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1.2 O tratamento da Língua Portuguesa nos documentos oficiais que regem o ensino no Brasil e

1.2.3 Programa para o Ensino Fundamental de Português

O Programa para o Ensino Fundamental de Português do Estado de Minas Gerais (PEFP/MG) do ano de 1995 apresentou-se como tentativa de transpor dificuldades observadas nas proposições anteriores, principalmente, a proposta de 1986. A composição dos fundamentos do programa de ensino na metade dos anos noventa levou em consideração alguns fatores observados à época como, por exemplo, a falta de professores capacitados para ensinar os conteúdos básicos, a falta de definição clara desses conteúdos, a falta de materiais e instrumentos para viabilizar o ensino proposto, a falta de acesso ao texto da proposta curricular pelas escolas e professores e a falta de adequação da proposta anterior ao contexto da comunidade escolar.

As propostas desse programa de ensino situam-se em um contexto de transição de paradigmas e concepções, pois, ao mesmo tempo em que admitiam novos estudos linguísticos e literários para embasar as práticas dos professores, há, no documento, presença de teorias passadas que não dialogavam com as novas perspectivas. Uma novidade importante trazida por esse documento oficial do estado foi o ensino de língua portuguesa alicerçado em três pilares: a prática de leitura, a prática de produção de textos e o instrumental linguístico.

Sobre a prática de leitura, a PEFP/MG reconhece a leitura e a escrita como elementos indissociáveis, mas prioriza o ensino da leitura, argumentando que grande parte das pessoas, após sair da escola, passam mais tempo lendo do que escrevendo. Em vista disso, a escola seria um laboratório de leitura para que o aluno experimente e desenvolva habilidades leitoras para serem aplicadas fora do contexto escolar. Quando o aluno lê, ele é um produtor de sentido, pois está agindo e se posicionando com e sobre o texto a partir de suas experiências, distanciando-se de um leitor como mero receptor e repetidor.

A leitura pelo viés interativo começa a se fazer presente, mas é possível perceber que há uma teoria ainda não consolidada como o que se observa no trecho: “[...] o aluno deve ler na escola os tipos de texto que vai ler fora do contexto escolar, do contrário não haverá transferência de aprendizagem.” (PEFP/MG, 5ª a 8ª série, p.15). A noção de tipos de texto vigente à época, por exemplo, é diferente da que se concebe hoje.

A prática de leitura de textos escritos está dividida, no documento, em leitura informativa, formativa e literária. Essa prática também considera a interlocução oral como um tipo de leitura que se realiza pelas situações de uso oral da linguagem, principalmente, as ações de ouvir e assistir. Para cada tipo de leitura, o programa diz oferecer orientações metodológicas sobre as exigências de cada tipo, o que não ocorre, de fato. Há apenas uma breve explicação do que sejam as leituras com menção a alguns textos que se enquadrariam em cada tipo. Além disso, o documento não menciona possíveis atividades que poderiam se desdobrar a partir das orientações metodológicas que apresenta.

No que tange à produção de textos, a proposta oficial de 1995 reconhece essa prática como um elemento de interação social em função da comunicação. O documento critica e afirma a ineficácia de os alunos produzirem textos orais e escritos baseados apenas nas normas linguísticas. Defende que o processo de produção de textos necessita da linguagem para oportunizar pensamentos, estabelecer relações entre os conhecimentos, analisar, refletir e criticar as visões de mundo. Nesses parâmetros, ao professor caberia possibilitar aos alunos a criação de textos que interpretem as visões de mundo, e não alimentar o processo de cópia de textos prontos. Para tanto, o documento defende ser importante que o docente atinja os objetivos de estabelecer para quem, com que propósito e sobre o que se escreve.

Assim como na prática de leitura, as orientações metodológicas para a produção escrita estão presentes no documento, mas é importante frisar que, em nenhum momento, o PEFP/MG se apropria da noção de gênero proposto por Bakhtin (2016 [1979]). O documento utiliza nomenclaturas variadas para se referir a um texto específico ou uma família de textos que partilham a mesma tipologia textual. A discussão desses textos nas orientações metodológicas culmina na apresentação de atividades para serem desenvolvidas na sala de aula.

Os conhecimentos sobre a língua são vistos como instrumentos ou suportes para a prática da leitura e da produção de textos. O conhecimento das terminologias gramaticais é visto como um dos meios para se atingir os objetivos da aprendizagem. O PEFP/MG não é rígido quanto ao trabalho de um tópico linguístico em determinada série. O documento considera que a comunidade escolar possui especificidades que precisam ser levadas em consideração, cabendo ao professor realizar ajustes necessários para revisão do que não foi aprendido e o ensino de novos conteúdos.

Mesmo admitindo que o conhecimento linguístico é um dos elementos para se exercer as práticas de leitura e de produção de textos, o documento atribui maior valor para o aprendizado de

gramática. As sugestões de atividades privilegiam constantemente o exercício de atividades mecânicas de identificação, substituição e tradução de aspectos gramaticais. Quanto à opção de produção textual, as atividades são claras ao afirmar que determinado elemento linguístico deve constar de alguma maneira da rotina, o que podia tornar as atividades de produção mecânicas, às vezes automáticas, sem qualquer reflexão, a ponto do conteúdo ser esquecido a qualquer momento.