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Capítulo 3. A profissionalidade docente

3.4. Importância da profissionalidade docente

3.4.2. Profissionalidade docente no âmbito dos alunos

Num estudo feito por Kutnick e Jules (1993), citados por Veiga e outros (2005) sobre as representações dos alunos acerca dos comportamentos de actuação de um bom professor, em alunos com idades entre os 7 e os 17 anos, encontraram-se as seguintes categorias gerais: características pessoais e físicas, qualidade da relação entre o professor e os alunos, controlo dos comportamentos na aula pelo professor, descrições do processo de ensino, e resultados educacionais que o aluno pode obter através do esforço do professor. Neste mesmo estudo de Kutnick e Jules (1993), citados por Veiga e outros (2005), os alunos até aos 10 anos caracterizaram o bom professor como: cuidadoso, bem arranjado, atractivo, inteligente e capaz de recorrer ao castigo físico, se necessário; os alunos com 11 e 12 anos caracterizaram o bom professor dando ênfase ao seu papel didáctico numa realização de aulas bem organizadas; os alunos mais velhos salientaram atributos do professor como dedicado, profissional, brilhante e capaz de obter resultados com valor a curto e a longo prazo.

Rego (2003) afirma que os alunos valorizam mais vincadamente o comportamento dos professores que promovem a participação e fomentam o diálogo. Os alunos que participaram neste estudo consideram que o docente comunicacionalmente eficaz é o que adopta comportamentos de apoio (facilita a participação dos alunos no processo de comunicação e apoia os alunos no seu processo de aprendizagem), os que são facilitadores da comunicação (utiliza linguagem simples e complementa a exposição com exemplos práticos), os que são conscienciosos (expõe a matéria de modo organizado e “sabe do que fala”) e não baseia as aulas, fundamentalmente, na leitura de textos. Para estes alunos, a mera simpatia/cortesia não é suficiente para que um docente seja valorizado pelos seus alunos.

As representações do professor pelo aluno são geralmente eficazes para uma viragem da conduta docente. Sanchez (1985) mostrou num estudo feito que os professores mudam o seu comportamento em função do feedback proporcionado pelos alunos e os professores que recebem as valorações representativas dos alunos

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como ajuda, mudam a sua conduta significativamente mais do que aqueles que não recebem tal informação.

Por outro lado, a interpessoalidade professor/aluno deverá ser privilegiada, uma vez que é fortemente determinada pela percepção que cada um deles tem acerca do outro. “O professor não é apenas o veículo dos modelos que lhe impõe a sociedade e com os quais coincide com mais ou menos felicidade, está também dependente da imagem que os alunos têm dele” (Ball, 1997, p. 120). Pois, se quiser assegurar a eficácia da sua função, deve começar por descobrir a imagem de si que propõe aos alunos e que estes lhe impõem. O aluno elabora as suas próprias representações do professor com base em dados concretos, por si-mesmo vivenciados no contexto diário da aula. “Antes de entrar na sala, o aluno tem já uma imagem do professor, enquanto personagem abstracta” (Bidarra, 1985, p. 39).

3.4.3. Profissionalidade docente no âmbito dos próprios professores

A componente de Formação Pessoal e Social “parece privilegiar a formação directa, na qual o professor assume o papel de mestre e o aluno de aprendiz” (Rego e Sousa, 1999, p. 57). Contudo, para estes autores, existe outra perspectiva: a do professor-modelo que, pela sua conduta de empenhamento cívico exemplar, induz nos alunos uma compreensão mais clara do significado humano e social da construção, utilização e desenvolvimento dessas competências de cidadania. Podemos compreender quão difícil é ensinar cidadania aos jovens (Carlgren, 2002). É uma tarefa pouco profícua se não for precedida pelo exemplo do professor enquanto cidadão escolar.

A profissionalidade docente tem um papel potencial para a formação cívica dos alunos, numa perspectiva de desenvolvimento, de futuros adultos responsáveis e civicamente activos. Para além das implicações para os alunos tem ainda implicações sobre os restantes intervenientes escolares, contribuindo para a partilha de conhecimentos e para o trabalho em equipa dos professores, para um enriquecimento pessoal e profissional dos mesmos, para a redução de conflitos desnecessários e que impedem a canalização das energias para a prossecução de fins

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de índole pedagógica e para a melhoria das suas interacções com os funcionários não docentes e com os encarregados de educação (Rego e Sousa, 1999, p. 59).

Um outro aspecto importante a ter em conta na profissionalidade docente é o meio envolvente. Os comportamentos dos professores são susceptíveis de promover o melhor relacionamento da escola com as instituições externas, assim como o desenvolvimento cívico, social, politico, económico e cultural destas (autarquias ou associações).

Algumas pesquisas (Moorman, 1991, Konovsky e Organ, 1996, citado por Rego e Sousa, 1999) sugerem que características de personalidade dos professores tornam os sujeitos mais predispostos para levar a cabo comportamentos de cidadania. Mas também indicam que o mesmo tende a acontecer quando os indivíduos estão satisfeitos que percepcionam as suas organizações como justas e têm confiança nas suas chefias. Assim sendo, a profissionalidade docente implica a realização de tarefas que vão para além das tradicionais obrigações formais do professor. A profissionalidade docente não se resume somente ao cumprimento do horário, do programa e das regras. Rego e Sousa (1999) acreditam que as escolas com maior incidência de comportamentos de cidadania dos professores são mais eficazes no cumprimento das suas funções educativas, isto é, numa escola onde os docentes assumem comportamentos de cidadania está-se a formar, potencialmente, cidadãos mais responsáveis.

Num estudo realizado por Carlgren (2002), os professores falam sobre as mudanças da profissionalidade docente dizendo que cada vez lhe é exigido mais para fazerem coisas que não fazem parte do seu “verdadeiro trabalho” enquanto professores. Consideram ainda que a formação do aluno e as tarefas sociais ocupam cada vez mais tempo, assim como as novas tarefas relacionadas com o desenvolvimento escolar. Desta forma, para estes professores o espaço profissional diminui, pois os professores têm de ocupar o seu tempo a fazer coisas que não pertencem às suas actividades profissionais essenciais. Ainda neste estudo, os professores finlandeses e noruegueses dão igual importância à transmissão de conhecimentos e à formação global do aluno. Os professores suecos parecem considerar esta última como tarefa principal, enquanto a situação parece inverter-se

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no que toca aos professores dinamarqueses, ou seja, estes últimos não aceitam que a formação do aluno se promova em detrimento da transmissão de conhecimentos. Os professores dinamarqueses são a favor da profissionalidade docente tradicional e, portanto, descuram bastante as novas exigências. Carlgren (2002) refere que parecem sentir-se ameaçados mas ripostam. Os professores finlandeses também se mantêm fiéis ao papel tradicional do professor. Os professores noruegueses integram as novas exigências no seu papel docente, ao passo que os suecos parecem redefinir o seu trabalho. Por outro lado, existem professores que dedicam a totalidade das suas aulas à transmissão de conhecimentos tantas vezes inadequados e inacessíveis aos seus alunos.

Dado que o professor ocupa o lugar-chave na melhoria do sistema educativo convém que sejam criadas as condições culturais, políticas e de gestão que tornem estes comportamentos mais frequentes. Os docentes enfrentam no seu quotidiano e na sua carreira problemas que, por vezes, são difíceis de lidar, como por exemplo, alunos difíceis, sucessivas alterações ou reformas educativas. No entanto, não se pode descorar que a eficácia da sua função educativa, principalmente no sentido da formação do espírito de cidadania nos seus alunos pode aumentar se investirem civicamente na instituição onde trabalham (Rego e Sousa, 1999).

Actualmente, as finalidades educacionais e os conteúdos escolares assumem grande importância no tipo de competências que o professor deve possuir. A natureza dessas finalidades educacionais tem implicações para o tipo de professor que é exigido. “A formação do aluno, numa perspectiva de modernidade avançada, pressupõe que os professores tenham competências bastante diferentes das requeridas pela perspectiva de modernidade mais tradicional, inicial” (Carlgren, 2002, p. 117). Esta autora refere ainda a importância de considerar dois aspectos fundamentais: a relação entre os professores e alunos na escola e a forma como o trabalho escolar é organizado. O quadro 4 refere, de forma resumida, a perspectiva de alguns autores acerca da profissionalidade docente vista pela escola, pelos alunos e pelos professores.

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Quadro 4. Aspectos da profissionalidade docente no âmbito da escola, dos alunos e dos professores. Profissionalidade docente Autores Perspectivas Escola Murphy Carlgren Muñoz Hagemeyer Giroux Carlgren

 Preparação e participação de cidadãos autónomos e participativos;

 Os comportamentos de profissionalidade docente exercem sobre os alunos e sobre a imagem das atitudes dos alunos face a si-próprio um papel importante;

 Os professores são instigados a desenvolver o seu papel enquanto profissionais e a assumir responsabilidades para além da sala de aula;

 Detêm o poder de decidir como atingir os objectivos decididos por outras entidades externas à escola.

Alunos Sanchez Rego Ball Bidarra

 Existem várias categorias gerais: características pessoais e físicas, qualidade da relação entre o professor e os alunos, controlo dos comportamentos na aula pelo professor, descrições do processo de ensino, e resultados educacionais que o aluno pode obter através do esforço do professor;

 Dão ênfase ao seu papel didáctico numa realização de aulas bem organizadas;

 Valorizam mais vincadamente o comportamento dos professores que promovem a participação e fomentam o diálogo.

 O docente comunicacionalmente eficaz é o que adopta comportamentos de apoio, os que são facilitadores da comunicação e os que são conscienciosos.

Professores Rego Sousa Moorman Konovsky Organ Carlgren

 Surge o professor-modelo que, pela sua conduta de empenhamento cívico exemplar, induz nos alunos uma compreensão mais clara do significado humano e social da construção;

 Aspecto importante a ter em conta na profissionalidade docente é o meio envolvente;

 Os comportamentos dos professores são susceptíveis de promover um melhor relacionamento da escola com as instituições externas;

 As características de personalidade dos professores tornam os sujeitos mais predispostos para levar a cabo comportamentos de cidadania;

 Implica a realização de tarefas que vão para além das tradicionais obrigações formais do professor;

 A formação do aluno e as tarefas sociais ocupam cada vez mais tempo, assim como as novas tarefas relacionadas com o desenvolvimento escolar.

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Em suma, tarefas diferentes pedem respostas diferentes da parte de quem vai desempenhar as tarefas. Consequentemente, os professores poderão desenvolver diferentes competências e implementar diferentes práticas profissionais em resposta às novas tarefas. Carlgren (2002) dá um exemplo claro: se for pedido ao professor

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para ensinar determinado conteúdo, isso implicará actividades diferentes daquelas que adoptam se nos for pedido para interpretar objectivos de aprendizagem e seleccionar os conteúdos de maneira a atingi-los. É claro que isto depende das respostas dos professores às tarefas e às exigências.