• Nenhum resultado encontrado

Apêndice 2.2 – Sobre o período do multiplicador

3.2. Rumo ao crescimento equilibrado?

Uma ligação poderia ser feita entre nossa afirmação de que recorreremos às relações intersetoriais para explicar a dinâmica própria ao investimento e a ideia de que o investimento seguiria uma trajetória de crescimento equilibrado, sobre a qual discorreremos logo adiante. Nada mais longe da nossa intenção, entretanto, que consiste em descrever período a período uma dinâmica “desequilibrada” do investimento, pois somente desse modo o investimento feito em um elo da cadeia induziria o investimento num outro elo137.

Essa distância se deve ao fato de que a pergunta feita em geral pelos modelos dinâmicos multissetoriais – qual o investimento requerido em cada atividade, ao longo do tempo, para tornar possível uma determinada taxa de crescimento do produto? – é totalmente diferente da nossa. Uma taxa única de crescimento estaria, portanto, relacionada à manutenção da proporção inicial. A nossa questão, por outro lado, diz respeito ao investimento necessário em uma atividade, dado o investimento realizado em outra atividade, se quisermos preservar a estrutura de produção138

corrente.

Ao preservar tal estrutura de produção, não estamos assumindo, entretanto, que os coeficientes tecnológicos permanecerão os mesmos ad infinitum, como costuma ser o caso de modelos multissetoriais dinâmicos. Como nossas pretensões são mais modestas, de descrever a macrodinâmica período a período, tais coeficientes só necessitam permanecer constantes por um período de tempo; em outras palavras, nós somente precisamos supor que os mesmos permanecem constantes, para inferirmos algo acerca do desdobramento dos investimentos ao longo da cadeia, por um período (não mais o período do multiplicador, mas um outro período teórico que podemos denominar período do investimento).

“Essa ênfase sobre a relevância dos coeficientes fixos na análise de processos de crescimento pode parecer, à primeira vista, auto-contraditória” (Lowe, 1976: 9); todavia, é no espírito de que em cada momento os aspectos tecnológicos exercem alguma restrição à dinâmica econômica que devemos entender que os coeficientes fixos de produção dominam os processos de ajustamento em nosso horizonte de análise, interpretando tais processos como descontínuos, e 137 Logicamente, se o investimento fosse realizado de maneira balanceada, preservando uma determinada proporcionalidade da produção entre as atividades, não faria sentido falar numa indução de uma atividade a outra. Uma prova formal para isso, nos termos aqui desenvolvidos, pode ser encontrada em apêndice a esse capítulo.

138 A manutenção de tal estrutura de produção inclui, implicitamente, dados coeficientes de importação, uma vez que os coeficientes tecnológicos adotados se referem aos de produção nacional.

considerando que “os coeficientes técnicos de produção inicialmente prevalecentes somente podem ser alterados por um processo produtivo que é condicionado por esses próprios coeficientes” (Lowe, 1976: 10). Assim, também no que se refere à dinâmica do investimento aqui perseguida, “o que em retrospecto se parece com um processo secular é, de fato, uma abstração derivada de uma sequência de movimentos de curto prazo” (ibid).

O crescimento equilibrado exposto, por exemplo, por Solow e Samuelson (1953), trata de uma dada taxa de crescimento para o produto agregado, sem que as proporções em que as mercadorias são produzidas se alterem. Ou seja, todas as atividades crescem a uma mesma taxa, de modo que a participação de cada atividade no produto agregado permanece inalterada. Tal modalidade de crescimento parte do modelo de von Neumann139(1946), no qual os produtos em

um período entram integralmente como insumos no período seguinte; isso acontece porque se admite que todo o excedente é reinvestido, consistindo num esquema fechado, se fôssemos utilizar a terminologia de Leontief140, onde, ademais, o trabalho é “produzido” pelo consumo141

(Solow e Samuelson, 1953: 412). Assim, “faz sentido perguntar por que tal modelo tem exercido, em geral, tamanha fascinação entre os economistas, quando a dinâmica real de capitalismo não é a do crescimento equilibrado”142(Teixeira, 2000: 68).

Não poderia estar presente nesse arcabouço qualquer mudança na distribuição do investimento entre as atividades, uma vez que “a abordagem de von Neumann preserva ao longo do tempo as mesmas proporções, descartando a priori qualquer reflexão genuína sobre desproporções e mudanças estruturais” (Teixeira, 2000: 76). É justamente nas desproporções que buscaremos uma dinâmica própria para o investimento. Quanto às mudanças estruturais, é esse o tema central da obra de Pasinetti (1981, 1993), sobre a qual faremos agora breve digressão num

139 De acordo com o próprio autor, esse trabalho foi apresentado pela primeira vez num seminário em Princeton, em 1932, e publicado originalmente em alemão em 1938.

140 Um esquema fechado considera endógeno o vetor de demanda final, tratando-o de forma idêntica aos coeficientes tecnológicos de uma atividade qualquer, ao passo que um sistema aberto considera a demanda final exógena. Fazendo uma ligação com o primeiro capítulo, vale notar que Eichner (1985: 153) chega a afirmar que a “teoria pós-keynesiana da produção é baseada, no caso mais simples, em um sistema aberto de Leontief”. 141 “A força de trabalho é reproduzida dentro do próprio sistema, desde que os bens por ela requeridos estejam

disponíveis na forma de uma composição fixa que permita a subsistência dos trabalhadores. Por outro lado, von Neumann supõe que os capitalistas reinvestem todo excedente” (Teixeira, 2000: 69).

142 “A evolução dos sistemas econômicos modernos, especialmente desde o advento da revolução industrial, mostra que, ao longo do tempo, as mudanças permanentes nos níveis absolutos das magnitudes macroeconômicas básicas (tais como produto nacional bruto, consumo total, investimento total, emprego total, etc.) são invariavelmente associadas a mudanças em suas composições, isto é, à dinâmica de sua estrutura” (Pasinetti, 1993: 1, grifos no original); “e ainda, o modelo de von Neumann e os modelos de dinâmica proporcional em geral têm exercido uma espécie de fascinação contagiosa” (ibid: 7).

contexto comparativo com os modelos de crescimento balanceado143.

De saída, podemos recuperar a crítica de Pasinetti (1975: 81-82) aos sistemas fechados (na acepção de Leontief, com os coeficientes de consumo considerados endógenos), por estarem presentes nestes elementos comportamentais misturados a coeficientes técnicos de produção, tornando-os irrelevantes para finalidades práticas. Os coeficientes de consumo, considerados endógenos, refletem a razão entre a demanda final por bens de consumo produzidos por cada atividade com relação à produção total daquela atividade. Em suas próprias análises posteriores, com finalidades estritamente teóricas, Pasinetti explicita que apesar dos coeficientes técnicos e dos relativos à demanda por bens de consumo ocuparem uma posição simétrica em alguns sistemas, os primeiros são determinados tecnologicamente em cada setor enquanto os últimos traduzem conceitos macroeconômicos, que só existem como uma média para o sistema econômico como um todo (Pasinetti, 1981: 81n).

A preocupação de Pasinetti (1981, 1993) está em apontar as condições sob as quais uma trajetória de pleno emprego poderia ser estabelecida, abandonando o caso mais simples de crescimento proporcional entre os setores e considerando as mudanças estruturais ensejadas pelo progresso técnico. Em sua própria defesa quanto a mal-entendidos comuns, Pasinetti (1985: 247) esclarece que sua abordagem não assume por hipótese que uma economia sempre está em pleno emprego, mas trata das condições que um crescimento com pleno emprego continuado requereria144.

Se interpretarmos desse modo a obra de Pasinetti, facilmente entendemos que as alterações

exigidas nos coeficientes de consumo para uma dada taxa de progresso técnico (e com isso, uma

redução na razão entre número de trabalhadores e produção em cada setor), não são pensadas como movimentos dos coeficientes de consumo observados numa economia real, mas tão somente representam o que deveria ocorrer para manter-se o pleno emprego ao longo do tempo (ver, em especial, Pasinetti, 1993: 53). Assim, poderia se constituir exercício útil comparar a projeção teórica de Pasinetti acerca desses coeficientes de consumo com a tentativa de captá-los empiricamente através das SAM.

143 Estamos utilizando os termos equilibrado e balanceado, alternadamente, como sinônimos.

144 Ver também Forstater (2002) sobre esse ponto, especialmente sobre a questão do pleno emprego como meta e do instrumentalismo desta maneira implícito na obra de Pasinetti. O fato de que Pasinetti compartilha da ideia do instrumentalismo presente em Lowe, no sentido da estipulação dos resultados econômicos desejáveis e da consequente teorização acerca dos meios para atingi-los, é apontado por Forstater (2002: 205), que desenvolve um estudo detalhado sobre a análise instrumental deste último (Forstater, 1999). Podemos encontrar em Lowe (1976: 12-16) uma descrição da análise instrumental precedendo sua exposição de uma teoria do crescimento econômico.

Uma crítica mais direta de Pasinetti (1981: 118-123) aos modelos de crescimento proporcional145 caminha justamente na direção de apontar possíveis alterações nos coeficientes

(de trabalho e tecnológicos) refletindo o fenômeno do progresso técnico, negligenciado por tais modelos. Com alterações nos coeficientes técnicos de maneira descontínua, todos os elementos refletindo determinada estrutura teriam que ser datados, ou seja, considerados válidos por um determinado período de tempo em que se faz a análise (um período do investimento), como se tais coeficientes permanecessem constantes, e isso não escapa a Pasinetti (1973: 38). Com o progresso técnico, no entanto, tais coeficientes podem se alterar, e aqui podemos considerar livremente tais alterações sem desenvolver uma explicação para as mesmas (que é a tarefa de Pasinetti, 1981, 1993), de modo a encadear períodos relativos ao investimento sem a necessidade de supor que permanecem os mesmos eternamente, como é o caso dos modelos de crescimento equilibrado.

A partir de von Neumann, diversos foram os desenvolvimentos de uma linha de pesquisa que se desdobrou em várias manifestações do teorema da via expressa146 (turnpike), sendo que

tomar essa via expressa consiste precisamente em estabelecer uma dada proporção da produção que pode nos oferecer a taxa de crescimento balanceado máxima, sendo essa, não por coincidência, a proporção compatível com a trajetória de von Neumann. De outro modo, o “turnpike era para ser a trajetória mais rápida de crescimento balanceado do estoque de capital, o equilíbrio de von Neumann” (McKenzie, 1998: 2). Uma discussão um pouco mais aprofundada sobre o tema terá que ser postergada até a seção 3.6, a fim de que convencionemos um arcabouço básico de análise, a saber, o esquema insumo-produto, sobre o qual se erigiu uma das explicações para a via expressa. Alicerçaremos assim a ideia de que somente o investimento desbalanceado gera o tipo de induções aqui perseguidas, coisa que as explicações a partir de trajetórias balanceadas (para o investimento e para a produção, como veremos adiante) não pode nos fornecer, temática também retomada no apêndice a esse capítulo.