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5. Sociedade

6.5 Propriedades do concelho

Quanto às propriedades concelhias, verificamos, pelo pagamento de foros à Câmara entre os anos 1711 e 1743, predominarem pequenas parcelas de terreno que rondavam os 0,5- 2 alqueires, cujo valor raramente excede os 20 a 80 reis. Excetuando alguns casos como o do Capitão Manuel Teixeira (?), morador nas Velas, que aforava 36 alqueires de terra de pasto no Pico Verde, no Norte, pagando 400 reis, e o Sargento Lazaro Nunes, morador nas Manadas, aforador de 27 alqueires de terras de pasto nas Manadas, que pagava 320 reis de foro ao concelho. No total, as terras foreiras ao município não passariam dos 2-3 moios54. Competia

ao município a gestão dos logradouros comuns, que advêm desde dos primórdios da colonização da ilha, em meados no século XV. Estes estariam no centro da demarcação entre concelhos, em 1716, ficando 120 moios para o concelho de Velas, o que constituía uma das maiores unidades fundiárias. Ocupava as áreas altas do interior na ilha compostas por picos e

51 A.D.A.H, tabelião Francisco Pereira da Lacerda Cabral, 1817-1822, liv. I, fls. 10v-11v. 52 A.D.A.H., tabelião Francisco de Melo Correia Flores,1785-1787, fls.173v-175.

53 A.D.A.H, tabelião Francisco Pereira da Lacerda Cabral, 1817-1822, liv. I, fls. 155v-157.

59 caldeiras, tendo como único aproveitamento as pastagens, sobretudo durante as estações mais quentes (Sousa 2007:99).

Esta preocupação na gestão dos baldios reflete-se nas posturas camarárias dos municípios de Velas e de Calheta. As posturas regulamentavam que as terras que confrontam com o escalvado devam estar devidamente tapadas. Por um lado, para delimitar o próprio escalvado, indicavam que na jurisdição das Velas o tapume tinha que ser de “espinha de peixe”, para os gados que apascentam no logradouro comum não entrarem na propriedade alheia. Vejamos o que mencionam as posturas de cada concelho acerca deste assunto.

Em 1706, as posturas calhetenses referem o seguinte:

“E outroasim ordenaram, que todos os moradores desta jurisdição que testada no escalvado devaço as tapem em termo de quatro dias: toda a pessoa que uza de botar gado no Escalvado as vam ajudar a tapar com pena de oitenta reis para o concelho, e accuzador, e os donos das testadas, que nam taparem no termo dos ditos quatro dias pagaram duzentos reis para o concelho, e accuzador, e pagaram toda a perda que o gado der por falta de tapume, e a coima ao concelho, e perderá a perda que tiver”

(Posturas Camarárias da Calheta, tomo II: 614).

Enquanto as posturas do concelho de Velas:

"Pozerão por postura, que toda a pessoa que tiver terras, que entestem nos escalvados desta jurisdição, as tenhão todo o anno tapadas com tapume de sette palmos de alto pella parte do escalvado, e será o ditto tapume de espinha de peixe, e terá cuidado o rendeiro de ver as dittas testadas, e achando-as sem os dittos tapumes, pagará cada hum das sobredittas pessoas dozentos reis para o rendeiro, e a mesma pena poderá demandar o rendeiro, ou qualquer pessos que constar, que abrio portal, e não tapou, e porquanto alguns moradores da jurisdição da Calheta, tem pastos que emtestão nos escalvados desta jurisdição na forma desta postura, o rendeiro os poderá demandar hante as justicas desta Villa, declara-se que aonde não houver matho, não será o dono obrigado a ter espina de peixe, e só serão vistas pellos rendeiros, em Abril, e no fim de Setembro” (P.C.V: 197).

Em meados do século XVIII e durante o século XIX surgem os primeiros ensaios sobre a repartição, aforamento e venda dos baldios açorianos. Estes movimentos foram

60 acompanhados com grande fervor e aferro pelos camponeses que eram os principais lesados por estas políticas. Um pouco por todo o lado, surgiram vários tumultos populares, com maior expressão na Ilha Terceira, que reivindicavam os direitos seculares do uso comum destes baldios, sendo fundamentais para criação de seus gados e apanha de lenhas (Mendonça e Ávila 2002: 28-32).

Na ilha de São Jorge, ao longo do século XIX, com base nos ideais liberais de libertação e individualização da propriedade, tentaram, por algumas vezes, a divisão e venda de partes dos baldios comunitários sob o pretexto de serem um entrave às reformas agrárias. De facto, os problemas financeiros da autarquia de Velas para levar a cabo um projeto de obras públicas contribuíram para a insistência no aforamento e até venda de parcelas dos baldios. No entanto, não passaram de experiências fugazes porque os camponeses encontraram sempre maneira de se oporem, nomeadamente, pelos sucessivos protestos e destruição constante das novas vedações dos baldios. Na sessão camarária, de 7 de junho de 1831, uma das formas encontradas pelo município para se autofinanciar foi através da introdução de uma taxa de contribuição por cada cabeça de gado que se apascentasse na serra pública (Sousa 2007:103).

Estas taxas surgem na sessão de 16 de agosto de 1845 obrigando os proprietários de gado que o costumam lançar na serra pública ou escalvado a inscrever (valor de 50 reis) na câmara a sua qualidade e os seus sinais (Anexo 2, Tabela 6). De qualquer maneira, estas medidas foram na sua maioria insuficientes (apesar das coimas serem elevadas), pois era impossível o controlo de todo o gado que entrava e saía dos baldios e alguns donos nem sequer teriam o seu gado devidamente marcado.

No período entre 1867 a 1880 voltou-se, novamente, a ponderar a venda e aforamento dos baldios, mas sem grande efeito aparente, possivelmente pelo pouco interesse dos proprietários mais abastados em comprarem pastos de uma superfície tão alta e pouco produtiva, e também por não quererem afrontar a maioria da população que dependia dele para criar as suas reses. Assim, o logradouro comum do concelho das Velas, apesar de várias tentativas para a sua repartição e venda, permaneceu na maioria intacto, sendo a sua gestão passada durante o Estado Novo para os serviços florestais.