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Como discutimos na seção 2.1, Bakhtin/Volochinov (1999) propõem uma ordem metodológica para o estudo da língua, a qual foi adaptada por diversos pesquisadores para o contexto de ensino e aprendizagem de línguas. Segundo Rojo (2005, p. 199),

aqueles que adotam a perspectiva dos gêneros do discurso partirão sempre de uma análise em detalhe dos aspectos sócio-históricos da situação enunciativa, privilegiando sobretudo, a vontade enunciativa do locutor – isto é, sua finalidade, mas também e principalmente sua apreciação valorativa sobre seu(s) interlocutores) e tema(s) –, e, a partir desta análise, buscarão as marcas linguísticas (formas do texto/enunciado e da língua – composição e estilo) que refletem, no enunciado/texto, esses aspectos da situação. (grifos da autora)

Logo, o ensino e a aprendizagem das práticas de linguagem, a partir dos gêneros discursivos, pautados na teoria bakhtiniana, precisam iniciar pela análise de seu contexto de produção, para, depois, investigar seu conteúdo temático, construção composicional e estilo verbal. Dessa maneira, para a concretização de ações pedagógicas coerentes com esses pressupostos, é necessário pensar possibilidades metodológicas de como efetivar o trabalho com os gêneros discursivos nas aulas de língua materna.

Dolz, Noverraz e Scheneuwly (2004) propõem o procedimento Sequência Didática (SD) e esclarecem que se trata de “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHENEUWLY, 2004, p. 97). A SD tem por finalidade auxiliar o aluno a se apropriar, gradualmente, das características linguísticas e discursivas de determinado gênero, de forma que esses conhecimentos o auxilie na adequação de sua fala ou escrita em uma dada situação de interação verbal.

Nessa perspectiva, os autores sugerem que o trabalho seja organizado a partir de uma estrutura base. Assim, o desenvolvimento da SD deve ser iniciado com a apresentação da situação, que visa despertar o interesse do aluno para a produção do gênero selecionado. Em seguida, os discentes elaboram a produção inicial, a qual permite ao professor avaliar os conhecimentos que a turma já possui sobre o gênero e quais não possuem. A partir disso, o professor pode ajustar as

atividades que serão trabalhadas nos módulos, procurando adequá-las às necessidades da turma. Posteriormente, são desenvolvidos os módulos. Nessa etapa, as dificuldades apresentadas na produção inicial precisam ser abordadas de modo sistemático e aprofundado. O trabalho é concluído com produção final, durante a qual, a turma coloca em prática os conhecimentos adquiridos.

Numa perspectiva da Pedadogia Histórico-Crítica, Gasparin (2002) apresenta a possibilidade de uma elaboração didática denominada de Plano de Trabalho Docente (PTD). O autor fundamenta sua concepção metodológica na teoria dialética do conhecimento e enfatiza que “a nova metodologia de ensino-aprendizagem expressa a totalidade do processo pedagógico, dando-lhe centro e direção na construção e reconstrução do conhecimento” (GASPARIN, 2002, p. 5). Assim, para a produção e desenvolvimento de um PTD, é necessário analisar o contexto em que professor e alunos estão inseridos, verificando de quais práticas sociais eles participam. Essas informações permitirão que ajam conscientemente em busca de conhecimentos teóricos que permitam a reflexão sobre suas práticas cotidianas.

Ressaltamos que a proposta metodológica elaborada por Gasparin (2002) não está voltada especificamente para o ensino e aprendizagem de língua, no entanto, seus princípios teóricos autorizam adaptá-la para esse ensino, o qual possui os gêneros discursivos como eixo de articulação e progressão curricular, como propõe Perfeito (2012).

Lopes-Rossi (2008), pautada em suas experiências como formadora e capacitadora de professores, esclarece que embora haja, por parte dos discentes, interesse em realizar um trabalho com os gêneros discursivos, faltam-lhes embasamento teórico e exemplos de como desenvolvê-lo na prática. Ao refletir sobre isso, apresenta, como exemplo prático, uma proposta metodológica, a qual denomina de Projeto pedagógico para leitura e produção de gêneros discursivos na escola.

Para a autora, por meio dessa metodologia, é possível proporcionar aos alunos a leitura de diversos gêneros, a discussão sobre o uso e as suas funções sociais. Além disso, ressalta que, quando favorável, é viável que os alunos realizem a produção escrita e a circulação social desses gêneros. Nesse sentido, o desenvolvimento de projetos pedagógicos possibilita aos alunos a apropriação “de características discursivas e linguísticas de diversos gêneros, em situações de comunicação real” (LOPES-ROSSI, 2008, p. 62)

Ao planejarmos ações pedagógicas, com o gênero notícia, que fossem coerentes com os pressupostos teóricos que fundamentam essa pesquisa e, também, com seus objetivos, optamos pela a proposta metodológica tal como pensada por Lopes-Rossi (2008), sobre a qual passamos a discorrer.

A proposta metodológica desenvolvida pela pesquisadora se estrutura em três módulos didáticos, nesta sequência: 1) Leitura para a apropriação das características típicas do gênero; 2) Produção escrita do gênero de acordo com suas condições de produção típicas; 3) Divulgação ao público, de acordo com a forma típica de circulação do gênero.

Os módulos possuem seus objetivos específicos e são constituídos por sequências de atividades didáticas. O primeiro módulo é composto por uma série de atividades de leitura orais e escritas, a partir de vários enunciados concretos do gênero discursivo selecionado. As atividades devem ser elaboradas e propostas com o objetivo dos alunos explorarem as condições de produção e circulação, a temática e a construção composicional do gênero e, assim, desenvolvam suas habilidades de leitura e se preparem para a produção escrita dele.

No segundo módulo, a sequência de atividades didáticas é promovida com objetivo dos alunos realizarem uma produção escrita de um enunciado concreto do gênero discursivo escolhido. Assim, as atividades devem consistir, primeiramente, na definição de um tema presumido pelos alunos como de interesse para o público- alvo, seguida da elaboração de um esboço geral para orientar a produção escrita do gênero; da obtenção de informações que fundamentarão suas produções de acordo como o gênero é produzido na sociedade; da produção de, no mínimo, duas versões do texto, acompanhadas de revisões colaborativas e correções; concluindo com a versão final do texto.

No terceiro módulo, os envolvidos no projeto precisam tomar uma série de providências para que seja realizada a divulgação das produções escritas dos discentes fora da sala de aula e até mesmo fora da instituição. A autora ressalta que, essas ações precisam ser planejadas de acordo com as peculiaridades de cada evento de divulgação.

Lopes Rossi (2008) sintetiza as etapas de desenvolvimento da proposta metodológica em um esquema, conforme figura a seguir:

Figura 1: Esquema do Projeto pedagógico para leitura e produção de gêneros discursivos na escola, de Lopes-Rossi (2008)

Fonte: (LOPES-ROSSI, 2008, p.63)

Esse esquema representa a proposta metodológica, na íntegra, com todos os módulos didáticos, englobando a leitura de enunciados concretos de determinado gênero, a produção escrita do gênero e a divulgação ao público das produções dos alunos.

Segundo Lopes-Rossi (2008), a proposta pode ser adaptada pelo professor, de acordo com as necessidades da turma. Em determinado momento, o docente pode priorizar o trabalho com a leitura e fazer a adaptação, apenas, do primeiro módulo, pois a leitura de gêneros discursivos nem sempre demanda a produção escrita deles. Entretanto, caso proponha a produção textual, o projeto integrará o primeiro e o segundo módulo, pois a produção escrita “pressupõe sempre atividades de leitura para que os alunos se apropriem das características discursivas dos gêneros que produzirão” (LOPES-ROSSI, 2008, p. 63). Além disso, a estudiosa alerta para o fato de que nem todos os gêneros são adequados para a produção escrita na escola, devido ser difícil reproduzir a dimensão social (contexto de produção e circulação) de alguns deles em sala de aula.

Por ser flexível, essa proposta possibilita a elaboração e implementação de projetos didáticos com variados gêneros discursivos, desenvolvendo as práticas de linguagem de forma apropriada e relevante. Além disso, pode ser utilizada em projetos amplos ou mais específicos.

Dessa maneira, considerando que o foco de nossa pesquisa consiste em refletir sobre os níveis de compreensão leitora dos alunos, produzimos um projeto pedagógico com o gênero discursivo notícia, a partir da adaptação do módulo de leitura da proposta metodológica desenvolvida por Lopes-Rossi (2008).

Exposta a discussão sobre as propostas metodológicas para o emprego dos gêneros discursivos em sala de aula, discorremos, na próxima subseção, sobre a configuração social e estrutural do gênero discursivo notícia.