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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

6.1 SÍNTESE DOS RESULTADOS QUANTITATIVOS

No que concerne à alternância nós e a gente para referência à primeira pessoa do discurso no plural, mecanismos lingüísticos e sociais se inter-relacionam, afetando a opção por uma ou outra variante.

Na análise variacionista do uso do pronome de primeira pessoa do plural no corpus do português popular de Santo Antônio de Jesus, foram levantadas 1.970 ocorrências de pronomes referentes à primeira pessoa do discurso. Essas ocorrências se distribuíram entre as duas variantes possíveis: nós e a gente.

Quanto à variável dependente forma do pronome de primeira pessoa do plural no português popular do Município de Santo Antônio de Jesus, o uso do pronome a gente superou largamente o uso do pronome nós na comunidade de fala estudada, sendo a forma a gente responsável por 93% do total de ocorrências. Essa já esperada preferência que o falante santantoniense revelou quanto à forma a gente para referir-se à primeira pessoa do discurso no plural em detrimento do pronome nós tem se verificado, também, em outros pontos do país, entretanto com menor percentual.

Na análise do encaixamento estrutural das variáveis explanatórias, foram propostas as seguintes variáveis: (i) realização e posição do pronome sujeito; (ii) nível de referencialidade do pronome sujeito; (iii) tipo de oração; (iv) paralelismo discursivo; (v) saliência fônica; (vi) tipo de texto; e (vii) tipo de discurso. Dessas, o programa das regras variáveis, VARBRUL, selecionou as seguintes: (i) realização e posição do pronome sujeito; (ii) nível de referencialidade; (iii) paralelismo discursivo; (iv) tipo de texto; e (v) tipo de discurso. Já no plano do encaixamento social, o programa selecionou as variáveis faixa etária, estada fora da comunidade e localidade (sede do município e zona rural); não selecionando como estatisticamente relevantes as variáveis sexo e escolaridade.

A análise empreendida baseou-se nos resultados dos fatores lingüísticos e extralingüísticos que condicionam a escolha do pronome de primeira pessoa do

plural na fala popular do Município de Santo Antônio de Jesus, concentrando-se nas variáveis lingüísticas e sociais que foram selecionadas como estatisticamente significativas pelo Programa das Regras Variáveis.

6.1.1 Variáveis Lingüísticas Explanatórias

Os resultados quantitativos revelaram uma conjugação de fatores de natureza sintático-semântica e de ordem discursivo-pragmática no condicionamento estrutural da alternância nós e a gente. Dessa forma, em cinco variáveis explanatórias, buscou-se identificar algumas das restrições lingüísticas que operam sobre essa alternância.

Na variável realização e posição do pronome sujeito da primeira pessoa do plural, com base principalmente nos pesos relativos que procuram isolar a interferência específica de cada fator sobre o fenômeno focalizado, pôde-se constatar que o uso do a gente está correlacionado à realização fônica do pronome na sentença imediatamente antes do verbo, sendo desfavorecido quando o pronome sujeito é apagado. Conseqüentemente, o pronome nós foi favorecido no contexto de sujeito nulo. Portanto, há maior probabilidade de ocorrência do pronome a gente realizado anteposto ao verbo e do apagamento do pronome nós.

Quanto ao nível de referência que o pronome de primeira pessoa do plural pode assumir no discurso, na amostra de fala analisada não se constatou uma correlação entre a escolha entre a gente e nós e o traço semântico [+/- específico], diferentemente da idéia de que o a gente estaria relacionado ao traço semântico [- específico]. Já no plano da referência específica, o a gente predomina quando o falante se refere a si mesmo, no chamado plural de modéstia, enquanto o nós predomina no sentido mais denotativo da referência conjunta ao próprio falante e outro(s) indivíduo(s) especificado(s).

A variável paralelismo discursivo, que se baseia no princípio de que o falante tende a repetir as suas escolhas ao longo do discurso, também se mostrou relevante na análise variacionista aqui empreendida. Tanto o pronome nós quanto a expressão pronominalizada a gente prevaleceram quando na oração anterior figurava uma forma análoga. Assim, o a gente tende a prevalecer antecedido por ele

mesmo, ou quando, na oração anterior, o sujeito não está realizado e o verbo não contém o morfema –mos. Já o pronome nós, na condição de forma marcada, predomina na primeira referência, ou quando precedido por ele mesmo, ou pela forma verbal marcada na oração anterior, confirmando o princípio do paralelismo discursivo.

Na variável tipo de texto, a gente predomina nos textos descritivos, enquanto que o pronome nós prevalece nas narrativas. Diferentemente do observado em outras análises, os textos argumentativos revelaram-se um contexto de neutralidade.

Já na variável tipo de discurso, o pronome a gente prevalece nos discursos do próprio falante. Portanto, o pronome nós predomina no discurso reportado, quando o falante reproduz o discurso de outrem; provavelmente em função de um maior monitoramento da fala nesses momentos.

6.1.2 Variáveis Sociais

No plano do encaixamento social, dentre as variáveis inicialmente consideradas, o programa das regras variáveis, VARBRUL, selecionou as variáveis faixa etária, estada fora da comunidade e localidade (sede do município e zona rural); não selecionando como estatisticamente relevantes as variáveis sexo e escolaridade.

A variável faixa etária do falante é crucial na análise sociolingüística dos processos de variação e mudança no que se convencionou chamar de tempo aparente. Surpreendeu, na amostra de fala estudada, a predominância de uso de a gente entre os falantes de quarenta a sessenta anos de idade. Não se observou, portanto, um predomínio do uso do a gente entre os mais jovens, como constatado em outros estudos sobre o tema no português brasileiro.

Na variável estada fora da comunidade, os dados estatísticos apontam que a forma pronominal a gente é mais usada pelos falantes que já viveram fora do município, enquanto os que nela sempre permaneceram deram mostra de favorecimento ao uso do pronome nós.

O processamento quantitativo dos dados relativos à escolha do pronome sujeito de primeira pessoa do plural na variável localidade revelou, confirmando as expectativas iniciais, um favorecimento do uso do pronome inovador na Sede do Município de Santo Antônio de Jesus e o predomínio do uso da forma conservadora na zona rural.