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PARTE III- PROPOSTA DE HARMONIZAÇÃO CONCEITUAL DO

1. Proposta científica de Planejamento Energético Urbano

Uma vez que as cidades são, cada vez mais, encorajadas a adotar medidas para reduzir as emissões de CO2 através da implementação de ações, estratégias e políticas de planejamento

energético, a municipalidade e seus habitantes precisam ganhar experiência e considerar a análise do SEU e das estratégias do planejamento energético no processo de planejamento urbano. Como em geral, o consumo de combustíveis fósseis nas cidades é uma das principais causas das alterações climáticas (WEBB; HAWKEY; TINGEY, 2016), existe um interesse crescente em aumentar o potencial de autossuficiência energética das cidades, promovendo a transição dos sistemas energéticos atuais para sistemas mais sustentáveis (COVENANT OF MAYORS, 2014). No entanto, pouco se sabe sobre SEU das atuais megacidades em relação às necessidades de demanda de energia urbana por setor e uso final. Da mesma forma, há falta de conhecimento sobre o perfil detalhado da oferta de energia das megacidades e, particularmente, sobre seu potencial de energia endógena. Nesta tese, os recursos energéticos endógenos referem-se aos recursos energéticos disponíveis dentro do perímetro da área urbana, o que inclui energia solar, eólica, biomassa, possibilidades hidrológicas locais, resíduos e também o calor residual industrial.

As demandas energéticas urbanas e as emissões de poluentes atmosféricos e GEE têm forte relação com os aspectos físicos, sociais, econômicos e ambientais das cidades (YAZDANIE; DENSING; WOKAUN, 2017). Daí que a literatura recente sobre o SEU advoga que as características sistêmicas do uso de energia urbana são mais importantes para alcançar a eficiência energética do que os hábitos individuais dos consumidores e/ou das características dos artefatos tecnológicos (GRUBLER et al., 2012).

A ascensão de cidades em todo o mundo aumentou a relevância do PEU, que destaca a interligação entre planejamento urbano e planejamento energético (RUPARATHNA et al.,

2017). O PEU e o SEU passam a ser, então, questão premente no debate internacional e na literatura científica; no entanto, ambas as áreas de conhecimento se referem à dificuldade de medir o impacto que cada atributo ou parâmetro57 urbano tem no sistema energético das cidades. Segundo Silva, Oliveira e Leal (2017) tal dificuldade pode estar associada a: i) complexidade de isolar os drivers de demanda energética da forma urbana dos demais parâmetros urbanos; ii) o fato de que existem muitas variáveis nas cidades a serem consideradas para a análise do sistema de energia urbano e o grau de interação entre cada uma delas ainda não está totalmente definido e compreendido; iii) alguns atributos urbanos conhecidos por suas propriedades de conservação de energia podem, em algumas ocasiões específicas, ter um efeito contrário ao esperado, ou ainda competir entre si. Por exemplo, a utilização do telhado de um edifício para produção de eletricidade fotovoltaica exclui seu uso para aquecimento solar de água ou para telhados verdes. Além disso, investir em prédios altos para acomodar mais pessoas (aumentar a sua densidade), ou aumentar as áreas verdes urbanas com árvores altas, pode impactar negativamente a irradiação solar que atinge os painéis solares; iv) não há muitos impactos medidos empiricamente quanto aos efeitos da implementação de estratégias de PEU. Existe um amplo conjunto de parâmetros urbanos com relevância para conservação de energia (TORABI MOGHADAM et al., 2017), tais como a forma urbana e a infraestrutura de mobilidade. A maior parte da literatura científica atual que aborda PEU e SEU concentra-se em apenas alguns componentes, como setores econômicos específicos das cidades (residencial, industrial ou de transportes) ou serviços específicos de uso final energia (aquecimento, cocção, entre outros), ou mesmo tecnologias específicas de energia para uso final (como as smart-grid e os veículos elétricos, por exemplo). Além disso, os potenciais trade-offs entre os diferentes parâmetros de forma urbana e seu impacto no consumo de energia ainda não foram devidamente explorados (SILVA; OLIVEIRA; LEAL, 2017).

A bibliografia especializada em SEU sugere, no geral, soluções setoriais (preferencialmente na mobilidade urbana e nos edifícios) voltadas para a demanda, com ênfase na substituição tecnológica, incluindo também o retrofit de edificações (ex: G. SIMOES et al., 2018). Esses trabalhos também se preocupam com a inserção e o fomento da geração local através das fontes RES58. Apesar de a maioria dos estudos enfatizar a relação de dependência

57 Na próxima seção, será explicado com mais detalhes o que são paramentos e atributos urbanos, e sua relação

com o PEU.

58 Como é o caso dos seguintes estudos: ADAM, K. et al. Methodologies for city-scale assessment of renewable

entre sistemas urbanos e sistemas de energia (BROWNSWORD et al., 2005; PENG et al., 2015a; ZHENG et al., 2017), nem todos os fatores que influenciam essa relação são abordados simultaneamente, ou mesmo totalmente considerados; a inter-relação entre PU, PE e suas sinergias ainda não foram quantificadas.

O presente trabalho desenvolveu uma Matriz de soluções integradas de estratégias do Planejamento Energético e do Planejamento Urbano para modelação e quantificação dos impactos da adoção do PEU, a partir da proposta de harmonização conceitual de PEU apresentada da Parte III dessa tese. Tal framework (a matriz proposta) busca atingir objetivos de SEU mais sustentável, uma vez que as estratégias foram pensadas e selecionadas de forma a não diminuir a qualidade de vida dos habitantes, buscando promover economia de energia e aumento da geração de energia de forma endógena, o que leva a menores emissões de GEE e poluentes. A matriz foi testada a partir de um estudo de caso cujo objeto é a cidade de São Paulo, no período que vai de 2014 a 2030. Foram selecionadas vinte e nove estratégias do PU e do PE, aplicadas à megacidade de São Paulo (Brasil) para avaliar seu impacto em economia de energia, redução de emissão de GEE e aumento da geração local de energia. Para tanto, recorreu-se ao modelo LEAP (HEAPS, 2006), modelo híbrido de simulação e otimização, para caracterizar o atual (e também futuro) sistema energético e urbano da cidade, além de modelar a aplicação da Matriz e seus impactos no SEU da cidade.

São variadas as publicações científicas que mencionam a importância de usar ferramentas de modelagem para analisar o SEU (SAMSATLI; SAMSATLI, 2018). Há um número crescente de trabalhos que aplicam modelos de otimização de energia na escala das cidades (FARZANEH; DOLL; PUPPIM DE OLIVEIRA, 2016; GARGIULO et al., 2017). No entanto, existem poucos estudos que utilizam modelos de simulação no âmbito das cidades, alguns dos quais fazem uso do modelo LEAP. Peng et al. (2015a) utilizou o LEAP para estudar o transporte urbano de passageiros em Tianjin. Assim, pôde calcular a quantidade de energia e potencial de redução de emissões para a cidade. Já Yang et al. (2017) e Zhang; Feng; Chen, (2011) analisaram as implicações das políticas de baixo carbono para cidades na China (Ningbo e Pequim, respectivamente); finalmente, Phdungsilp (2010) utilizou o software para visualizar o impacto de políticas de baixo carbono para a cidade de Bangkok na Tailândia.

AMADO, M.; POGGI, F. Solar energy integration in urban planning: GUUD model. Energy Procedia, v. 50, p. 277–284, 2014.

Esta tese propõe um passo adiante dentro do uso vigente do LEAP, modelando, explicitamente, estratégias do PE e do PU para todo o sistema urbano da megacidade de São Paulo (todos os setores, e não apenas edifícios ou transportes). A literatura existente tem modelado apenas estratégias de PE no software. Alguns exemplos de trabalho consideram apenas as estratégias do PE, mirando alguns usos finais específicos, tais como a quantificação da necessidade de demanda de calor para cidades (QUIQUEREZ et al., 2017) e as demanda de energia para conforto térmico em edifícios (MUTANI et al., 2016) e de iluminação em edifícios (ZHENG et al., 2017). Outros possuem um interesse ainda mais restrito, olhando para o potencial específico de desempenho tecnológico e para a economia de energia, como é o caso de estudos que se concentram em torno das redes inteligentes (HATI; DEY; DE, 2017), ou dos prédios autossuficientes em eletricidade (net-zero energy buildings) (AKSAMIJA, 2015), ou ainda dos veículos elétricos (HOMCHAUDHURI; LIN; PISU, 2016). Alternativamente, existe um corpo menor de trabalhos que se concentram em medir o impacto da implementação de diferentes estratégias de PU na diminuição da necessidade de energia e de emissões, como em Gunawardena; Wells; Kershaw (2017) e Sharp et al. (2014).

A maior parte da literatura científica que avança para integração de PE e PU realiza análises para poucos setores econômicos da cidade, como, por exemplo, o de transporte (COSTA et al., 2017) e o de edifícios (VOULIS; WARNIER; BRAZIER, 2017; YANG; LI; AUGENBROE, 2018). Outras bibliografias propõem métodos de PEU holísticos, mas o aplicam em escalas menores do que o da cidade, como é o caso de Marins e Roméro (2012), que apresentam metodologia de integração de estratégias e soluções em morfologia e mobilidade urbanas, edifícios, energia e meio ambiente para o planejamento de novos bairros (ou bairros em requalificação).

Dessa forma, a presente tese propõe quantificar o efeito individual e combinado de cada estratégia de planejamento urbano e do planejamento energético para a cidade como um todo, visando avaliar as sinergias e os impactos na demanda futura de energia final da cidade, na diminuição das emissões de GEE e no aumento da geração de energia utilizando fontes locais e RES. Outros autores consideraram essa abordagem integrada, mas apenas de maneira teórica (ou seja, LEDUC; VAN KANN, 2013). A análise quantitativa e holística proposta pela presente pesquisa nunca foi feita e/ou aplicada para megacidades.

A adoção do modelo de simulação como método de quantificação, assim como a proposição do framework, na fase de desenvolvimento do estudo de caso, parte da premissa de

que é necessário, em primeira instância, formalizar e sistematizar o conhecimento especializado disperso sobre os sistemas de energia no âmbito urbano.

Nesse sentido, esta pesquisa concorda com Pfenninger; Hawkes; Keirstead (2014) quando os autores afirmam que o desenvolvimento dos modelos de sistemas de energia, juntamente com a possibilidade de criação de cenários para a evolução futura, tem grande importância na promoção do conhecimento sobre o setor energético. A importância dos modelos de sistemas reside no processo de formalização do conhecimento disperso sobre as interações complexas do setor de energia, e é um modo estruturado de pensar as possíveis implicações decorrentes de mudanças de partes desse sistema.

2. Matriz de soluções integradas de estratégias do Planejamento Energético e