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Apêndice 2.2 – Sobre o período do multiplicador

3.4. Proporções do investimento pelo destino e multiplicadores de produção

Apesar de já termos mencionado a expressão “multiplicadores de produção”, façamos uma breve pausa para explicar detalhadamente o significado que se tem atribuído à mesma. Uma vez compreendido que a inversa de Leontief, ( ) 1

A

I− − , transforma um vetor de demanda final num vetor de produção total, caberia a seguinte indagação: quanto tem que se alterar157 a produção

total de uma economia se quisermos promover a alteração de uma unidade na demanda final de uma atividade selecionada? É exatamente essa a resposta que nos fornecem os multiplicadores simples de produção: uma alteração de uma unidade na demanda final pelo produto de determinada atividade gera uma alteração de tantas unidades de produção, na economia como um todo, refletindo os impactos diretos e indiretos provenientes dessa demanda final alterada.

Assim, pós-multiplicar a inversa de Leontief por um vetor-coluna, ιi, definido de modo que

todos os elementos do mesmo sejam nulos, exceto a linha i selecionada, que assume o valor de 1, equivaleria a buscar essa explicação de qual seria o impacto na produção dada uma alteração de uma unidade de demanda final na atividade i selecionada. Mas o vetor-coluna resultante dessa operação, (I A) ιi

1

, é equivalente a simplesmente selecionarmos uma coluna j da matriz inversa de Leontief, de acordo com a atividade i. Isso implica obtermos, através de uma coluna da inversa de Leontief, os impactos em termos de alteração da produção em cada atividade, dada a alteração da demanda final.

A soma desta alteração em cada atividade nos fornece, portanto, a alteração na produção total dada a alteração de uma unidade de demanda final na atividade selecionada. Isso equivale, portanto, a somar todas as linhas de uma dada coluna da matriz inversa de Leontief. Se fizermos isso para todas as atividades, o resultado são os modernamente denominados multiplicadores simples de produção (Miller e Blair, 2009: 245-246), que podemos expressar por ( ) 1

A I

u' − − . Quanto a esse significado específico, não pode haver dúvida acerca do “funcionamento” de tal mecanismo, porquanto baseado numa identidade contábil, sempre válido para ligar um vetor de demanda final a um vetor de produção total em dado período do tempo158. Assim, afirmar que

157 Quando se fala em alteração da demanda final resultando em alterações na produção total, estamos logicamente supondo retornos constantes à escala, como é o caso de qualquer exercício dessa natureza utilizando o esquema básico de Leontief. Ocioso repetir que como Sraffa (1960) não efetuou esse tipo de exercício, não precisou supor retornos constantes à escala – ver, e.g., o intercâmbio entre Eatwell (1977), Burmeister (1977) e Levine (1977). 158 Ademais, uma analogia com o multiplicador dos gastos autônomos não seria adequada, uma vez que naquele

caso parâmetros comportamentais como a propensão marginal a consumir estariam envolvidos, enquanto que no caso dos multiplicadores de produção somente coeficientes tecnológicos estão sendo considerados.

o vetor-linha ( ) 1 A I

u' − − expressa corretamente os multiplicadores de produção em dado período, para cada atividade, não está sob questionamento. Qualquer exercício, todavia, que venha a extrapolar essa relação para além do período apurado e que venha a fazer conjecturas tais como “se fizéssemos uma determinada alteração na demanda final de uma dada atividade, os impactos resultantes seriam superiores ao caso em que fizéssemos a mesma alteração na demanda final de outra atividade”, estaria sujeito a uma série de considerações acerca de rendimentos de escala, rigidez dos coeficientes tecnológicos, nível de agregação utilizado, peso de cada atividade na economia, etc. Esse tipo de conjectura é o que permeia a temática dos encadeamentos e setores- chave de uma economia, à qual faremos uma breve alusão por ora e retomaremos oportunamente. Primeiramente devemos explicitar que os multiplicadores simples de produção são uma maneira de expressar os chamados encadeamentos159 à montante (ou para trás – backward

linkages) de um sistema econômico que considere mais de uma atividade. Como tais, significam

alternativamente que o esforço para aumentar a produção de uma atividade j qualquer será seguido de um aumento da demanda por bens produzidos em todas as atividades da economia que essa atividade j necessite como insumo. Como estamos utilizando a inversa de Leontief, os efeitos de encadeamento diretos e indiretos já estão sendo levados em conta. Os encadeamentos à jusante (ou para frente – forward linkages) poderiam ser trabalhados, mas em um modelo de Leontief pelo lado da demanda, como o esboçado anteriormente, a direção de causalidade usual implica encadeamentos à montante (Miller e Blair, 2009: 555); ademais, esse tipo de causalidade entre as atividades é mais confiável que o estímulo a partir da oferta à jusante, razão pela qual historicamente tem tido maior visibilidade160.

A proposta de utilização da soma das linhas da inversa de Leontief para medir encadeamentos à montante foi avançada em Yotopoulos e Nugent (1973: 161) e atacada em diversas frentes, num debate acerca das comparações destes indicadores entre países161, por

Laumas (1976), Boucher (1976), Riedel (1976) e Jones (1976).

Registremos o alerta de Laumas (1976) acerca da utilização de multiplicadores não- ponderados, no qual se destaca a possibilidade de utilização de uma ponderação “de acordo com 159 Também em Miller e Blair (2009: 555-559) há um tópico acerca da relação entre encadeamentos e modelos

insumo-produto.

160 Ver Yotopoulos e Nugent (1976: 335) ou ainda a afirmação de Hirschman (1958: 116) de que os encadeamentos à montante são mais nítidos e refletem pressões na demanda, enquanto os encadeamentos à jusante nunca podem ocorrer em sua “forma pura”.

161 Também num contexto de comparação internacional, Chenery e Watanabe (1958) reconhecidamente inauguraram boa parte das definições de indicadores de encadeamento.

a parcela na demanda final de um dado setor”162(ibid: 309), pois desenvolveremos esse ponto

logo adiante. Um ataque comum a três desses críticos advoga pela utilização dos já conhecidos índices de poder de dispersão de Rasmussen163, sendo que Laumas (ibid) acredita que esse seja

“devidamente ponderado”. Como defendido por Yotopoulos e Nugent (1976: 340), os índices de poder de dispersão são perfeitamente correlacionados com os multiplicadores simples de produção, uma vez que a única diferença é que os primeiros são normalizados pelo número de atividades, ou seja, normalizados por uma constante164.

Há ainda certa controvérsia acerca da consideração dos impactos iniciais de uma inversa de Leontief (captados pela matriz identidade), ou mesmo sobre a utilização dos elementos ao longo da diagonal principal da mesma, tanto no que se refere aos encadeamentos (Miller e Blair, 2009: 557) quanto aos multiplicadores de produção (ibid: 278-281). Para os nossos fins, na tentativa de entender os encadeamentos à montante sem que estes tenham como impulso inicial uma alteração da demanda final, devemos recuperar o significado da matriz H a partir de sua expressão alternativa apresentada acima, qual seja, H= (IA)−1I

. Obviamente a subtração da matriz identidade não altera, em termos ordinais, qualquer comparação entre os diferentes multiplicadores para as atividades, excluindo justamente os efeitos iniciais da expansão da inversa de Leontief e mantendo em tela os efeitos diretos e indiretos de encadeamento.

Assim, multiplicadores de produção modificados, a partir de H, podem ser representados simplesmente por u'H. Estes, com efeito, continuam sendo não-ponderados no sentido de que somente levam em consideração a estrutura interna da economia, e não o peso que cada atividade tem de acordo com algum critério selecionado. O único problema com isso é que multiplicadores não-ponderados tratam, sem distinção, as “pressões” por aumento da produção em uma atividade, como se fossem originariamente distribuídas equitativamente, com todas atividades exercendo a mesma “influência”. Assim, quando da comparação entre os multiplicadores das diferentes atividades, também não há a consideração do maior ou menor potencial de liderar uma expansão de acordo com o peso das diferentes atividades na economia.

162 Proporções da produção total ou da demanda final também são sugeridos por Miller e Blair (2009: 281-282) como alternativas de ponderação.

163 Por vezes chamados de índices de Rasmussen-Hirschman; o trabalho pioneiro de Rasmussen data de 1956 e foi citado por Hirschman (1958: 108) como exemplo para a obtenção de indicadores de encadeamentos à montante que consideram efeitos diretos e indiretos.

164 Nos termos aqui trabalhados não seria equivocado expressar o poder de dispersão por u'u'((II AA))1u 1 − − − − × n . Vale

Nossa proposta aqui é de que façamos essa ponderação de acordo com a participação de cada atividade no total do investimento pelo destino; ou seja, uma ponderação de acordo com o investimento realizado por cada atividade. A racionalização aqui é bastante simples: queremos entender os efeitos ao longo da cadeia engendrados por um aumento da produção de bens de capital em uma atividade, para isso ponderando a demanda adicional gerada de acordo com o peso que cada atividade apresenta em relação à própria demanda por bens de capital. Ao expormos os diferentes multiplicadores de produção desse modo ponderados, estes refletirão não somente a estrutura interna da economia, mas também os diferentes pesos da demanda por bens de capital. Assim, as atividades que mais estão expandindo sua capacidade produtiva são justamente aquelas que estão forçando mais do que a média o aumento da produção de bens de capital de todas as outras atividades (lembrando que em se tratando de unidades de capacidade produtiva verticalmente integradas, todas as atividades são produtoras de bens de capital, a despeito de não o serem em termos de unidades físicas).

A chave para transformar esse argumento relativamente trivial na ponderação dos multiplicadores a partir da matriz H se encontra no conceito de atividade verticalmente integrada. Consideremos que o aumento da produção de bens de capital na atividade agropecuária (por exemplo) demanda um aumento da produção da indústria de transformação (levando em conta até então somente os coeficientes técnicos). Digamos que essa pressão por mais produção na indústria de transformação se traduz em aumento do investimento nessa atividade, e aqui, apesar de ser também verdade que uma pressão por aumento de produção pode se traduzir em aumento da capacidade produtiva, enfatizemos o lado da complementariedade entre as cadeias: ou essa demanda por bens de capital se distribui ao longo da cadeia, ou os coeficientes técnicos necessariamente se alterarão.

A questão é, como se distribuirá a demanda por novos bens de capital entre as diferentes atividades? A resposta aqui aventada é simples: a partir dos coeficientes técnicos ponderados pela participação apurada de cada atividade no investimento total por destino, tudo isso em termos verticalmente integrados. Assim, no nosso exemplo, a pressão por um aumento na produção de bens de capital a partir da atividade agropecuária, ao implicar (via coeficientes técnicos) uma demanda maior pela produção na indústria de transformação, faz com que essa última realize mais investimentos de acordo com a sua participação na demanda total por investimentos; e isso se estende para todas as outras atividades do sistema econômico.

Lembrando que já definimos nosso vetor-linha de investimento pelo destino (em termos de capacidade produtiva verticalmente integrada) como u'UK ou u' ˆAz, e ainda o total do

investimento, também nesses termos, por u'UKu, basta-nos tomar a razão entre os dois, e

teremos o investimento pelo destino como proporção do investimento total:

u U u' U u' u z A u' z A u' r' K K = = ˆ ˆ (3.2)

Utilizando essa razão como termo de ponderação, nosso multiplicador ponderado de produção seria representado por r'H. Se quisermos manter a comparabilidade com o caso não- ponderado, basta realizarmos alguma normalização, como por exemplo pelo número de atividades, obtendo assim indicadores similares aos do grau de dispersão de Rasmussen. Assim, teremos n× u'u'ΗuΗ como um multiplicador não-ponderado e

Hu r'

H r'

×

n para o caso ponderado.

Se quiséssemos, no entanto, manter os vetores-linha resultantes como proporções, assim como as iniciais, não multiplicaríamos as razões pelo número de atividades, n. Porque se mostrará importante, façamos a definição de uma nova proporção resultante, após a pré- multiplicação pela matriz H:

Hu r'

H r'

s'= (3.3)

3.5. Proporções das proporções a partir do investimento pelo destino verticalmente integrado