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A profissionalidade docente

No documento mariaedithromanosiems (páginas 41-46)

2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL

2.4 A profissionalidade docente

A docência é uma atividade profissional que vem sendo alvo de forte interesse dos pesquisadores. A princípio, a educação como ciência, veio pautando-se pela apropriação de princípios e métodos de estudo de outras áreas, como a ênfase na psicologização dos processos educativos que preponderou até a década de 1970, sobreposta pela ênfase no viés sociológico preponderante a partir da década de 1980 e pela prática reflexiva que se instaurou nos anos 1990.

O foco em quaisquer desses aspectos, no entanto, não dá conta de iluminar a complexidade que envolve a docência. Esta é uma atividade profissional que se reveste de características peculiares e que tem, como nos alertam Tardif e Lessard (2005, p. 35) a publicações do Portal do MEC/SEESP.

peculiaridade de ser:

um trabalho cujo objeto não é constituído de matéria inerte ou de símbolos, mas de relações humanas com pessoas capazes de iniciativa e dotadas de uma certa capacidade de resistir ou de participar da ação dos professores.

Não se trata da atuação de um profissional sobre um objeto controlável, mas de um processo em que a simples aplicação de métodos e técnicas não assegura o alcance dos resultados esperados e onde, até mesmo os resultados esperados são alvo de profundos questionamentos entre os tantos atores que compõem o universo escolar: os alunos, colegas, pais, dirigentes. Nesta balança, o professor nem sempre representa um elemento forte, embora sobre ele, nos discursos oficiais e no senso comum repousem muitas expectativas. Conforme destacam Bussmann e Abbud (2002, p.135),

Quando se trata da tarefa educativa é preciso lembrar que essa é, em princípio, uma atividade exercida pelo conjunto dos membros de uma sociedade no seu cotidiano. Todos se educam e são educados nos diferentes tempos e espaços da vida social, mas o professor é aquele que tem por profissão, ou seja, por função social específica e especializada, realizar parcela significativa da atividade educativa que a sociedade considera relevante para sua conservação e transformação.

Além da peculiaridade de ser uma atividade profissional que envolve uma ampla gama de determinantes subjetivos, próprios das relações humanas que se estabelecem com base na linguagem, esta atividade traz consigo ainda a particularidade de ser elemento do cotidiano de todos os profissionais desde a mais tenra idade, em um processo em que, à formação inicial, realizada nos cursos de formação inicial de professores, sobrepõem-se a vivência, as experiências e os “modelos” de professor vivenciados pelos indivíduos.

No Brasil, os estudos acerca das questões que envolvem a profissionalidade docente, vêm sendo realizados por vários pesquisadores com destaque para Brzezinski (2001, 2002) e Ramalho, Nuñez e Gauthier (2000 e 2003) que nos apresentam discussões relevantes acerca da constituição da identidade e da profissionalização docentes e da necessidade de profissionalizar o ensino, rompendo com a tradição posta pelas raízes históricas da profissão que lhe associam um caráter “missionário” um ethos religioso como definem Tardiff e Lessard (2005). Bourdouncle (1991 apud LÜDKE E BOING, 2004, p. 1173) propõe a

seguinte definição para Profissionalidade:

Termo de origem italiana e introduzido no Brasil pela via francesa, está associado às instabilidades e ambigüidades que envolvem o trabalho em tempos neoliberais, e geralmente vem colocado como uma evolução da idéia de qualificação.

Nas discussões acerca dessa profissionalidade, os trabalhos apresentados por Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003, p. 20) apóiam-se em autores canadenses, portugueses, espanhóis e brasileiros que têm sistematizado “idéias a respeito de um novo modo de pensar e produzir a docência". Em Brzezinski (2002), autores como Alarcão, Enguita, Nóvoa, Perrenoud e Popkewitz entre outros, se destacam em função de terem um “posicionamento comum sobre a necessidade de ampliar a luta para a construção de uma identidade profissional do professorado” (ZANATTA et all, 2002, p. 160) Mas, o que é a Identidade Profissional do professor e como ela se estabelece? Na ótica de Gatti (1996 apud BRZEZINSKI, 2002, p. 9),

a identidade do professor é fruto de interações sociais complexas nas sociedades contemporâneas e expressão sociopsicológica que interage nas aprendizagens, nas formas cognitivas, nas ações dos seres humanos. Ela define um modo de ser no mundo, num dado momento, numa dada cultura, numa história.

Esta identidade, que é socialmente construída pode ter, segundo Carrolo, apresentado por Brzezinski (2002, p. 8) características de constituição diferenciadas. Para Carrolo, analisando os variados elementos que compõem o ofício docente, o professor é um profissional de identidade unitas multiplex, em uma definição que nos reporta à Lei Básica do Desenvolvimento das Funções Psíquicas Superiores (VYGOTSKY, 2004, p. 483), que oportunamente apresentaremos:

Essa unidade profissional múltipla emerge da articulação de pelo menos dois processos identitários, pelos quais se constrói a identidade coletiva: um que refere-se à identidade pessoal – identidade para si – e outro à identidade social – identidade para outrem. Sendo assim, a identidade coletiva pode ser entendida como produto de um processo de sucessivas socializações, configurada por meio de uma dupla transação que o sujeito realiza: uma interna, do sujeito com ele mesmo, e outra externa, do sujeito com o mundo.

Nestas discussões acerca da Identidade Profissional, Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003, p. 64), nos alertam que esta “não é um processo natural, mas um processo social e histórico dado pela ação do grupo que deseja a profissionalização, assim como pelo contexto que oferece as condições necessárias a esse processo”. Entendemos que o nosso projeto de pesquisa que tem por objetivo identificar, entre professores que construíram uma prática docente pautada no reconhecimento e na valorização das diferenças, que fatores contribuíram, em sua história de vida para a constituição dessa identidade profissional, não pode ser desenvolvida sem pautar-se nas discussões gerais que se desenvolvem.

A discussão acerca da docência como profissão e dos critérios que deverão nortear essa profissionalização docente são recentes. Segundo Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003, p. 42-68), inicia-se na década de 1980, após um período em que tivemos professores Improvisados (até o século XVI); Artesões (conforme a tradição religiosa, que deveriam dominar algo mais que o conteúdo de sua disciplina); Técnicos (como a ambição cientificista da Escola Nova) iniciando-se apenas na década de 1980 um movimento de estabelecimento do professor como um profissional com uma formação específica e outros critérios que estabelecerão sua existência como profissional.

Se a própria noção de profissionalidade docente encontra-se em construção, como definido por Alarcão e, já sofrendo um processo de proletarização15, tende-se a indicar uma crise nesta identidade docente. Essa crise de identidade, no entendimento de Lüdke e Boing (2004, p. 1175) “é provocada, entre outras variáveis, pela precarização do trabalho docente”. No entanto, como nos demais processos de constituição identitária, Pimenta (apud PEREIRA e MARTINS, 2002, p. 122) nos lembra que:

a identidade do profissional da educação não é, pois, algo estático, fixo e não suscetível de mudanças. Pelo contrário, é um dado mutável, dinâmico, não é externo de tal forma que possa ser adquirido e emerge de um contexto histórico como resposta às necessidades postas pelas sociedades, adquirindo estatuto de legalidade.

Lüdke e Boing (2004, p. 1168-1169) ao discutir a fragilidade da identidade profissional docente, destacam o fato de esta não ser considerada “tão específica” aos olhos da

15 Brzezinski afirma que o professorado das sociedades capitalistas passou por um processo sucessivo, prolongado, desigual e marcado por conflitos, de perda de controle sobre os meios de produção, do objeto de seu trabalho e da organização de sua atividade, portanto, proletarizou-se (apud PEREIRA e MARTINS, 2002, p. 115).

sociedade, que acata com tranqüilidade o fato de que pessoas com diferentes qualificações exerçam a docência, em especial na Educação Básica. Apontam ainda, uma série de fragilidades da “profissão” docente. Dentre elas destacamos: “a falta de um código de ética próprio, a falta de organizações profissionais fortes, inclusive sindicatos” e a fragilidade do que os autores denominam de “identidade categorial”, se tomada em comparação com outros grupos ocupacionais.

Na perspectiva do que veio sendo categorizado como Educação Especial, a definição acerca de quem é o profissional responsável pela educação dos indivíduos que apresentam diferenças biológicas expressivas, tem sido bastante controversa. Nas discussões acerca da Identidade Profissional do Professor e de sua Profissionalização, não encontramos um olhar que contemple as questões da diversidade, mas uma tendência a tratar os professores que atuam com pessoas com deficiência como especialistas, profissionais com peculiaridades que os isolam das discussões gerais. Discordamos desse posicionamento, por entender que a atuação em contexto de diversidade deve fazer parte da formação inicial e continuada de todos os professores, como elemento fundamental de todo o seu Desenvolvimento Profissional16.

Com este olhar que projeta uma Profissionalidade Docente pautada no Múltiplo como o único Universal possível (MARQUES, C., 2001) é que encaminhamos nossos estudos acerca da Identidade Profissional docente.

16

Adotamos aqui a perspectiva posta por Imbérnon (2001) do Desenvolvimento Profissional não apenas como cursos de formação continuada, mas como parte do conjunto de fatores que impedem ou que possibilitam que o professor obtenha avanços ao longo de sua vida profissional, como parte de projetos institucionais influenciado por fatores como as condições de trabalho, as relações com a comunidade, a legislação que regulamenta a profissão, salários e estrutura formal, bem como o nível de decisão e participação desse profissional nestas decisões.

No documento mariaedithromanosiems (páginas 41-46)