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4 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

5. A ANÁLISE VARIACIONISTA

5.1 VARIÁVEL DEPENDENTE

No português brasileiro, a expressão da primeira pessoa do discurso no plural pode se dar através do uso dos pronomes pessoais nós e a gente, explícitos ou apagados, com ou sem a concordância verbal referendada pelos compêndios gramaticais. Essa variação tem sido objeto de várias pesquisas, partindo de amostras de língua falada culta ou popular.

Para o estudo da alternância nós e a gente na fala popular do Município de Santo Antônio de Jesus, a variável dependente foi estruturada da seguinte maneira:

(1) Forma do pronome de 1ª pessoa do plural

a) nós

 “... nós tudo sabe realmente isso,” (SAR06) 3 b) a gente

 “... porque, se a gente num dé um zelo aqui, vai acontecê que nem igual a de lá de Rafael Jambêro e a de lá de...” (SAR05)

c) nós/a gente ou vice-versa

 “Era pra ele ligá a seta pra ele entrá, ele num ligô, aí nós... a gente pegô e aceleramos a...” (SAS01)

“a gente, nós duas unida, a gente ‘tá aqui e foi ela que criô meus filho pra eu ir trabalhá.” (SAS04)

Essas formas alternantes têm histórico diferenciado: nós, tradicionalmente, é um pronome pessoal do caso reto, primeira pessoa do plural, enquanto a gente, gramaticalmente, deixou de ser substantivo para integrar o sistema de pronomes pessoais, apesar de sua não inclusão nas gramáticas tradicionais. Ambas podem exercer, sintaticamente, a função de sujeito - expresso ou apagado - na estrutura oracional. Nesta dissertação, só se alude à ocorrência de nós e a gente, explícita ou implicitamente, na função de sujeito, todavia ela também se dá em outras funções sintáticas.

Em se tratando do comportamento lingüístico dessa variável, contrariando o que asseveram algumas gramáticas (ALMEIDA, 1965 e CUNHA & CINTRA, 1985), o pronome nós não é plural de eu, pois inclui falante, ouvinte e outras pessoas. As

3 Os exemplos são extraídos do corpus constituído para esta análise: as siglas SAS e SAR significam, respectivamente: amostra do português popular do Município de Santo Antônio de Jesus Sede e Zona Rural, seguida do número do informante (cf. Quadro Geral das amostras em ANEXO a esta dissertação).

duas formas alternantes referem-se a um eu-ampliado, havendo um certo nivelamento semântico entre elas (cf. LOPES, 1996, p. 118). Dada a sua abrangência, tem sido crescente a probabilidade de uso do pronome sujeito a gente entre falantes brasileiros, originalmente cultos ou populares, mas grande parte das gramáticas da língua portuguesa não inclui a forma alternante do pronome nós, isto é, a gente em seu sistema pronominal, ficando, portanto, em estado de desatualização.

Em relação a essa variável dependente, assim definida em seus limites, espera-se maior freqüência de uso do pronome tido como inovador a gente em relação à forma conservadora nós, como vem se registrando nos estudos anteriores.

Na análise variacionista do uso do pronome de primeira pessoa do plural no corpus do português popular de Santo Antônio de Jesus, foram levantadas 1.970 ocorrências de pronomes referentes à primeira pessoa do discurso. Essas ocorrências se distribuíram entre as duas variantes possíveis, nós e a gente, com as freqüências apresentadas na tabela abaixo:

Pronome Nº de ocor./TOTAL Freqüência

A gente 1827/1970 93%

Nós 143/1970 07%

TABELA 1: Forma do pronome de primeira pessoa do plural no

português popular do Município de Santo Antônio de Jesus

Como se pode ver, o uso do pronome a gente supera largamente (93%) o uso do pronome nós (07%) na comunidade de fala estudada. Essa já esperada preferência que o falante santantoniense revelou quanto à forma a gente para referir-se à primeira pessoa do discurso no plural em detrimento do pronome nós tem se verificado, também, em outros pontos do país, entretanto com menor percentual.

Informantes florianopolitanos, com nível de escolaridade primário e colegial, correspondendo ao que ora se conhece como ensino fundamental, em suas entrevistas, confirmaram a hipótese de Seara (2000, p. 181) de que a gente seria mais freqüente que nós em Florianópolis, pois obteve 72% de uso da forma citada. Partindo de dados do Atlas Etnolingüístico dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), que representa o desempenho lingüístico de 72 pescadores do sexo masculino, analfabetos ou pouco escolarizados, Machado (1995, p. 15)

constatou, em seus resultados, maior incidência da forma a gente (72%) em relação à forma pronominal nós (28%) com dados de sujeito explícito e implícito analisados conjunta e separadamente.

Com características semelhantes àquelas dos entrevistados em Santo Antônio de Jesus (analfabetos ou semi-analfabetos), os norte-fluminenses igualaram-se em percentual de freqüência de uso de a gente (72%) aos florianopolitanos, cujo nível de escolaridade foi um pouco mais elevado. Contrastando esses resultados percentuais concernentes à variável dependente forma do pronome sujeito de primeira pessoa do plural, a comunidade santantoniense, apresentando 93% de uso, dispara em favor da forma alternante a gente, quase eliminando a forma pronominal nós e destacando-se em relação à comunidade florianopolitana e à comunidade norte-fluminense. Com isso, observa- se que a implementação do a gente no português brasileiro avança fortemente no português popular do interior do Estado da Bahia.

Na análise do encaixamento estrutural das variáveis explanatórias, foram propostas as seguintes variáveis: (i) realização e posição do pronome sujeito; (ii) nível de referencialidade do pronome sujeito; (iii) tipo de oração; (iv) paralelismo discursivo; (v) saliência fônica; (vi) tipo de texto; e (vii) tipo de discurso. Dessas, o programa das regras variáveis, VARBRUL, selecionou as seguintes como estatisticamente relevantes: (i) realização e posição do pronome sujeito; (ii) nível de referencialidade; (iii) paralelismo discursivo; (iv) tipo de texto; e (v) tipo de discurso. Já no plano do encaixamento social, o programa selecionou as variáveis faixa etária, estada fora da comunidade e localidade (sede do município e zona rural); não selecionando como estatisticamente relevantes as variáveis sexo e escolaridade.

Nas seções abaixo, serão analisados os resultados dos fatores lingüísticos e extralingüísticos que condicionam a escolha do pronome de primeira pessoa do plural na fala popular do Município de Santo Antônio de Jesus; concentrando-se a análise nas variáveis lingüísticas e sociais que foram selecionadas como estatisticamente significativas pelo Programa das Regras Variáveis.