• Nenhum resultado encontrado

Projeto Interdisciplinar Procura-se um Herói (trabalho de campo realizado no Colégio São José Coimbra)

Análise e Síntese

Anexo 6 Projeto Interdisciplinar Procura-se um Herói (trabalho de campo realizado no Colégio São José Coimbra)

Foto: Ezequiel Gomes

Entrevista com Joana Ladeiro – professora de Música do CSJ-Coimbra

Felizmente pude observar naquele breve ensaio de terça-feira, que os alunos já têm uma noção de afinação e ritmo bastante satisfatória. Assim, peço licença para fazer três perguntas:

Marcos: Quanto tempo já está a trabalhar com aquela turma? Joana: A turma tem 32 alunos. 20 são meus alunos há 5 anos.

Marcos: Para além da integração da disciplina de educação musical num sistema interdisciplinar, ou metodologia de projetos, a Joana poderia falar um pouco sobre como está a desenvolver progressivamente os elementos técnicos-musicais com seus alunos?

Joana: A integração da Música no trabalho de projeto interdisciplinar acontece em duas vertentes: - A primeira tem a ver com a Cultura Musical como objeto de estudo. Esta componente é trabalhada nas horas de Trabalho Autónomo, em que os alunos - divididos em grupos - são convidados a pesquisar sobre a Música no contexto do projeto (normalmente, tem a ver com o estudo de uma determinada época da História ou localização geográfica). As pesquisas incidem normalmente em factos simples como instrumentário de uma época ou região, agrupamentos instrumentais, géneros musicais mais apreciados em cada tempo da História, biografias de compositores marcantes, etc. Também coloco à disposição dos alunos alguma música representativa do seu âmbito de estudo em cada momento. Após este trabalho, os alunos constroem um produto com a informação recolhida e apresentam o seu trabalho à turma (também no horário de Trabalho Autónomo). Quando todos os alunos apresentaram o seu trabalho, ocupo 1 ou 2 aulas de Educação Musical para realizar o nível 3

do projeto: a sistematização, a organização do conhecimento, a estruturação do pensamento ou o relacionamento de conteúdo.

- A segunda vertente tem a ver com o desenvolvimento do currículo da disciplina de Educação Musical. Para tal, utilizo como material de trabalho temáticas do projeto que irão servir de veículo para a vivência dos conteúdos que queremos lecionar. Como estes alunos têm aula de Educação Musical 2 vezes por semana e ainda têm uma terceira aula, obrigatória, de prática vocal, é possível fazer um trabalho consistente do ponto de vista do desenvolvimento de destrezas musicais. Infelizmente, o colégio não possui instrumental Orff, o que é de lamentar porque se trata de uma ferramenta riquíssima na Educação Musical de crianças e jovens.

O que já fizemos este ano para desenvolver competências musicais: (a) Sobre prática vocal

- cantamos em Coro todas as semanas, 1 vez por semana

(b) Sobre prática instrumental (no conjunto da turma, apenas trabalhamos flauta de bisel e instrumentos de pequena percussão)

- peça de flauta com acompanhamento rítmico em que trabalhámos a noção e execução de contratempo (acentuação de 2ª e 4ª pulsações); a peça é uma Dança Espanhola e selecionei-a porque o período Histórico que dá início ao nosso projeto refere-se ao tempo de ocupação de Portugal pelos Espanhóis.

- Quase todos os alunos lêm na pauta e executam na flauta as notas naturais. Esta semana, aprenderam o que são notas alteradas e aprenderam a tocar a nota si bemol. Esta nota aparece num motivo rítmico em que surge novamente o contratempo, desta vez dentro de uma pulsação (pausa de colcheia, colcheia). A peça musical é uma canção que tem uma introdução e um interlúdio em flauta, e que conta a história de como começa este projeto da turma.

(c) Sobre ritmo

- as atividades anteriores contêm em si algum trabalho rítmico (sobre contratempo)

- no ano anterior, os alunos trabalharam ritmos em compassos simples binário, ternário e quaternário. Aprenderam a ler e executar ritmos com semínima, mínima, grupo de 2 colcheias, pausa de semínima e semínima pontuada seguida de colcheia.

- este ano aprenderam a ler e executar ritmos com quatro semicolcheias. Para este efeito, selecionei uma peça rítmica que se trata de um cânone a 3 partes cujo texto se refere às antigas colónias do Império Português do século XVI (mais uma vez, a ligação ao projeto). As partes do cânone demonstram a relação de duração entre sons de 1 pulsação, 2 sons de igual duração em uma pulsação e 4 sons de igual duração em 1 pulsação (semínima, colcheia e semicolcheia).

(d) Sobre forma musical

- perceção da estrutura de uma peça musical através da tomada de consciência do conjunto das partes que a compõem, e do modo como essas partes se organizam (foi feito na aula em que o Marcos esteve presente, embora não tivesse sido sistematizado).

(e) Sobre percepção sonora e musical

- na próxima semana iremos realizar atividades de apreciação musical na sequência das apresentações dos trabalhos apresentados pelos alunos. A apreciação musical é sempre realizada de forma ativa.

Marcos: A Professora acredita que a disciplina de educação musical consegue ter um papel relevante e paritário quando inserida na metodologia de projetos, sem comprometer os conteúdos específicos da disciplina?

Joana: Penso que já lhe dei a resposta com a descrição anterior de alguns exemplos sobre o modo como tudo se pode articular de forma harmoniosa. Por isso, a resposta é claramente sim, acredito. Sobre os conteúdos específicos da disciplina, é que eu acho que o debate pode ser extenso. Para mim, a questão é - o que é essencial estas crianças aprenderem?

É importante ter uma ideia do mundo sonoro que nos rodeia. Das qualidades do som. Distinguir sons graves e agudos, longos e curtos, fortes e suaves. Conhecer instrumentos musicais. Perceber o papel da Música na sociedade. Ter noções básicas de leitura rítmico-melódica. Dominar minimamente um instrumento musical. Saber emitir som com qualidade. Cantar com afinação. Desenvolver a memória auditiva e a capacidade de escutar. Saber como se organizam os sons. Como se estrutura uma peça musical. Ser capaz de reproduzir um ritmo ou uma melodia...

No entanto, acho ridículo pretender ensinar a crianças desta idade que não frequentam ensino artístico vocacional o que são intervalos musicais, como se medem, como se fazem transposições de escalas, as armações de clave, o cromatismo, a formação de séries. Mesmo a parte do currículo que se refere à acústica, me parece extemporânea e deslocada. É um tema demasiado abstrato e que exige uma maturidade intelectual que crianças de 12 anos não possuem. A acústica faz parte do programa de Ciências Físico-Químicas do 8º ano e, por isso, parece-me muito mais pertinente que este tema seja abordado nessa altura. (Ainda hoje dei uma aula de acústica sobre frequência, amplitude e propagação do som a alunos de 14 anos que já possuem conhecimento matemático e científico suficiente para que a aprendizagem seja significativa!)

Sei que não é um assunto pacífico mas custa-me imenso desperdiçar tempo que podia dedicar a fazer música com os alunos e, em vez disso, dar um rol de conceitos teóricos que pouco interesse terão para as crianças porque não lhes dizem nada.