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3 PENSANDO O CAMPO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS EM SUA

3.3 PROPOSTA DE ANÁLISE DOS MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS

Os Movimentos Sociais Urbanos traduzem as disputas, contestações e insatisfações decorrentes das contradições no espaço citadino urbano.

Assim, segundo Castells “[...] urbano designaria então uma forma especial de ocupação do espaço por uma população (1983, p. 40)”. Portanto, qualquer questão ligada à problemática urbana deve considerar a formação deste espaço, uma vez que, conforme este autor, o processo de urbanização é a materialização, no espaço, da dinâmica do modo de produção capitalista. Pois,

[...] o desenvolvimento do capitalismo industrial, ao contrário de uma visão ingênua muito difundida, não provocou o reforço da cidade e sim o seu

quase desaparecimento enquanto sistema institucional e social

relativamente autônomo, organizado em torno de objetivos específicos. Com efeito, a constituição da mercadoria enquanto engrenagem de base do sistema econômico, a divisão técnica e social do trabalho, a diversificação dos interesses econômicos e sociais sobre um espaço mais vasto, a homogeneização do sistema institucional, ocasionam a irrupção da conjunção de uma forma espacial, a cidade, e da esfera de domínio social de uma classe específica, a burguesia (CASTELLS, 1983, p. 45).

Portanto, à medida que o modo de produção capitalista vai se desenvolvendo, concomitantemente vai se configurando um espaço diferente do que se tinha e, consequentemente, modos de sociabilidade diferentes.

É assim que, conforme Lefebvre (1999), ao falar de produção, Marx se refere a um processo que deve ser compreendido em sua acepção mais ampla, significando

[...] produção de coisas (produtos) e de obras, de idéias e de ideologias, de consciência e de conhecimento, de ilusões e de verdades. [...] [Portanto,] quem diz “produção” diz também “reprodução”, ao mesmo tempo, física e social: reprodução da vida (LEFEBVRE, 1999, p. 37-38).

69De antemão queremos clarear ao leitor que se trata de uma opção metodológica frente às diferentes interpretações sobre os movimentos sociais.

Partindo de uma análise dos textos de Marx e Engels, Lefebvre (1999), mostra que a separação entre cidade e campo é produto da divisão social do trabalho. Segundo este autor, a Revolução Industrial é a propulsora das grandes cidades industriais. Conforme Castells (1983), o fenômeno de industrialização, acarreta a urbanização, e consequentemente, o processo migratório, devido à decomposição das estruturas rurais. Segundo este autor,

[...] a noção ideológica de urbanização refere-se ao processo pelo qual uma proporção significativamente importante da população de uma sociedade concentra-se sobre um certo espaço, onde se constituem aglomerados funcional e socialmente interdependentes do ponto de vista interno, e numa relação de articulação hierarquizada (rede urbana) (CASTELLS,1983, p. 47).

Conforme Lefebvre (1999, p. 11), Engels ao analisar a situação da classe operária demonstra que no capitalismo há uma “[...] dupla tendência centralizadora [...]”, qual seja, “[...] a concentração da população acompanha a do capital”. Desta feita a instalação de uma indústria, em um espaço, atrai a classe trabalhadora, que segue em busca de emprego. Por sua vez, a aglomeração desta nas proximidades da grande indústria atrai novas indústrias, que visam a “usar” a força de trabalho.

Na análise do autor, os elementos da produção capitalista passam a estar em um mesmo espaço, neste caso na cidade. “[...] Ali se reúnem todos os elementos da indústria: os trabalhadores, as vias de comunicação (canais, estradas de ferro, estradas), os transportes de matérias-primas, as máquinas e técnicas, o mercado e a bolsa (LEFEBVRE, 1999, p. 12)”.

Em concordância com este autor, Silva (2010) mostra que a partir da revolução industrial, a cidade passou a ser considerada um espaço privilegiado para a reprodução do capital, ou seja, para produção, distribuição e consumo da riqueza social, tornando-se o Estado o principal agente de legitimação e criação de condições necessárias para o seu desenvolvimento, como vias de transporte, meios de comunicação, meios de circulação, sistema de crédito, equipamentos e serviços de caráter coletivo para garantir a reprodução da força de trabalho.

Silva (2010) demonstra que a ação do Estado, na criação da infraestrutura, visando à instalação do capital, influi na dinâmica do espaço, tanto na questão paisagística, quanto na configuração arquitetônica. A autora conclui que a formação das cidades capitalistas é produto do processo que envolve a concentração dos meios de produção no espaço e a aglomeração de pessoas no entorno das indústrias, formando bairros, pequenas cidades e grandes centros urbanos.

Para Lefebvre (1999), a cidade capitalista traz três elementos fundamentais: no plano econômico, a indústria; no plano social, a propriedade privada; e, no plano político, o Estado. Desta forma, as características da cidade capitalista em relação ao campo observadas por Marx, segundo Lefebvre (1999), apontam que a cidade funciona como espaço de concentração dos meios para a produção (em sentido amplo), enquanto que o campo leva à dispersão e ao isolamento. Além disso, conforme o autor, cabe à cidade, as funções de administração e comando, o que acaba acirrando a divisão da população em classe.

Lojkine (1997, p. 146) considera que a cidade capitalista apresenta duas características que a diferencia das cidades de períodos anteriores, quais sejam: o aumento da concentração dos meios de consumo coletivo e a forma de aglomeração dos meios de produção, tanto do capital quanto da força de trabalho.

Desta feita, Lojkine (1997, p. 176), afirma que a concentração da população em um território restrito não se trata de um fato demográfico, definindo “[...] a cidade capitalista como produto de uma dupla socialização: a das condições gerais da produção e a do espaço [...]”, sendo a aglomeração urbana o reflexo desse processo.

Assim, a cidade representa “[...] a aglomeração da população, dos instrumentos de produção, do capital, dos prazeres e das necessidades [...] (LOJKINE, 1997, p. 159)”, estando sua dinâmica ligada à própria lógica de acumulação capitalista, uma vez que, a urbanização aparece como componente essencial na busca do capital em aumentar sua produtividade, procurando assim, socializar as condições gerais da produção.

Na análise de Lojkine,

[...] o que explica a aparente autonomia dos fenômenos urbanos é o fato deles pertencerem à divisão do trabalho na sociedade e não à divisão do trabalho na unidade da produção: ora a divisão “social” do trabalho – cuja separação cidade-campo é a base fundamental – pertence às formações

econômicas das mais diversas sociedades e não, como a divisão “manufatureira” ou a fábrica, apenas à formação capitalista [LOJKINE, 1997,

p. 159, grifos do autor).

Assim, vemos que as considerações feitas por este autor aprofundam a análise da questão urbana, na medida em que demonstram que a relação dialética cidade- campo – em que a cidade aparece como espaço de concentração enquanto o campo aparece como isolamento da “[...] população, dos instrumentos de produção, do capital, dos prazeres e das necessidades [...] (LOJKINE, 1997, p. 164)” – é concretizada atualmente pela segregação espacial entre os grandes centros urbanos, que concentram as funções de comando e o trabalho intelectual, e as periferias, que concentram as atividades de execução e a força de trabalho empobrecida.

Nesse sentido, Lojkine considera o urbano como um espaço decisivo na luta de classe, sendo um desafio fundamental desvendar a contradição que se esconde atrás do “[...] problema da distribuição social e espacial desigual dos meios de consumo coletivos (1997, p. 165)”.

Assim, segundo Silva (2010), seguindo a lógica do sistema capitalista, o espaço urbano também passa por clivagens, constituindo áreas nobres e áreas periféricas, que nada mais são do que a expressão concreta da segmentação da sociedade capitalista, que ao impor sua lógica no espaço citadino acarreta a segregação socioespacial, que segundo esta autora é:

O fenômeno social [...] resultante do processo de relações sociais capitalistas, decorrentes do antagonismo de interesses do capital e do trabalho, que origina as desigualdades sociais, dificultando ou mesmo impedindo o acesso de extensos segmentos sociais ao usufruto da riqueza social (SILVA, 2005, p. 87).

Portanto, como mostra Silva (2010, p. 87), a cidade moderna é portadora de uma contradição inerente ao capitalismo, qual seja, por um lado cria condições para sua

expansão e reprodução do capital e por outro cria condições para a reprodução da força de trabalho, sendo o Estado fundamental nesta empreitada.

Conforme Lojkine (1997), a compreensão do papel do Estado na urbanização capitalista, partindo de uma compreensão em que a intervenção estatal aparece como contratendência do modo de produção capitalista, a fim de atenuar os efeitos negativos acarretados pelo seu desenvolvimento, é insuficiente para a compreensão das políticas urbanas capitalistas, uma vez que não evidencia o caráter contraditório do desenvolvimento das condições gerais da produção.

[...] A socialização estatal da reprodução da força de trabalho, bem como da reprodução dos meios de comunicação e de aglomeração espacial, conservará, pois, as taras da relação capitalista. Longe de suprimir a contradição entre os meios de reprodução do capital e meios de reprodução da força de trabalho, a política urbana vai exarcebá-la, tornando-se um instrumento de seleção e de dissociação sistemática dos diferentes tipos de equipamento urbano, de acordo com o seu grau de rentabilidade e de utilidade imediata para o capital (LOJKINE, 1997, p. 193).

Para Lojkine (1997), o conceito marxiano de condições gerais da produção é central para a compreensão da urbanização, compreendida como as condições necessárias ao desenvolvimento do modo de produção capitalista, sendo considerados por Marx, os meios de transporte e comunicação (ou meios de circulação), e - ampliada por Lojikine - para os meios de consumo coletivo e outros meios necessários para a produção e reprodução social do capital e também da força de trabalho.

Assim, segundo o autor, o Estado enquanto principal “[...] agente da socialização espacial das relações de produção (LOJKINE, 1997, p. 113)”, responsável por distribuir social e espacialmente os equipamentos urbanos, refletirá as lutas de classe e as contradições acarretadas “[...] pela segregação social dos valores de uso urbano (LOJKINE, 1997, p. 193)”.

Para o autor, a interpretação da política urbana no sistema capitalista deve levar em conta o seu estágio monopolista, pois este acarreta um movimento cada vez maior de monopolização e proletarização, de forma que a fragmentação no interior das classes sociais aponta para o predomínio de uma pequena fração monopolista sobre as demais frações da classe capitalista e do proletariado. Considerando essas

fragmentações, Lojkine (1997) afirma que a análise da política urbana não deve reduzir-se apenas à contradição capital e trabalho, mas deve considerar também as contradições de interesses dos grupos monopolistas e os grupos do pequeno e médio capital, interesses esses cada vez mais distantes.

Feitas essas considerações sobre a questão urbana e o papel do Estado e a fragmentação das classes sociais no estágio monopolista, Lojkine considera que

[...] a partir do momento em que a cooperação das forças produtivas humanas e materiais não se limita mais à unidade física da fábrica, mas atinge, através da “empresa conjugada” do grupo monopolista, o conjunto de um território nacional, e depois, dos conjuntos multinacionais, não se pode mais separar a concentração dos homens e a das máquinas, os lugares de reprodução da sua força de trabalho e os lugares da acumulação do capital (LOJKINE, 1997, p. 343).

É nesse sentido que o autor afirma o urbano como um dos espaços decisivos da luta de classes e o “Político” como “[...] o lugar onde se efetua a transição de um modo de produção para outro, o lugar onde a luta de classes é levada ‘até o fim’ (LOJKINE, 1997, p. 313)”. De forma que para o autor,

[...] um movimento social caracteriza-se primeiramente pela capacidade de um conjunto de agentes das classes dominadas diferenciar-se dos papéis e funções através dos quais a classe (ou fração de classe) dominante garante a subordinação e dependência dessas classes dominadas com relação ao sistema sócio-econômico em vigor (LOJKINE 1997, p. 315).

Assim, conforme este autor, o movimento social analisado de forma mais profunda será definido por sua capacidade de transformação social. É por isso que para Lojkine (1997) a análise dos movimentos sociais urbanos deve considerar a articulação com o movimento operário, em suas formas de organização tradicional, sindicato e partido político, sendo que esta articulação poderá levar o movimento social urbano à possibilidade de luta hegemônica.

Diante do exposto, a análise dos movimentos sociais urbanos deve considerar as particularidades de formação do tecido urbano, já que esta ocorreu de maneira diversificada nas economias centrais e nos países dependentes, devido à posição

que estes ocupam na divisão internacional do trabalho70. Desta maneira, Castells

(1983, p. 106) afirma que

[...] a urbanização na América Latina não é a expressão de um processo de “modernização”, mas a manifestação, a nível das relações sócio-espaciais, da acentuação das contradições sociais inerentes a seu modo de desenvolvimento – desenvolvimento determinado por uma dependência específica no interior do sistema capitalista mundial (CASTELLS, 1983, p. 106).

Assim, os movimentos sociais urbanos, são considerados para muitos autores, como por exemplo, Pereira “[...] como surgimento, ou ressurgimento, de movimentos reivindicatórios urbanos conduzidos através de formas associativas vinculadas ao local de moradia: bairros operários, vilas e favelas (2001, p. 88)”. Oriundos, conforme o autor, da escassez de serviços, de condições precárias de reprodução e deteriorização do padrão de vida.

Devido às particularidades brasileiras, para outros autores, a mesma ideia aparece vinculada ao adjetivo popular, como é o caso de Gohn (2007, p. 7) que aponta que os movimentos populares urbanos são “[...] reivindicatórios de bens e equipamentos coletivos de consumo e questões ao redor da moradia, usualmente articulados territorialmente ao nível do bairro ou de uma região”.

Para Souza (2004, p. 102, grifos da autora), “Movimento Popular Urbano é o esforço

coletivo e organizado da população pobre na tentativa de solucionar a seu favor as contradições engendradas pelo desenvolvimento urbano capitalista”. Neste sentido,

esta autora aponta que as principais frentes de luta seriam: moradia, transporte, energia elétrica, água, creche, dentre outras ligadas ao consumo coletivo.

Para fins de nossa análise quando nos referirmos ao conceito “movimento social urbano”, com base em Lojkine (1997), estaremos nos reportando às lutas das classes dominadas contra o domínio de uma fração monopolista sobre o solo urbano e os equipamentos e serviços de consumo coletivos, elementos essenciais para a reprodução adequada da força de trabalho. E quando usarmos o adjetivo popular estaremos nos referindo a estas práticas organizativas, empreendidas em bairros

considerados periféricos, ocupados por segmentos empobrecidos da classe trabalhadora.

Em nossa análise, a formação do urbano é produto do processo de desenvolvimento imposto pela ordem capitalista, tornando-se palco privilegiado para as manifestações da questão social, que variam e se acirram quanto mais o capitalismo se desenvolve71. Como bem analisa Iamamoto,

[...] a questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho –, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. É indissociável da emergência do “trabalhador livre”, que depende da venda de sua força de trabalho com [sic] meio de satisfação de suas necessidades vitais. A questão social expressa portanto disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa as relações entre amplos segmentos da sociedade civil e o poder estatal (IAMAMOTO, 2001, p. 17).

Assim, compreendemos que os movimentos populares urbanos trazem à tona antagonismos da sociedade capitalista, podendo se tornar um forte instrumento de contestação da ordem estabelecida, quando articulados com outros movimentos sociais da classe trabalhadora.

Consideramos que mesmo quando limitados a uma consciência voltada para a cidadania ou reivindicativa, os movimentos sociais urbanos são importantes, principalmente se olharmos a maneira peculiar das economias dependentes, onde a força de trabalho é superexplorada (MARINI, 2000), e ainda a forma particular de como se deu o processo de formação social e a configuração do Estado brasileiro, pautados em uma profunda desigualdade social.

Essa importância se reafirma no momento atual, em que, segundo Iamamoto (2001) aparecem quatro novas mediações que influem diretamente na produção da questão social e, consequentemente na luta de classe. 1) O estágio financeirizado do

71Para se ter uma visão geral do debate sobre a questão social sugerimos a leitura do artigo:

IAMAMOTO, Marilda Villela. A questão social no capitalismo. Temporalis, Brasília: Abepss, ano 2, n. 3, p. 9-32, jan./ jun. 2001.

capitalismo. 2) A flexibilidade produtiva. 3) Os ajustes neoliberais. 4) As novas formas de sociabilidade influenciada pela lógica do mercado.

No que tange ao estágio monopolizado Iamamoto (2001), pautada nas análises de Salamá, mostra que a financeirização do capitalismo acarreta uma maior concentração da renda e, consequentemente, do aumento da pobreza. Os efeitos sobre os países periféricos são ainda mais devastadores, visto que, a orientação dos organismos multilaterais aponta para abertura econômica, que além de acarretar o fechamento de empresas nacionais, favorece a elevação da taxa de juros, o que faz com que estes países fiquem vulneráveis ao ingresso de capitais especulativos. Além disso, as exigências sobre estes países de pagamento de taxas cada vez mais elevadas com os serviços da dívida acarreta esvaziamento das políticas sociais, uma vez que os recursos que deveriam ser destinados para implementação das mesmas, acaba sendo desviado para amortecimento da dívida72.

Quanto à flexibilidade na produção, Iamamoto (2001), afirma ser esta uma tendência no padrão de acumulação. Como mostra a “acumulação flexível” é uma resposta do capital para diminuir os custos da produção e, consequentemente, elevar a taxa de lucro, os efeitos disso sobre o trabalho materializam-se na redução de postos de trabalho e na precarização das condições de trabalho. Além disso, afeta duramente a capacidade de organização dos trabalhadores, devido às altas taxas de desemprego e fragmentação da classe.

Já a ofensiva neoliberal, segundo Iamamoto (2001) gera mudanças nas relações entre o Estado e a sociedade civil, uma vez que o Estado reduz sua atuação ante à questão social, acarretando um processo de restrição dos direitos sociais e culpabilização dos pobres, que constituem amplos segmentos da classe trabalhadora brasileira. Conforme a autora,

72No Brasil, este processo tem provocado efeitos negativos na seguridade social, de onde 20% dos recursos têm sido desviados para pagamento de serviços da dívida (BOSCHETTI; SALVADOR, 2006).

A resultante é um amplo processo de privatização da coisa pública: um Estado cada vez mais submetido aos interesses econômicos e políticos dominantes no cenário internacional e nacional, renunciando a dimensões importantes da soberania internacional e nacional, renunciando a dimensões importantes da soberania da nação, em nome dos interesses do grande capital financeiro e de honrar os compromissos morais da dívida interna e externa (IAMAMOTO, 2001, p. 20).

Por fim, Iamamoto (2001) mostra que os três processos têm rebatimentos não só na economia e na política, mas também nas “[...] formas de sociabilidade [...]”, em que cada vez mais o mercado vem sendo tomado como “[...] eixo regulador da vida social”. Os efeitos dessa lógica pautada em valores pragmáticos, produtivistas e competitivos são concretizados na cultura, na subjetividade e na sociabilidade, marcadas pelo individualismo e naturalização desta sociedade.

Diante das questões levantadas, faremos, a seguir, uma breve contextualização histórica do processo de urbanização brasileira, de onde procuraremos demonstrar as contradições que levaram à formação de movimentos sociais urbanos no país, mais precisamente, os populares, procurando destacar a importância da educação popular para a unificação das lutas que culminou no regime democrático.

Nesta trajetória buscaremos situar o processo histórico de formação da Grande São Pedro (nosso lócus de estudo) associado à conjuntura global, pois consideramos que, numa perspectiva de totalidade, a configuração desta região é resultado do lugar ocupado pelo Brasil na divisão internacional do trabalho, à medida em que o processo de urbanização deste espaço está vinculado ao fenômeno de industrialização e urbanização brasileiro.

Com isso, objetivamos compreender o cenário brasileiro no campo dos movimentos sociais populares urbanos, apreendendo as tendências e como estes se configuram na região da Grande São Pedro.

3.4 A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA E A EMERGÊNCIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS

O ano de 1929 é um marco na história, data em que se desencadeou a primeira grande crise73 do sistema capitalista, vindo a comprovar a teoria marxista, no que

tange aos ciclos do Capitalismo74, de forma que os anos subsequentes

caracterizaram-se pela voracidade do Capital em recuperar sua expansão (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

Situado neste contexto, o Brasil apresentou os reflexos da crise diretamente no setor agroexportador, desencadeando internamente a Crise do Café. A partir desse momento dá-se início ao processo de industrialização e urbanização no país (LOPEZ, 1980), no Governo de Getúlio Vargas. Conforme Siqueira (2010) a partir dos anos de 1930 a mudança na estrutura produtiva provocou alterações nos padrões de desenvolvimento brasileiro.

Os reflexos desse processo na construção da cidadania foram notórios. Segundo Carvalho,

[...] o ano de 1930 foi um divisor de águas na história do país. A partir dessa data, houve aceleração das mudanças sociais e políticas, a história começou a andar mais rápido. No campo que aqui nos interessa [a construção da cidadania], a mudança mais espetacular verificou-se no