Análise e Síntese
Anexo 7 Transcrição da resposta de José Pacheco no Conservatório de Covilhã
O Professor Jose Pacheco inicia sua palestra no Conservatório de Covilhã, Portugal, em março de
2015, perguntando ao público: O que querem saber? Então, solicitei-lhe que falasse sobre a importância do ensino de música nas escolas, para além dos concervatórios. Sua resposta nos revela
um pouco da sua trajetória como educador e a sua forma singular de pensar as artes como um direito de todos.
“Apercebi-me da importância da música como instrumento pedagógico há mais ou menos 30 anos atrás, devia ter uns 31 anos de idade e tive que dar aulas de música na Ponte (...) quando nós colocamos
no centro da atividade escolar a arte, quando construímos um hino de escola, quando fomos procurar as técnicas Orff, realmente percebemos como é importante a formação estética na área musical aliás
para mim foi um choque muito grande que… posso contar uma historinha? Posso?! Obrigado!!! Vou falar da minha prática, então, não há nada melhor que contar uma historinha, para vós fazeres a
interpretação: aos trinta e muitos anos atrás faltava-nos o professor de educação musical, como “quem não tem cão caça com gato” e eu sabia tocar umas musiquinhas, dirigia um coro, e é só! Então eu disse
que podia assumir a função de professor de educação musical e fui, e tive mais ou menos meio ano para me preparar. Fiz uns cursos aperfeiçoei o meu violão, minha leitura de pauta em clave de fá e
clave de sol e fui ver o curriculum de educação musical. Levei um susto!!! O currículo era bem maior do que o das outras áreas. Naquele tempo eu era um fundamentalista muito herdeiro da educação
nova, para quem não sabe educação nova eram uns senhores no princípio do século XX, eles diziam que toda a aprendizagem tem que estar centrada no aluno. Eu era um fundamentalista, acreditava
naquilo, sabia que Carl Roger e outros senhores que fizeram as coisas em que a criança era o centro então eu fiquei atrapalhadíssimo!!! eu já explico ... vou dar-lhes só um exemplo ... quando estava a
compreensão da mensagem estética da Música Erudita”... levar os alunos a compreender Bach ,
Mozart, Handel, Mahler, Stockhausen, levar o aluno a compreender a mensagem estética, que diabo! Que encrenca eu me meti. Comecei a pensar ... se tudo está centrado no aluno e eu tenho que escutar
o aluno ele é que tem que dizer o que quer fazer... nenhum aluno vai pedir para ouvir Bach, Mozart, Handel nem nada, vai pedir para ouvir, o ... na altura era Fernando Farinha, Antônio Mafra e outros…
isto e para quem for deste tempo. Se fosse hoje, seria a música “pimba”. Então eu fiquei atrapalhadíssimo, como vai ser minha vida de agora pra frente???? Penso que não vou conseguir dar
esses objetivos ... até que um dia percebi o que tinha que fazer!!! Então eu peguei o meu vinil, com instrumentos de época, e levei “As Quatro Estações” de Vivaldi o toca disco portátil, cheguei a escola
reuni todo mundo e logo fui colocar o vinil no toca disco. Com meu olhar estrábico a procura da faixa…. (risos)…. aí shiuiiiiishiuiiii (ruídos)….(mais risos)... aí tatatá tata tata (cantarolou a melodia)…
ao ouvirem a música, 185 jovens calaram-se de repente. Não demorou muito e um aluno logo me acenou, então, fui ter com ele. Sentei-me ao seu lado e perguntei baixinho: _ o que se passa? _ Oh
professor, hoje o senhor acordou mal cheiroso, o que é aquela porcaria, aquilo é música para dormir, põe ai um Antônio Mafra, um Fernando Farinha… Aí eu perguntei a ele: _ O que que tu és? _ Eu
sou um aluno! _ E o que e que eu sou? _ O senhor agora é professor de música! _ Então cala-te! ... e fui-me embora. Aí vem a Luiza, tu és prepotente pá, as crianças não gostam desta música, põe aí um
Antônio Mafra, um Fernando Farinha, que eles vão gostar! _ Luiza, o que que tu és? _Professora de Matemática. _ E eu, o que eu sou? _ Professor de música. _ Então cala-te, vocês me aceitaram como
professor de música, agora aguenta!!! (risos) ... Mas eu não estava bem com a minha vida, estava lá o Roger martelando na minha cabeça “a criança que é o centro” não sei que… Vamos prosseguir com
a história (...) quando terminou de tocar as quatro estações, eu até estava para desligar, mas alguém disse, com tom de alivio: _ “ah já acabou! ” Então eu disse “já acabou?!”, então pus outra vez. No fim
confesso que estava em dúvida se (levo ou não levo as quatro estações). _ Levo! Ao chegar a porta,
logo veio um aluno: _ o professor vai por outra vez a porcaria! _ É porcaria? Disse eu e pá!!!...ponho de novo!!! Na sexta-feira, isto foi da segunda até a sexta, ao meio do dia, eles tinham ouvido 45 vezes
as 4 estações… até que eu percebi que pedagogia é arte e ciência. Brinquei com um princípio cientifico e mudei uma variável, ou seja, ‘o tempo’, na parte da tarde eu não pus, mas, já estavam depois do
almoço a esperar que eu pusesse. Então criou-se uma atmosfera de tensão, eu estava a saborear aquilo... aí não pus. Não demorou nem 10 minutos, estava numa ponta e no outro canto eu vejo 5
crianças, de mãos dadas, numa rodinha fazendo isto (balança o corpo suavemente), de olhos fechados. Eu fui ver o que estava a acontecer quando chego perto escuto em surdina isto hum… hum… hum…
(solfeja uma melodia em bocca chiusa). Estavam a cantarolar o segundo andamento do concerto “Inverno” das 4 estações de Vivaldi, entoado de olhos fechados, em surdina, por 5 crianças! Sai dali,
fui à casa de banho e chorei como uma criança. Limpei os óculos e voltei e fui ter com elas, então eu descobrir 2 coisa naquele momento, “só se ama aquilo que se conhece” – Piaget, “Quanto mais
conhece mais se ama” Frederick Smith, etc... Tudo tem autor, não somos autores de nada. Descobri que há coisas que só os olhos fechados conseguem saborear (…) mas o que eu realmente descobri foi
que, a partir dali, muitas crianças que vinham de bairros extremamente pobres começaram a sensibilizar-se em relação a músicas como suítes de Bach, choravam com a o segundo andamento da
7ª de Beethoven, quando ouviram o Carnaval dos Animais criaram uma bela performance, quando escutaram Offenbach, A Barcarola, criaram canções de natal a partir dali, e por ai vai, eles começaram
a educar-se, ou seja não foram “bonsais humanos”, que só pensam na matemática (...) desenvolveram- se exatamente por meio da sensibilidade, porque o ser humano na sua essência é sensibilidade e todo
ato educativo só pode ser estético. Então, foi isto que aconteceu. Assim que despertei para a importância da educação musical e das artes”.