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Propriedades Psicométricas dos Instrumentos Modificados Utilizados com as Crianças

3. Prevenção dos Abusos Sexuais de Crianças

4.2. Caracterização da Comunidade

4.5.2. Propriedades Psicométricas dos Instrumentos

4.5.2.2. Propriedades Psicométricas dos Instrumentos Modificados Utilizados com as Crianças

A amostra em estudo é formada por 385 crianças do ensino básico do 1º ciclo da zona das Caldas da Rainha, com 199 (48,3%) participantes do sexo masculino e 186 (51,7%) do sexo feminino e uma idade média de 8,6 anos (dp = 1,234; idades entre os 5 e os 11 anos). Foi solicitado aos Encarregados de Educação consentimento escrito para a participação no

programa de prevenção e na investigação. As crianças responderam ao instrumento de recolha de dados, antes (Pré), logo após (Pós) e seis meses (Follow-up) depois da sua participação no programa de prevenção.

Para recolher os dados sobre os conhecimentos e competências sobre os abusos sexuais de crianças com as crianças, decidiu-se usar 18 itens do CKAQ - Children's Knowledge Of Abuse Questionnaire-Revision III de Leslie M. Tutty e três vinhetas do WIST - “What if” Situation Test de Sandy Wurtele.

O CKAQ- versão III original é composto de 33 itens de resposta verdadeiro, falso ou não sei, sendo a cotação de 1 para uma resposta correcta e 0 para incorrectas ou não sei. Num primeiro pré-teste, que tinha como principal objectivo testar a compreensão das crianças às questões colocadas, dado que se tratavam de traduções (ainda que feitas com recurso a uma tradutora bilingue e retroversão) permitiu-nos perceber que a dimensão original dos dois instrumentos, utilizados em conjunto, seria um obstáculo. Optou-se, assim, por se fazer algumas modificações em ambos os instrumentos tornando-os mais curtos, os critérios para a selecção dos itens foi a sua maior aproximação aos temas abordados pelo programa de prevenção em questão, com base no modelo lógico. Os itens seleccionados do CKAQ foram os seguintes:

1. Tens sempre de guardar todos os segredos?

2. Está certo que as pessoas de quem gostas te abracem?

3. Muitas crianças gostam de receber um beijinho dos seus pais antes de irem para a cama à noite, para essas crianças, este é um bom toque?

4. Às vezes é correcto dizeres que “Não” a um adulto?

5. Mesmo que alguém diga que te conhece, se tu não o/a conheces é um estranho?

6. Se caíres da bicicleta e te magoares nas partes do corpo mais privadas, está certo que um médico ou uma enfermeira te vejam sem roupas?

7. Se alguém te tocar de uma forma que tu não gostas, deves dizer a alguém em quem tu confies.

8. Se alguém te tocar de uma forma que tu não gostas, a culpa é tua?

9. Se não gostares da forma como alguém te toca, está certo dizeres que “não”? 10. Se um adulto te manda fazer alguma coisa tens sempre de a fazer?

11. Podes confiar nos teus sentimentos para saberes se um toque é bom ou mau? 12. Mesmo uma pessoa de quem gostas te pode tocar de uma forma de que tu não gostas?

13. Tens de deixar os adultos tocarem-te, quer gostes ou não?

14. Se alguém te tocar de uma forma de que não gostas deves ir dizendo até que alguém acredite em ti?

15. Por vezes alguém da tua família pode tocar-te de uma forma que não gostas? 16. Se um amigo do teu pai te pedir ajuda para procurar o seu gato que fugiu, deves ir logo com ele e ajudá-lo?

17. A maioria das pessoas são estranhos e a maioria dos estranhos são bons?

18. Se te perderes dos teus pais no Centro Comercial, está certo pedires ajuda a uma vendedora ou a um segurança, mesmo que sejam estranhos?

A consistência interna da versão modificada do CKAQ-Revisão III foi analisada através do Alfa de Cronbach, onde se obteve um valor de .63 (p <0,001). De acordo com Murphy & Davidshofer (1988) um coeficiente inferior a .6 é inaceitável e, neste caso, a consistência é baixa, mas aceitável. A consistência interna da versão original da CKAQ usando KR 20 foi de .90 (Tutty, 1995), reflectindo ser muito acima da actual alteração do instrumento.

Para avaliar a fiabilidade temporal da modificação do CKAQ-Revisão III, fez-se uma análise teste-reteste calculando-se as correlações de Spearman, tendo-se obtido uma correlação de .60. O que denota, igualmente, uma fiabilidade temporal bastante inferior à relatada nos estudos que utilizaram a versão original do instrumento (ρ=. 88, Tutty, 1995).

Em relação ao WIST, a versão original é composta de seis vinhetas concisas (três descrevem situações apropriadas e três descrever situações inadequadas). Para cada uma situações inapropriadas as crianças são questionados sobre: "O que diria à pessoa da vinheta/situação?", "O que faria?", "Contaria a alguém essa situação?”, "A quem contaria?" e "O que diria a essa pessoa?". Assim, as crianças são avaliadas quanto à competência para reconhecerem situações que podem colocar em causa a sua segurança pessoal, bem como a forma como reagiriam à mesma. Neste estudo, como referimos anteriormente, devido ao tamanho dos instrumentos em questão, optamos por utilizar apenas três das seis vinhetas/situações, (duas contendo situações inadequadas e uma contendo uma situação adequada), especificamente:

EXEMPLO A (situação inadequada):

Se um/a estranho/a te perguntar se queres ir dar uma volta no seu carro.

1. Estaria certo ires com o/a estranho/a? SIM/NÃO/NÃO SEI (se SIM, vá para o exemplo seguinte) (se NÃO SEI, pergunte novamente, se NS outra vez, vá para o exemplo seguinte). O que dirias ao/à estranho/a? O que farias? Dirias a alguém que um/a estranho/a quis que fosses com ele/ela no carro? SIM/NÃO/NÃO SEI (Se NÃO, vá para o exemplo seguinte) (se NÃO SEI, pergunte novamente, se NS outra vez, vá para o exemplo seguinte). (Se SIM , “A quem dirias? (Pergunte novamente: E dirias a mais alguém? O que dirias a (nome da primeira pessoa referida na questão anterior)? EXEMPLO B (situação adequada):

1. E se fosses a andar de bicicleta caísses e te magoasses nas tuas partes privadas. E quando chegasses a casa a tua mãe ou o teu pai quisessem ver as tuas partes privadas.

Estaria certo a tua mãe ou o teu pai verem as tuas partes privadas? SIM/NÃO/ NÃO SEI (Se SIM, vá para o exemplo seguinte) (se NÃO SEI, pergunte novamente, se NS outra vez, vá para o exemplo seguinte). O que dirias à tua mãe ou pai? O que farias? Dirias a alguém que a tua mãe ou pai quiseram ver as tuas partes privadas? SIM/NÃO/NÃO SEI (Se NÃO, vá para o exemplo seguinte) (se NÃO SEI, pergunte novamente, se NS outra vez, vá para o exemplo seguinte) (Se SIM; A quem dirias? (Pergunte novamente: E dirias a mais alguém? O que dirias a (nome da primeira pessoa referida na questão anterior)?

EXEMPLO C (situação inadequada):

1. E se um vizinho, que é uma pessoa crescida que vive perto de ti, te dissesse: “Ó, [nome da criança], vamos brincar a um jogo muito giro! Tu tiras as tuas roupas todas e eu tiro fotografias das tuas partes privadas com a minha máquina fotográfica!” Estaria certo o teu vizinho tirar fotografias das tuas partes privadas? SIM/NÃO/ NÃO SEI (Se Sim, vá para o exemplo seguinte) (se NÃO SEI, pergunte novamente, se NS outra vez, vá para o exemplo seguinte) O que dirias ao teu vizinho? O que farias? Dirias a alguém que o teu vizinho quis tirar fotos das tuas partes privadas? SIM/NÃO/NÃO SEI (Se NÃO, vá para o exemplo seguinte) (se NÃO SEI, pergunte novamente, se NS outra vez, vá para o exemplo seguinte) (Se SIM; A quem dirias? Pergunte novamente: E dirias a mais alguém? O que dirias a (nome da primeira pessoa referida na questão anterior)?

A consistência interna desta versão do WIST, calculada através do Alfa de Cronbach, foi de .75 em relação às competências analisadas pelo total da escala e .67 em relação à escala de reconhecimento de situações inadequadas. No artigo publicado em 1998 sobre o instrumento original por Würtele, Hughes e Owens, o valor do Alfa de Cronbach foi de .90 em relação às competências analisadas pelo total da escala e .88 em para a escala de reconhecimento de situações inadequadas.

Para medir a fiabilidade temporal da versão modificada do WIST, fez-se uma análise teste-reteste, utilizando-se o coeficiente de correlação de Spearman (dado que é uma variável ordinal), utilizando as respostas dadas após a participação no programa de prevenção e as respostas dadas após seis meses da participação no programa. A conclusão obtida para o total da escala foi .62 e. 66 relativamente à escala de reconhecimento de situações inadequadas. No estudo sobre a escala original ao nível da correlação (utilizando-se as correlações de Pearson) os resultados obtidos foram .83 para o total da escala e .81 para a escala de reconhecimento de situações inadequadas (Würtele, Hughes & Owens, 1998).

Os valores do alpha de Cronbach de .63 e das correlações de Spearman de. 60 no que concerne à versão modificada do CKAQ-Revisão III, demonstram que tanto a consistência interna e como a temporal não são ideais. Em relação à modificação do teste WIST, podemos

fazer a mesma dedução, pois o valor do Alfa de Cronbach é .75 para o total da escala e o valor da correlação de Spearman é .62. Estes resultados indicam que é preferível utilizar as versões completas de ambos os instrumentos, dado que apresentam melhor consistência interna e melhor fiabilidade temporal. No entanto, não quisemos optar apenas por um, pois acreditamos que os dois instrumentos são complementares, dado que um fornece uma avaliação mais precisa sobre os conhecimentos (CKAQ), enquanto o outro está mais orientada para uma aplicação prática desse mesmo conhecimento, as competências (WIST). Esta foi, de resto, uma das principais razões para a escolha da utilização dos dois instrumentos para a recolha dos dados junto das crianças.

No que se refere à avaliação dos conhecimentos e competências sobre os abusos sexuais de crianças junto das crianças, enfrentamos várias dificuldades, uma das quais, já referida, é o tamanho dos instrumentos, outra a dificuldade na obtenção de amostras aleatórias e grupos de controlo, devido às restrições associadas ao contexto escolar. Assim, tornou-se difícil encontrar o instrumento ideal que acatasse todos os requisitos exigidos e necessários para uma avaliação completa do impacto do programa de prevenção, apesar da existência de vários bons instrumentos, nomeadamente os escolhidos para esta investigação.