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O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial de Mulheres e Crianças, merece estudo apartado, em virtude de sua ampla adoção pelos Estados. A definição que propõe para o ilícito é largamente aceita – embora criticada em alguns pontos – sendo, inclusive, adotada por Organizações como a OIT e a OEA.

Imperativo salientar, inicialmente, que a análise das disposições trazidas pelo Protocolo de Palermo deve ser feita de modo combinado com o exame da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, uma vez que o Protocolo aborda especificamente a Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças na condição de complemento da Convenção. Assim, a possibilidade de ratificação do Protocolo por um país depende necessariamente da prévia ratificação da Convenção.

A interpretação de ambos os instrumentos deve ser empreendida de modo

combinado, tendo em vista o disposto no art. 1º do Protocolo83 e no art. 37.4 da

Convenção84. A propósito, em alguns casos, a aplicação da Convenção é crucial,

83 Artigo 1 Relação com a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado

Transnacional: 1. O presente Protocolo completa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e será interpretado em conjunto com a Convenção. 2. As disposições da Convenção aplicar-se-ão mutatis mutandis ao presente Protocolo, salvo se no mesmo se dispuser o contrário. 3. As infrações estabelecidas em conformidade com o artigo 5o do presente Protocolo serão consideradas como infrações estabelecidas em conformidade com a Convenção.

84 Artigo 37 Relação com os protocolos: 1. A presente Convenção poderá ser completada por um

ou mais protocolos. 2. Para se tornar parte num protocolo, um Estado ou uma organização regional de integração econômica deverá igualmente ser parte na presente Convenção. 3. Um Estado-parte na presente Convenção não estará vinculado por um protocolo, a menos que se torne parte do mesmo protocolo, em conformidade com as disposições deste. 4. Qualquer

por exemplo, respeitante às medidas a serem adotadas para a proteção das testemunhas. Além disso, ante as dificuldades naturalmente inerentes à atividade interpretativa, revela-se relevante o exame das notas interpretativas – Travaux Preparatoires – como ferramenta para a percepção do alcance das disposições trazidas pelo Protocolo.

O Protocolo, que foi aberto a assinaturas em dezembro de 2000 e entrou em vigor em 25 de dezembro de 2003, foi elaborado pela Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Criminal das Nações Unidas, isto é, por uma comissão cujo objetivo precípuo é de aplicação da lei (GLOBAL RIGHTS, 2002; HEINTZE; PETERKE, 2011) e, via de consequência, de orientação naturalmente repressiva (SPRANDEL; PENNA, 2009).

Deve-se considerar que a natureza criminal e o viés repressivo não são inteiramente adequados para a abordagem do tráfico de seres humanos, primordialmente quando é examinada a condição das vítimas, já que o delito supõe o engano e o intuito exploratório. Na verdade, as peculiaridades dessa prática criminosa exigem, antes de tudo, uma abordagem baseada na prevalência dos direitos humanos.

Nessa perspectiva:

Uma resposta da aplicação da lei, por si só, pode pôr em perigo as pessoas traficadas e isso muitas vezes resulta na deportação imediata de possíveis testemunhas, ou a sua detenção e prisão. Uma abordagem que trata as vítimas como criminosos ou imigrantes sem direitos, também é responsável por fazer com que as pessoas traficadas desapareçam na criminalidade ou voltem para casa sem qualquer apoio. No pior dos casos, também pode conduzir a um novo tráfico. Por outro lado, uma resposta baseada nos direitos humanos empodera as pessoas traficadas a tornarem-se testemunhas. Oferece-lhes segurança e acesso à justiça. Permite que as vítimas recuperem o controle de suas vidas com segurança. Assim, o encerramento do ciclo de impunidade para os traficantes e da violência requer amplo espectro de medidas de proteção direitos legais, econômicos e sociais contidos no Protocolo sobre Tráfico e nas normas de Direitos Humanos (GLOBAL RIGHTS, 2002, p. 6)85. protocolo à presente Convenção será interpretado conjuntamente com a presente Convenção, tendo em conta a finalidade do mesmo protocolo.

85 Tradução livre do original: “Una respuesta de aplicación de la ley, por sí misma, puede poner en

peligro a las personas tratadas y esto a menudo termina en la deportación inmediata de los potenciales testigos, o su detención y encarcelamiento. Un enfoque que trata a víctimas como criminales o inmigrantes sin derechos también es responsable de hacer que las personas tratadas desaparecieran en la criminalidad o volvieran a casa sin ningún apoyo. En el peor de los casos, también puede conducir a una nueva trata. Por otro lado, una respuesta basada en derechos humanos empodera a personas tratadas convertirse en testigos. Les provee seguridad y les ofrece acceso a la justicia. Permite que las víctimas recuperen el control de sus vidas de una manera segura. Así, la terminación del ciclo de impunidad para los tratantes y la violencia se requiere el

A divergência evidenciada entre a perspectiva adotada pelo Protocolo de Palermo e o ideário de direitos humanos se revelou até mesmo no afastamento de ordem física, já que a comissão que criou o Protocolo tinha sede em Viena, na Áustria, ao passo que os órgãos das Nações Unidas que cuidam de temáticas associadas aos direitos humanos estão sediados em Genebra, na Suíça, e em Nova York, nos Estados Unidos (GLOBAL RIGHTS, 2002). Embora essa situação não fosse determinante, contribuía para dificultar o diálogo com organizações de propósitos e orientações distintos.

A preponderância da orientação repressiva pode ser percebida com facilidade por meio da observação dos comandos trazidos nos dispositivos voltados para a aplicação da lei e nos dispositivos voltados para a proteção e a assistência às vítimas. Ao passo que nos primeiros optou-se por adotar uma linguagem impositiva, fazendo referência a verdadeiros deveres das partes signatárias. Nestes últimos a linguagem assume caráter mais tênue, admitindo, por exemplo, que os Estados realizem a disposição na medida do possível e em

grau compatível com o ordenamento interno86.

Entre essas medidas protetivas a serem empreendidas encontra-se a preservação da integridade física, bem como da privacidade e da identidade das vítimas, orientação quanto aos direitos e a possíveis medidas a serem adotadas para a sua tutela, mecanismos de recuperação física, psicológica e social, além de instituição de estratégias de permanência temporária ou definitiva.

Pereira e Vasconcelos (2007) analisam essas medidas de proteção e assistência segmentando-as em três grupos, conforme a discricionariedade do Estado para a sua implementação:

No que toca à proteção e assistência às vítimas haverá que traçar uma distinção entre a diferente natureza das normas do Protocolo e da Convenção. Existem as que impõem uma obrigação aos Estados-partes de atuar, as que solicitam a ponderação/esforço dos Estados na sua aplicação e aquelas cuja implementação é de natureza totalmente opcional.

Relativamente às primeiras, temos:

amplio espectro de medidas protectoras de derechos legales, económico y sociales contenido en el Protocolo contra la Trata y las Normas de Derechos Humanos” (GLOBAL RIGHTS, 2002, p. 6).

86 Disposições relativas à proteção e à assistência às vítimas do tráfico de seres humanos são

- a obrigação de proteger a identidade e a privacidade das vítimas, nomeadamente tornando os procedimentos criminais relativos ao tráfico de pessoas confidenciais (artigo 6º § 1º do Protocolo);

- a obrigação de prestar às vítimas informação sobre procedimentos administrativos e judiciais (art. 6º, §2 (a) do Protocolo);

- a obrigação de garantir às vítimas a possibilidade de exporem a sua versão dos fatos e as suas preocupações no momento adequado dos procedimentos criminais que envolvem os seus agressores (artigo 6º, §2º (b) do Protocolo);

- a obrigação de incluir na legislação interna meios que permitam às vítimas de tráfico de pessoas obter uma compensação pelos danos sofridos (artigo 6º §6º do Protocolo e artigo 25 §2 da Convenção).

Relativamente ao segundo tipo de normas, o artigo 24º §4 da Convenção exige aos Estados-partes que adotem, na medida das suas possibilidades, medidas que garantam a proteção das vítimas que sejam testemunhas em procedimentos criminais. Tais medidas poderão, quando conveniente, ser extensivas aos seus familiares e entes próximos.

No que toca às vítimas de tráfico de pessoas em geral, independentemente da sua condição de testemunhas no âmbito de um processo criminal, os Estados-partes deverão esforçar-se por garantir a segurança física enquanto estas se encontram no território (artigo 6º §5 do Protocolo).

A possível regularização da permanência das vítimas de tráfico no país de destino deverá merecer consideração dos Estados-partes norteada pela compaixão e o humanismo que a situação exige (artigo 7º do Protocolo).

Finalmente, no que toca às normas do Protocolo cuja implementação se mantém na discricionariedade dos Estados-partes, o artigo 6º § 3º do Protocolo enumera um conjunto de medidas tendentes a garantir a recuperação física, psicológica e social das vítimas. Estas incluem a disponibilização de alojamento adequado, a prestação de aconselhamento e informação numa língua que a vítima compreenda, assistência médica, psicológica e material, emprego e acesso ao ensino e à formação. A prestação deste apoio não deverá estar dependente da vontade da vítima cooperar com as autoridades no âmbito de procedimentos criminais sobre tráfico de pessoas (PEREIRA; VASCONCELOS, 2007, p. 12-13).

Vale lembrar, ainda, outro inconveniente da adoção desse parâmetro. A abordagem criminológica tem sido adotada pelos Estados, em muitos casos, de modo propositalmente inadequado, na medida em que o discurso antitráfico tem servido como pano de fundo para a adoção de políticas autoritárias obstinadas quanto à extirpação das possibilidades de violação de leis nacionais de imigração e de trabalho sexual. Essas políticas estão voltadas, na verdade, contra o contrabando de migrantes e a prostituição. O controle das fronteiras, sob o argumento de vigilância contra o tráfico, permite-lhes afastar os indesejáveis: os imigrantes pobres e os trabalhadores do sexo (AUSSERER, 2007; PISCITELLI, 2008).

Paralelamente, são fomentados o estigma e a violência. Nessa medida, os países têm trazido para suas legislações domésticas disposições equivocadas

e estigmatizantes (KEMPADOO, 2005; NOVAIS, 2008)87. Esse é um alerta já

realizado pela OIT: “onde há legislação específica sobre tráfico, esta muitas vezes se concentra na prostituição. Outro tipo de legislação contempla, de maneira mais geral, penalidades para contrabando ou exploração de imigrantes” (OIT, 2001, p. 76)

Conforme assevera Kempadoo (2005, p. 65-66):

O protocolo antitráfico mais recente da ONU que entrou em vigor em dezembro de 2003 é um exemplo. No entanto, embora o foco na prostituição tenha sido substituído no protocolo, a atenção à migração e ao trabalho forçado é eclipsada por um foco na atividade criminosa internacional. O antitráfico no marco de referência da governança global se tornou sinônimo de guerra ao crime internacional. Simultaneamente, o elo entre as políticas para derrotar o tráfico e as de controle da imigração é enfatizado, e os governos no norte global cada vez mais exprimem a preocupação com as ações dos traficantes e contrabandistas de migrantes, que interferem com a migração ordeira. A punição daqueles que auxiliam outros a contornarem as restrições à imigração nacional e a perturbarem antigos padrões e fluxos de migração está no centro mesmo das políticas antitráfico da ONU hoje. Ao priorizar o crime, a punição e o controle da imigração, a abordagem do governo global diverge agora das perspectivas que foram geradas a partir de cuidados com a justiça social e os direitos humanos, particularmente das mulheres, a despeito de uma certa incorporação de ideias de discursos feministas.

A atribuição de primazia à criminalidade organizada internacional implica predisposições negativas no tocante à percepção do estrangeiro, considerando que a presença do imigrante em solo nacional passa a ser concebida como uma possível ameaça ou indício de ilegalidade. Desse modo, conforme salientado, o discurso de repúdio ao tráfico de seres humanos passou a estar atrelado a medidas de controle da imigração, que vêm sendo recrudescidas como reação, inclusive, a ataques terroristas, notadamente após o incidente de 11 de setembro de 2001.

A propósito, a OIT ressalta a impropriedade desse tipo de política, sublinhando que “o tráfico de mão-de-obra teoricamente não teria lugar se a pessoa que busca emprego tivesse a liberdade de movimentação geográfica e liberdade de acesso ao emprego” (OIT, 2001, p. 73), além do fato de que “o

87 Não se está negando aqui que há medidas de proteção às vítimas em alguns Estados e até

mesmo no bojo de certas organizações civis, mas apenas destacando que a abordagem predominante não é tutelar, mas sim de repressão ao crime, atribuindo-se às pessoas traficadas tratamento muito mais compatível com a condição de criminosas que vítimas. Não há como concluir que essas medidas são as mais benéficas do ponto de vista da vítima. Sendo assim, os “esforços para reprimir a migração, para manter as pessoas no país ou para ‘empurrá-las de volta’ muitas vezes fazem mais mal que bem, e vão contra os interesses dos migrantes” (KEMPADDO, 2005, p. 69).

acesso restrito a canais legais de migração tem contribuído para o crescimento do negócio de recrutamento privado, que, muitas vezes, opera nas fronteiras do tráfico de pessoas” (OIT, 2005, p. 53).

Ora, o tráfico de seres humanos é alimentado por dinâmicas sociais precárias, por meio das quais se consolidam quadros de vulnerabilidade social. Vale dizer que a persistência dessas dinâmicas e a não atribuição de tratamento adequado às vítimas de modo a dar-lhes condições para que superem tais quadros produzem um efeito circular que realimenta o tráfico. Sendo assim, a tutela de direitos essenciais ao indivíduo traficado, notadamente da sua dignidade, que também se manifesta no trabalho, é não só medida humanitária, mas, antes de tudo, condição necessária para o enfrentamento ao delito. Desse modo:

[...] ao mesmo tempo em que o Protocolo de Palermo foi um avanço na focalização internacional contra o tráfico de pessoas, é importante frisar que ele delimitou sua visão à luz do fenômeno meramente criminológico, justamente por estar vinculado a uma convenção das Nações Unidas voltada para a dimensão específica do crime. Nesse sentido, o que é importante salientar é o fato de que o tráfico de pessoas, ao contrário de outros ilícitos transnacionais, é estruturalmente calcado na dimensão socioeconômica do “trabalho”. O tráfico humano é a forma mais sórdida de circulação do trabalho na nova economia global (NAIM, 2005). Por se resumir num comércio de pessoas, o tráfico se beneficia de lucros bilionários na exploração de uma mão-de-obra vulnerável como fator de produção na clássica dinâmica oferta e demanda. Portanto, ao se perceber o tráfico de pessoas não só à luz do crime, mas também à luz das dinâmicas laborais, também ganham destaque outras convenções multilaterais, como as da OIT – Organização Internacional do Trabalho (SPRANDEL; PENNA, 2009, p. 19).

Oo fato de o Protocolo priorizar o enfoque criminológico não condiciona que a temática será necessariamente abordada com a prevalência dessa orientação, em primeiro lugar, em razão de o texto do Protocolo prever, entre suas finalidades, a proteção e o auxílio às vítimas do tráfico com respeito pleno a

seus direitos humanos (HEINTZE; PETERKE, 2011)88. Em segundo, porque há

diversos outros instrumentos internacionais que trazem relevantes disposições a serem aplicadas na tutela das vítimas do tráfico. O melhor meio de conceber as disposições protetivas do Protocolo é atribuir-lhes a condição de patamar mínimo

88 Artigo 2 Objetivo. Os objetivos do presente Protocolo são os seguintes: a) prevenir e combater o

tráfico de pessoas, prestando atenção especial às mulheres e às crianças; b) proteger e ajudar as vítimas desse tráfico, respeitando plenamente os seus direitos humanos; e c) promover a cooperação entre os Estados-partes de forma a atingir esses objetivos.

a ser preenchido por outras normas de direitos humanos previstas em instrumentos regionais e internacionais (GLOBAL RIGHTS, 2002).

A propósito, nos termos do art. 14 do Protocolo de Palermo (2000, s.p.): Nenhuma disposição do presente Protocolo prejudicará os direitos, obrigações e responsabilidades dos Estados e das pessoas por força do direito internacional, incluindo o direito internacional humanitário e o direito internacional relativo aos direitos humanos e, especificamente, na medida em que sejam aplicáveis, a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados e ao princípio do non- refoulement neles enunciado.

A despeito dessa problemática que conduziu a elaboração do Protocolo, a sua própria instituição já implicou significativo avanço no combate ao tráfico. Isso porque, conforme dito, o tráfico não raro assume natureza internacional e, assim, conjuga interesses e mazelas que transcendem as fronteiras dos Estados. Ora, nesses casos, apenas medidas coordenadas e para além da ordem interna têm o condão de enfrentar eficazmente não só o delito em si, mas também os fatores responsáveis pela sua ocorrência e recorrência fática. O avanço, inclusive, pode ser de algum modo medido pelo número de países que ratificaram esse instrumento, que já chega a 158 (SPRANDEL; PENA, 2009).

Nesse particular, impende sublinhar que, em virtude de seu próprio âmbito de adoção, o Protocolo aborda tão somente contextos de tráfico de seres humanos que envolvem grupos delitivos – assim entendidos como as associações de três ou mais pessoas com fins criminosos e com objetivos econômicos ou materiais – e que possuam caráter transnacional, atribuindo às legislações internas o estabelecimento de previsões concernentes a situações de tráfico que

não sigam essa caracterização específica (HEINTZE; PETERKE, 2011)89. Tendo

em vista essa consideração pontual e toda a análise já empreendida neste estudo, fica evidenciado que o texto do Protocolo não nega, em momento algum, a possibilidade de existência de hipóteses de tráfico interno de seres humanos, mas sim opta por reservar essas matérias para a regulamentação interna. Rememore-se que em uma dinâmica de diálogo de fontes, o direito nacional ainda poderá reforçar o sistema de erradicação ao tráfico de seres humanos à vista do

89 Artigo 4 Âmbito de aplicação: o presente Protocolo aplicar-se-á, salvo disposição em contrário, à

prevenção, investigação e repressão das infrações estabelecidas em conformidade com o artigo 5 do presente Protocolo, quando essas infrações forem de natureza transnacional e envolverem grupo criminoso organizado, bem como à proteção das vítimas dessas infrações.

caráter concorrente sistêmico complementar em prol da melhor proteção do vulnerável.

Na definição do tráfico de seres humanos90, merecem destaque seus

pontos positivos e negativos. Aliás, deve-se mencionar que o Protocolo de Palermo propôs a primeira definição internacional para o tráfico de pessoas (GLOBAL ALLIANCE AGAINST TRAFFIC IN WOMEN, 2000; OIT, 2001; SPRANDEL; PENNA, 2009). Um aspecto positivo a ser considerado é a amplitude da definição, que tende a abranger maior número de possibilidades. Alinhado a essa ideia, por exemplo, o Protocolo, ainda que priorize a prevenção, a repressão e a sanção do tráfico relativa às mulheres e às crianças, emprega em sua definição o termo “pessoas”, de forma a considerar que as vítimas do tráfico podem assumir perfis diferenciados, afastando, portanto, critérios etários e/ou sexistas (CASTILHO, 2008).

Além disso, seu texto deixa claro que o tráfico não se processa tão somente por meio da imposição física, podendo estar atrelado, por exemplo, a circunstâncias de abuso de poder ou de uma situação de vulnerabilidade. Não é de se desconsiderar que essas expressões podem carregar consigo imprecisão quanto à sua determinação. A consulta às notas interpretativas serve de apoio na correta apreensão das hipóteses que implicam exploração de uma situação de vulnerabilidade, destacando-as como circunstâncias em que a pessoa interessada não tem outra opção verdadeira ou aceitável senão submeter-se à exploração (UNODC, 2008). Quanto ao abuso de poder, embora não tenha sido formulada nota específica por ocasião dos debates, foi invocado que, nessa situação, insere- se o poder ou os condicionamentos impostos por pais, líderes de comunidades ou até mesmo os esposos, notadamente em culturas com traços conservadores.

90 Artigo 3 Definições. Para efeitos do presente Protocolo:

a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos; b) o consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente artigo