva.

Figura 2 Competência Linguística, Bachman (1990)

É interessante ressaltar que a maneira com que Bachman (1990) divide a competência linguística mostra que a língua se vale de muitos aspectos. Vale citar a competência gramatical que, segundo Bachman (2003), abrange competências envolvidas no conhecimento das formas da língua, que consistem em subcompetências, como o conhecimento de vocabulário, por exemplo, e podem conduzir a escolha de palavras para expressar significados específicos. Tais aspectos contribuem para o sucesso em uma determinada situação de comunicação e combinam o conhecimento do contexto e de experiências semelhantes. O modelo foi proposto por Bachman (1990) para avaliar a competência linguística e parece ir além dos limites de avaliação por meio de testes, uma vez que os aspectos mencionados também se relacionam com o quê acontece em uma sala de aula, por exemplo.

No entanto, o problema parece estar na utilização do termo competência comunicativa quando empregado no sentido de processo e não no sentido de estado. Scaramucci (2000) concorda com Llurda (2000) que o conceito de competência considerado com base na dualidade de ser estático ou dinâmico causa grande parte dos equívocos que passaram a existir na tentativa em se definir o termo. Ou seja, a competência é um conceito estático e a

atribuição da capacidade de uso à noção de competência tem dificultado o entendimento do termo proficiência.

Para Almeida Filho (1997), a competência comunicativa se constitui como um conhecimento abstrato subjacente e habilidade de uso que combine regras gramaticais e regras contextuais, ou pragmáticas, na elaboração do discurso apropriado, coeso e coerente. O autor afirma que esse conceito de competência comunicativa é, para alguns estudiosos, distinto do conceito de desempenho comunicativo de Hymes (op.cit.), mas o considera como um conceito que atrela tanto competência como desempenho efetivo (ALMEIDA FILHO, op.cit., p. 56). O conceito de competência comunicativa, de acordo com Teixeira da Silva (2004), deve atrelar competência e desempenho, uma vez que na prática, não há como separá-los, já que a competência é o conhecimento abstrato e desempenho é o fazer do indivíduo.

É possível perceber que há vários modelos para se tentar definir a natureza comunicativa da língua que, no entanto, conforme afirma Scaramucci (2000), apresentam visões de linguagem diferentes, normalmente atreladas às visões vigentes em determinadas épocas. A questão é que o processo de definição do conceito de proficiência suscita uma série de questionamentos acerca de termos relacionados que acabam, por ventura, dificultando a elaboração de avaliações de proficiência.

A partir das considerações tecidas, é possível constatar que os termos desempenho, competência, competência comunicativa e proficiência estão sujeitos a outras competências que devam coexistir. Por esse motivo, Scaramucci (op. cit.) considera mais adequado a utilização do termo proficiência.

A autora, de acordo com Llurda (2000), afirma que os termos competência e capacidade linguístico-comunicativa são claramente distintos. Para que o termo competência não seja utilizado equivocadamente, Scaramucci (op. cit.) sugere a substituição do termo competência comunicativa por capacidade linguístico-comunicativa, uma vez que este último

termo envolve aspectos estruturais, linguísticos e de comunicação. Além desses aspectos, engloba ainda a noção de capacidade de uso e dessa maneira, “proficiência seria o termo mais adequado para designar „essa capacidade de usar a competência‟” (SCARAMUCCI, 2000, p. 20). Deste modo, a capacidade de usar a competência é mais adequadamente designada pelo termo proficiência, que não é um conceito monolítico e baseado na proficiência do falante ideal, mas prescinde de várias proficiências, que dependem da especificidade de cada uma das situações de uso da língua.

Teixeira da Silva (2000) compreende por proficiência o uso condizente com a norma padrão da língua e situado em contextos de uso em que o indivíduo está inserido. A proficiência, dependendo da visão adotada, pode estar na capacidade de negociação de significados e envolver conhecimentos compartilhados e capacidades, como a competência estratégica, por exemplo, além dos conhecimentos linguísticos.

Ainda de acordo com Scaramucci (op. cit.), a proficiência se refere ao construto teórico e se constitui como meta para o processo de ensino e aprendizagem de LE atual. A autora sugere algumas considerações terminológicas sobre o conceito de proficiência, que considera duas dimensões: a não técnica e a dimensão técnica.

Para a autora, tal tipo de conceituação se baseia em julgamentos impressionistas, feitos holisticamente sobre o desempenho oral de um falante de LE, sem uma avaliação sistemática “e/ou sem a explicitação de critérios, mas que não deixam de trazer, subjacente, um conceito de proficiência, que, nesse caso parece ter como referência o controle ou comando operacional do falante nativo ideal; portanto uma proficiência monolítica, estável e única” (SCARAMUCCI, 2000; p.13). Ou seja, a autora ainda afirma que a proficiência de um falante nativo não é única, monolítica e unitária já que pode variar de acordo com fatores externos como tópico, interlocutor, situação, barulho, estresse, por exemplo. Essa noção de proficiência monolítica, estável, única tem sido, muitas vezes, a meta para a proficiência em LE,

entretanto, tentar alcançá-la possa ser perda de tempo ou indesejável (STERN, 1983; apud SCARAMUCCI, op. cit.). Com base em Stern (op. cit.), Scaramucci (op.cit.) afirma que a proficiência monolítica pode ser um conceito útil se for usado como ponto de referência para a proficiência em LE.

Em seu sentido não técnico, a proficiência em uma língua implicaria conhecimento, domínio, controle, capacidade, habilidade, não dependendo dos significados atribuídos a cada um desses termos. Muitas vezes esse sentido é empregado como sinônimo de fluência em seu sentido mais amplo. Um falante é proficiente ou não dependendo de um ponto de corte em uma escala: se estiver acima de um determinado ponto de corte é considerado proficiente, e se estiver em níveis inferiores ao ponto de corte é considerado não-proficiente.

No sentido técnico do termo proficiência, por outro lado, o termo assume uma conotação relativa, que pressupõe a existência gradual de níveis de proficiência. A essa noção, soma-se ainda a relação da proficiência com a especificidade do contexto de uso da língua segundo Scaramucci (op. cit.) e, dessa forma, seria mais adequado falarmos de proficiências que passam a ter características que variam com base no uso da língua determinado pela situação de comunicação. Read (2000) afirma que ser proficiente em LE não é só uma questão de saber muitas palavras ou regras gramaticais, mas ser capaz de explorar esse conhecimento efetivamente para vários objetivos de comunicação. Assim, não seria adequado afirmar que um indivíduo é proficiente em uma LE, mas sim que é proficiente para tal ou qual objetivo, ou seja, os falantes que se encontram acima de um ponto de corte são proficientes e aqueles que estão em níveis inferiores ao ponto de corte são menos proficientes, mas ainda assim são considerados proficientes. Desse modo, ocorre uma gradação de proficiência, que passa a ser um conceito relativo e não um conceito absoluto, de tudo-ou-nada, uma vez que considera a especificidade da situação de uso futuro da língua. Há várias proficiências que dependem da especificidade da situação de uso da língua. Retoma-se assim, a noção de

proficiência proposta por Scaramucci (2000), que se refere à capacidade de usar a competência, sendo possível estabelecer um questionamento no sentido de se considerar a “proficiência para quê?”.

Em suma, no presente estudo, entende-se que a competência é um conceito estático e, segundo Savignon (1983), é o que o individuo sabe; já o desempenho é observável, é o que o indivíduo faz. Desse modo, é por meio do desempenho que a competência é desenvolvida, mantida e avaliada. Já a proficiência é demonstrada no uso da língua, ou seja, no desempenho, e é formada por conhecimentos estruturais ou linguísticos, aspectos da comunicação somados à capacidade de uso e considerando fatores socioculturais e situacionais.

Portanto, é importante retomar e ressaltar a noção de proficiência adotada nesta tese, de Scaramucci (op.cit.), mencionada anteriormente, para que não haja confusão entre os termos competência e capacidade linguístico-comunicativa. Segundo Scaramucci (op.cit., p.20),

substituir o termo competência comunicativa por capacidade linguístico- comunicativa (...) o termo capacidade linguístico-comunicativa inclui aspectos estruturais ou linguísticos e aspectos da comunicação, assim como a noção capacidade de uso, e que proficiência seria o termo mais adequado para designar essa capacidade de usar a competência

Conclui-se, portanto, que o sentido de proficiência adotado nesta tese é o de capacidade linguístico-comunicativa. A proficiência é a capacidade de operacionalização da competência, de acordo com Scaramucci (op.cit.), e não exclui os objetivos e os contextos de uso. Da mesma maneira, a proficiência oral é constituída pela interação de diversos aspectos linguísticos e pragmáticos em uma eventual produção oral. Deste modo, o conceito que interessa a esta pesquisa é o de proficiência oral.