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3. Identidade profissional: novos discursos sobre a aprendizagem

3.2. Nova profissionalidade docente: um olhar reflexivo em

3.2.1. Projectos trajectos e afectos

Pensamos que as novas tecnologias dificilmente produzirão substitutos do homem no que ele tem de característico relativamente à sua humanidade. A comunicação face a face, a atenção não estandardizada, a emoção autêntica terão sempre que existir numa relação pedagógica profunda, a qual se constrói no tempo e no espaço obedecendo a uma forma emotiva e processual que humaniza o acto educativo.

Concordamos com Carl Rogers quando ele diz que «se não dermos a devida atenção ao lado humano do nosso dilema educacional a nossa civilização caminhará para a exaustão» (1973: 125). De facto, não basta termos melhores cursos, melhores currículos, uma melhor organização do ensino. Torna-se imprescindível que os professores tenham uma dimensão mais humana no seu relacionamento com os alunos, pautada por atitudes promotoras de uma maior abertura em educação.

«Apesar do desenvolvimento integral dos indivíduos se apresentar como o fim fundamental da escola, a preocupação pela educação sentimental é habitualmente posta de lado». O que não deixa de ser curioso, «uma vez que a vida emocional constitui a base da felicidade humana» e «uma boa relação afectiva é condição sine qua non para a realização da aprendizagem» (Guerra, 2006: 13).

A maior parte das vezes, a dimensão afectiva acaba sendo descurada em detrimento de um currículo que engloba um conjunto de competências consideradas importantes e que deverão ser adquiridas pelos alunos, determinando a sua progressão académica. Esquecemo-nos, porém, que a qualidade da aprendizagem e o acto de

aprender não dependem exclusivamente do coeficiente de inteligência ou do domínio de métodos e técnicas de estudo, mas também de um ambiente que seja facilitador dessa aprendizagem e desse crescimento pessoal.

Para muitos alunos, o professor é alguém que entra na sala de aula, manda calar toda a gente, explica, faz perguntas, corrige exercícios e depois vai embora, sem que haja outro tipo de atitudes ou de conversas.

Como sabemos, na escola encontram-se alunos muito diferentes que têm os seus valores os seus preconceitos, os seus dilemas. Sendo assim, compete ao «professor instaurar o diálogo e o respeito mútuo, não com belos discursos, mas pela prática, com a esperança de que esta coexistência pacífica e esta compreensão do outro, se se manifestarem ao longo do percurso escolar, sejam progressivamente interiorizadas e se propaguem a outros espaços de vida» (Perrenoud, 2002: 127-128).

Todo o ser humano tem necessidade de se sentir respeitado, «necessidade de pensar, sentir e agir por si próprio», tem igualmente necessidade de «projectar o seu afecto, de ser generoso e de se dar a outras pessoas para se sentir realizado». «Todos necessitamos de ser estimados, considerados, apreciados e valorizados», precisamos de «estar em contacto com os outros» de sentirmos que somos importantes «para as outras pessoas» (Guerra, 2006: 42). A escola e os professores não podem ignorar ou ocultar estas necessidades, pois se assim acontecer correm o risco de formar pessoas frias, infelizes, distantes e mal preparadas para enfrentarem a sociedade que as integra.

Um dos objectivos da Educação deverá ser, antes de mais, promover uma aprendizagem plena de sentido envolvendo o pensar e o sentir de forma a promover uma modificação no comportamento, nas atitudes e na personalidade do indivíduo, partindo de uma prática não directiva, orientada para objectivos de auto-realização assente nas relações interpessoais.

E parafraseando Aires Gameiro diríamos que, «só os inconformistas com poder criador ajudam, em cada época, a quebrar algemas da sociedade, injustiças e cegueiras, que não deixam ver os outros como pessoas» (Gameiro, citado por Pacheco, 2003: 131).

Miguel Santos Guerra completa esta ideia afirmando que, quando temos a capacidade de «partilhar com os outros as emoções da descoberta», de nos sentirmos estimulados com as descobertas alheias, de vermos «expostas as indiscutíveis riquezas contidas na vida das escolas» é porque encontramos «o modo de recompensar os nossos esforços de reavivar o compromisso com as pessoas e com a acção educativa» que não é mais do que, ajudar os outros a serem felizes (Guerra, 2006: 92).

II PARTE

CAP. I – METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS

1. Problemática e objectivos do estudo

A intenção subjacente à elaboração desta dissertação foi tomando contornos claros e melhor definidos à medida que fomos explorando e pesquisando diversas questões, as quais pretendíamos contemplar e tratar no âmbito deste estudo. Esta decisão acabou por se direccionar no sentido de uma temática mais concreta e específica quando resolvemos atribuir-lhe o título a Operacionalização da educação para a cidadania no PCT: um desafio à Inovação Pedagógica no 1º CEB, pois considerámos, que este assunto se enquadrava perfeitamente numa perspectiva actual, face às crescentes alterações que temos vindo a assistir, quer na sociedade em geral, quer no sistema educativo, com repercussões directas no funcionamento das escolas e na qualidade das suas respostas educativas.

Por outro lado, o motivo que nos levou a centralizar o presente estudo no 1º CEB tem, como principal razão, a nossa formação e experiência profissional, mas também o facto de este ser um nível de ensino que ocupa um lugar central nas nossas motivações profissionais, partilhando da ideia de que «o ensino básico é o tronco» de todo o sistema de educação e formação (Rodrigues, 1999: 74).

Como é do conhecimento geral, a escola do séc. XXI, confronta-se com uma população extremamente diversificada e heterogénea, cujo principal desafio consiste em proporcionar igualdade de oportunidades no acesso e sucesso educativo a todos os que a integram. Neste sentido, acumulam-se «as missões atribuídas à escola e aos professores, nomeadamente a missão de assegurar a “compatibilidade” entre uma cidadania das oportunidades e a responsabilização individual de aceder a essa cidadania» (...), o que constitui um importante operador ideológico no processo de responsabilização dos indivíduos pela resolução dos problemas sociais» (Fontoura, 2005: 36).

Numa concepção de escola e de educação que se reconhece enquanto acto social e que se orienta para o aluno na sua dimensão total, enquanto sujeito individual e membro de uma sociedade, interessa não só o quê ensinar e como fazer, mas também e sobretudo o porquê e para quê se ensina. No entanto, sabemos que as boas práticas não resultam apenas da boa fé ou do militarismo dos docentes, «é necessário instituir modos de trabalho dentro das escolas que estruturem novas relações entre os professores

(cultura colaborativa) e novos processos e modos de trabalho pedagógico» (Leite; Gomes; Fernandes. 2002: 7).

De acordo com esta ideia, os professores são protagonistas importantes, tanto na organização como no desenvolvimento do currículo, de forma a configurarem opções adequadas aos contextos reais, criando condições de sucesso. Desta forma, o PCT apresenta-se como um importante instrumento auxiliador de inovação e de mudança na flexibilidade e diferenciação pedagógica, proporcionando ao docente a autonomia necessária para tornar o currículo activo e adequado às necessidades educativas de todos os alunos da turma e de cada um em particular, garantindo uma aprendizagem mais singular. (Robalo, 2004: 52).

Atendendo a que a actual reorganização curricular do ensino básico aponta para práticas de inovação, numa clara procura de respostas que melhor satisfaçam as necessidades de uma população escolar tão heterogénea, resta saber, em que medida è que os professores valorizam o PCT como meio para implementar a diferenciação pedagógica no seu contexto de trabalho no âmbito de uma Educação para a Cidadania?

Gerir o currículo de acordo com esta nova concepção de escola envolve necessariamente uma mudança de atitudes por parte dos docentes, motivo pelo qual consideramos que a temática do nosso estudo merece o relevo que lhe atribuímos. A mudança de práticas de carácter organizativo e pedagógico deve operacionalizar-se a partir de uma educação para a cidadania quer a nível da sala de aula quer a nível da escola, de forma a melhor responder aos novos desafios impostos às instituições escolares.

As dificuldades sentidas por muitos professores do 1.º CEB na adaptação das propostas curriculares apresentadas a nível nacional com o objectivo de se encontrarem soluções conducentes às necessidades educativas de uma população escolar tão diferenciada, justificam o interesse por este nosso estudo.

Com efeito, foi nossa intenção esclarecer as seguintes questões que serviram de linhas orientadoras do processo de investigação:

• Que importância atribuem os professores à Educação para a Cidadania no contexto em que trabalham (Câmara de Lobos)?

• Quais os pressupostos que fundamentam a Educação para a Cidadania e porque é que justificam o seu enquadramento no PCT?

• Que métodos e estratégias utilizam nas suas práticas curriculares de forma a trabalharem a cidadania como área transversal ao longo do currículo escolar?

• Em que medida o PCT constitui um instrumento curricular valorizado pelos docentes?

• De que maneira a formação contínua tem contribuído para resolver os problemas verificados ao nível da concepção do PCT e da sua operacionalização?

• Até que ponto consideram os professores que a educação para a cidadania poderá constituir um desafio à Inovação Pedagógico?

Logicamente que estas questões deram lugar a outras que nos incitaram a uma exploração mais aprofundada a nível conceptual e teórico, à medida que o trabalho de investigação se ia desenvolvendo.