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1.11 Experiências de comunicação a distância na criação do conhecimento

1.11.2 O projeto Eureka da Xerox

Os representantes técnicos, ou reps, da Xerox são técnicos que prestam serviços e consertam as copiadoras da companhia nas dependências dos clientes. O trabalho dos reps é essencial para o propósito global da companhia e, portanto, se encaixa bem dentro da classe de processos agregadores de valor.

O trabalho dos reps consiste basicamente de: (a) os clientes com dificuldades ligam para a Central de Atendimento ao Cliente; (b) Esta central notifica o rep, que se encaminha até o local de trabalho do cliente e identifica o problema com o auxílio dos códigos de erro da máquina; (c) A partir de sua documentação, o rep resolve o problema e dá baixa no chamado, junto à central de atendimento de serviços.

A Xerox oferecia cursos de treinamento para familiarizar os técnicos antigos com as novas máquinas. Além disso, a empresa lhes entregava a documentação para a realização do trabalho. Esta documentação “orientada” propicia um mapa para o trabalho de reparo, com instruções que guiavam o rep a partir de problemas (que apareciam na forma de códigos de erro da máquina) para as soluções do conserto.

Através destes cursos e documentos, os reps coletavam as informações que, da perspectiva da companhia, eram necessárias para visualizar o processo do início ao fim. A prática, porém, era bem diferente. As tarefas não eram assim tão simples, e as máquinas, apesar de seus diagramas com circuitos refinados e métodos de confecção de diagnósticos, manifestavam comportamento bastante incoerente. Conseqüentemente, as informações e treinamentos fornecidos aos reps eram inadequados para quase todas as rotinas das tarefas que eles tinham de enfrentar.

Na visão do processo, as máquinas operavam de uma forma bastante previsível. Uma peça acusa o defeito. O funcionamento defeituoso produz um código de erro. E o código de erro guia, por meio de um mapa, até a solução. Porém, devido a diversos fatores como influências características do meio ambiente no qual se encontram – local quente, frio, úmido, seco, limpo, empoeirado, isolado, em trânsito e assim por diante, as máquinas não se comportam da mesma forma. Todo esse comportamento incontrolável das máquinas inevitavelmente enfraquece a premissa de documentação dirigida. Quem trabalha com tecnologia de informação está habituado a se deparar com mensagens de erro, como “fatal error”, que ninguém, nem mesmo as pessoas que trabalham no serviço de atendimento ao cliente e suporte técnico conseguem esclarecer. A documentação existente instruía os reps sobre o que eles deviam fazer, mas não explicava a razão do problema. A lacuna deixada pela documentação era preenchida através de contatos pessoais entre os reps. Os reps eram extremamente sociais e se encontravam nas horas de folga para tomarem o café da manhã, almoçar, na hora do café ou no final do dia.

Essa sociabilidade não era simplesmente um refúgio da solidão devido ao tipo de trabalho que os isolava. Nesses encontros, os reps conversavam sobre o trabalho e o faziam de forma contínua. Eles colocavam questões, levantavam problemas, ofereciam soluções, construíam respostas e discutiam alterações nos seus trabalhos, nas máquinas ou nas relações com os clientes.

Os intercâmbios constantes aos quais os reps se dedicavam eram similares à proveitosa atualização de experiências que acontece constantemente em qualquer local de trabalho normal, onde as pessoas simplesmente tornam-se cientes do que os outros são capazes porque isso fica evidente. O bate-papo, que por muitos é censurado no trabalho, ajusta o conhecimento coletivo de um grupo e a consciência individual de cada um dos membros. O fornecimento de informações de maneira direta é um pouco parecido com o soar de um despertador. Esta constante conversa assemelha-se mais com a passagem

do sol através do céu, uma mudança difícil de ser vista diretamente, ainda que ela continuamente reorienta as pessoas para o avanço do dia.

Portanto, no caso dos reps, o grupo informal e extracurricular auxiliou cada membro a ir além dos limites do conhecimento individual e da documentação do processo.

A colaboração entre os reps, com o compartilhamento do conhecimento é uma prática clara no processo. Quando um problema não pode ser resolvido por um rep, este chama um especialista e os dois, diante da máquina do cliente, trocam informações e experiência, para alcançar o objetivo final, que é a solução do problema. Nenhum dos dois possuía uma “peça” decisiva de conhecimento. Tampouco a solução final era propriedade de qualquer um deles. Tratava-se de um processo coletivo que criou um produto indivisível.

O ato de contar histórias (internalização: um dos processos de conversão de conhecimento proposto por Nonaka e Takeuchi (1997)), comum ao dia a dia dos reps, pode ser um meio de descobrir algo completamente novo sobre o mundo. O valor das histórias, entretanto, reside não exatamente quando elas são contadas, mas quando elas forem contadas novamente. São transmitidas aos recém-chegados, histórias do que os mais antigos já sabem. Portanto, as histórias são centrais ao aprendizado e educação, e elas permitiram que os reps aprendessem entre eles.

Um ponto interessante a ser destacado é a necessidade de improvisação que existe na função do rep, mas que não é muito aceita pela organização, que considera que o trabalho de um rep deve ser feito da maneira ditada pela organização. Muitas vezes, a estrutura organizacional faz com que as pessoas conservem suas próprias habilidades escondidas, até delas mesmas.

Reconhecendo a importância do compartilhamento de conhecimento no trabalho dos reps, a Xerox agiu da seguinte forma: primeiramente deu aos reps dois rádios intercomunicadores, permitindo com isso, que eles continuassem a falar uns com os outros – mesmo trabalhando em locais distintos. Esta intervenção tanto apoiou como reconheceu as formas de colaboração, narração e improvisação dos reps.

A segunda etapa foi mais ambiciosa, mas também refletiu os recursos que os reps propiciaram para eles mesmos e que tentaram ampliar esta habilidade. Muito embora transmitidas por meio de “histórias de batalhas do dia a dia”, as percepções que os reps desenvolveram no curso de seus trabalhos tendiam a ter um alcance pequeno, viajando principalmente em grupos locais, e uma vida curta, murchando da memória, até mesmo localmente. Conseqüentemente, os reps próximos e distantes acabavam reinventando

consertos que talvez as pessoas tivessem conhecimento em algum outro lugar. O projeto Eureka, criado pela Xerox, pretendia criar um banco de dados deste conhecimento proveitoso, preservando através do tempo e distribuindo pelo espaço idéias engenhosas. Certamente um banco de dados de informações técnicas em si não é nada original. Mas a maioria desses bancos de dados é, como a documentação dos reps, criada de cima para baixo. Pessoas que não são propriamente reps geralmente preenchem esses bancos de dados com o que elas imaginam que os reps deveriam conhecer. Todavia, o projeto Eureka foi idealizado de maneira diferente. Ele baseou-se diretamente nas próprias percepções dos reps e nas próprias sensações deles do que realmente necessitavam. Naturalmente, esse banco de dados não teria utilidade para ninguém se fosse preenchido com a idéia favorita de todos (o que exatamente faz com que a Web possa, às vezes, ser tão difícil de ser utilizada). Tal banco de dados deve ser seletivo. Mas, novamente, seria um erro filtrar esses dados a partir de uma perspectiva de processo, de cima para baixo. Em vez disso, como acontece com artigos científicos, as dicas dos reps estão sujeitas ao exame dos companheiros de trabalho, baseando-se naqueles mesmos vínculos laterais que fazem dos reps recursos para si próprios. Um rep apresenta uma dica, um companheiro de trabalho a examina e, se ela consegue passar por um exame minucioso – é original e é útil – então, ela será acrescentada ao banco de dados. Neste, outros reps podem encontrá-la em links baseados na Web.

Para os reps, este banco de dados tem se tornado mais que uma ferramenta indispensável (considerando um fator que fez a companhia economizar até 100 milhões de dólares por ano em custos de serviço). Ele é também um reconhecimento do valor de seus próprios conhecimentos e criação do conhecimento, o qual foi anteriormente desconsiderado pela maioria da corporação. E ele é um meio através do qual reps individuais constróem capital social e reconhecimento entre seus companheiros de trabalho.

As conexões virtuais entre os reps proporcionadas pelo banco de dados sugerem que os grupos virtuais – as equipes de trabalho virtuais do local de trabalho cibernético – tendem a se espelhar em grupos convencionais e não transcendê-los. Um estudo sobre essas equipes, conduzido por Andrea Hornett, indica que ao você “se tornar virtual” não faz com que você “se torne vertical”. Os vínculos laterais são tão importantes no ciberespaço quanto no mundo antigo. A funcionalidade interna não é mais fácil (Brown,2001).

Capítulo 2: Um modelo para a criação e desenvolvimento do conhecimento