• Nenhum resultado encontrado

A Forma do Pronome de Primeira Pessoa do Plural na Fala Popular do Município de Santo Antônio de Jesus segundo o Tipo de Discurso

4 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

5. A ANÁLISE VARIACIONISTA

5.2 VARIÁVEIS LINGÜÍSTICAS EXPLANATÓRIAS

5.2.5. A Forma do Pronome de Primeira Pessoa do Plural na Fala Popular do Município de Santo Antônio de Jesus segundo o Tipo de Discurso

Nessa variável discursivo-pragmática se observam as várias formas de manifestação das falas dos informantes. Inicialmente, nela se envolveu um maior número de fatores, tendo em vista a inclusão aspectos de cunho socioeconômico. Dessa forma, foram investigados cinco fatores, conforme se especifica a seguir:

(1) discurso do próprio falante, manifesto com as formas alternantes nós e a gente implícitas ou explícitas

 “Aí nós ia brincá, no tempo do sol ININT, viu.” (SAS05)

“Então a gente fala... Sant’Antônio de Jesus é aqui... num tem um coméço muntcho lucrativo, nem tem trabalho...” (SAS07)

(2) discurso reportado de um superior na escala socioeconômica, ou seja, o falante repete o que disse alguém hierarquicamente superior. No trecho abaixo, que se apresenta como exemplo, o servente incorpora ao seu discurso a fala da diretora da escola:

“Só basta ela dizê: “Seu Zé, vamo vê o trabaio, que a gente qué ir embora mais cedo.”Aí num é recramá, né?” (SAS07)

 “Aí, quando chega os tempo das política, bate nas porta: “Ah! Vô fazê isso pra vocês, vô melhorá, porque vocês precisa...a gente somo...Ó, eu sô que nem vocês.”” (SAS02)

Na fala acima, a informante insere em seu discurso o discurso do político.

(3) discurso reportado de um outro membro da comunidade (referência inter paribus), um igual em termos sociais. Na situação de fala abaixo, o informante está reportando o discurso de comerciantes.

 “E, aí, esse an... esse tempo agora, a equipe fechô a padaria, aí pronto: deram nos comeciante... ficô tudo alegre. “-Cabô a padaria da... da... da COPEMA pronto: agora nós pode fazê o que qué.” (SAS12)

 “quando a gente fô, quando vim tu compra cinco e ‘tá pago.”, eu disse: “‘tá certo.” (SAS07)

No exemplo acima, o informante reporta o discurso de um amigo que lhe dera carona em uma viagem na qual o entrevistado só contribuiu com a gasolina.

(4) discurso reportado do próprio falante ocorre quando ele (falante) traz para o discurso do presente uma fala expressa em um momento anterior:

“Eu digo: “A gente faz um projeto, a gente se empenha lá de vinte e cinco ou trinta mil e no tempo num vende as muda, a gente vai pagá o banco com o quê?” Eu dizeno pra ele.” (SAR05)

Nessa fala, o informante ainda identifica de quem se reporta o discurso, qual a sua procedência e, simultaneamente, explicita o significado de a gente. Como presidente da associação, ele se responsabiliza pelos pagamentos.

 “Conheci assim, se encontramos e eu... conversamos: se você cuidá de meus filho como eu cuido, nós vai vivê o tempo todo.” (SAS11)

Na fala acima, o informante conta como conheceu a companheira atual, enquanto reporta discurso próprio referente à proposta de convivência.

Por se comportarem de forma semelhante, amalgamaram-se os fatores explicitados acima de forma a distinguir-se apenas o discurso do próprio falante e o discurso reportado, tendo-se a hipótese de predomínio de uso do pronome sujeito nós em discursos reportados, mais específicos, prevalecendo, então, o pronome a gente nos discursos do próprio falante.

Pronome tipo de discurso a gente Nós Nº de oc. / Total Freq. P.R. Nº de oc. / Total Freq. P.R. Do próprio falante 1784/1915 93% .51 131/1915 07% .49 Reportado 43/55 78% .21 12/55 22% .79 TOTAL 1827/1970 93% --- 143/1970 07% ---

TABELA 6: Forma do pronome de primeira pessoa do plural no português popular do Município de

Santo Antônio de Jesus segundo o tipo de discurso (nível de significância: .022)

Os resultados comprovam a hipótese inicial, confirmando a expectativa quanto a essa variável de que há favorecimento ao uso do pronome sujeito nós quando o discurso é reportado. Nesse caso, o peso relativo é de .79 e o percentual de freqüência do pronome nós mais que triplicou, passando de sete para vinte e dois por cento do total de ocorrências nesse contexto lingüístico. A neutralidade entre o uso das formas pronominais nós e a gente, confirmada estatisticamente pelos pesos relativos .51 para a gente e .49 para nós, se dá no contexto de discurso do próprio falante, igualando-se, percentualmente, a freqüência de uso das formas alternantes ao total de ocorrências: 93% e 07%, respectivamente.

Ao reportarem-se os discursos, a marca ou desinência de primeira pessoa do discurso no plural -mos tende ao apagamento do /s/ -mo na seqüência verbo IR+infinitivo. Já nos marcadores conversacionais, a marca pode se manter ou ser apagada. Mostra-se isso com a exemplificação a seguir:

 “‘vamo fazê aquilo, vamo calçá a rua, vô dá emprego...’” (SAS03)

No exemplo acima, a informante reporta o discurso do político apagando o /s/. Abaixo se encontra destaque no marcador conversacional onde se manteve a DNP4 -mos.

“poque na casa dos ôto... digamos, essa tia minha era moça...” (SAS08)

Na pesquisa de Zilles (2000, p. 212) sobre a concordância verbal com a primeira pessoa do plural em Panambi e Porto Alegre, RS, a variável tipo de discurso foi selecionada pelo VARBRUL. Em sua análise, apresentou resultados tidos como parciais: o discurso reportado direto fortemente favoreceu a variante -mo, com peso relativo de .69 (75%) em comparação com o discurso não-reportado: peso

relativo de .48 (34%). Quanto a essa variável lingüística, Zilles (op.cit.) opina que a tendência de apagar o /s/ da desinência verbal no discurso reportado precisa ser melhor investigada. Em outros estudos, constatou-se que a concordância foi mais produtiva quando o discurso foi reportado de superiores, prevalecendo a combinação com a forma pronominal nós com desinência padrão -mos ou -mo.

Talvez isso se deva ao fato de os falantes estarem cada mais vez mais propensos ao uso da forma verbal sem marca número-pessoal que se concretiza na opção pelo pronome sujeito a gente. Então, vêem-se reportando formas verbais com desinência, porque, no discurso reportado a atenção metalingüística é maior.

Além dos fenômenos morfossintáticos, semânticos e discursivo- pragmáticos analisados e discutidos nesta secção, para se fazer uma correlação entre o comportamento lingüístico dos falantes e suas características sociais, testaram-se fatores sociais que compõem as variáveis da secção seguinte.