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CAPÍTULO II ELEMENTOS ESSENCIAIS AO FUNCIONAMENTO DA

2.1. Conceito, caracterização e espécies de Provedores de Internet

2.1.4. Provedores gratuitos

Como acontece, geralmente, na sociedade moderna, a consolidação dos provedores de Internet, que já era realidade, inspirou o surgimento de uma nova modalidade de conexão na Rede: os provedores gratuitos. A princípio, tal inovação provocou reações diferentes, tanto com relação aos usuários, como no tocante às empresas inseridas de forma onerosa no mercado disponibilizador do serviço.

Seria por demais natural que empresas fornecedoras de serviços (de acesso e de conteúdo) ficassem ressabiadas com essa nova modalidade de concorrência, que oferecia o serviço gratuitamente, levando os clientes a procurar, em massa, a conexão gratuita.

Hoje já se observa um retraimento natural desses provedores gratuitos, alguns saindo do mercado, outros modificando a proposta inicial quanto à gratuidade e alguns dando verdadeiros calotes nos usuários/consumidores, como veremos no capítulo V, ao comentar as pesquisas realizadas com usuários e nos órgãos de defesa do consumidor.

Os provedores denominados de “gratuitos” lançaram, a princípio, um serviço direcionado à captação de clientes e, num segundo momento, apostaram que a publicidade daria suporte financeiro ao projeto. Verificou-se, em seguida, que tal proposta seria inviável do ponto de vista financeiro, aliás como inviáveis se tornaram vários projetos na Web.

Entre os provedores de acesso há uma divergência quanto aos rumos do novo modelo de Internet. Os de menor porte e os corporativos representados pela Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet

(Abranet) enviaram uma proposta à ANATEL pedindo revisão do modelo atual57. Já os

gratuitos e os associados a operadoras de telecomunicação acreditam que o sistema atual é um sucesso e que as duas novas opções devem se somar a esse modelo.

Estudos realizados constantemente (vide capítulo V) mostram que a participação dos provedores gratuitos no total de domicílios com Internet aumentou quatro pontos percentuais. Cerca de 30% dos entrevistados possuem somente provedores gratuitos em casa. O percentual de domicílios com acesso exclusivamente pago caiu 4 pontos, ficando com 37%. Os percentuais são semelhantes aos registrados pela 9ª Internet POP, realizada em dezembro de 2000.

Aspecto interessante a se analisar sobre essa modalidade de serviço diz respeito à responsabilidade legal. Como em qualquer pacto previsto pelo Direito Civil, os internautas, ao contratarem um provedor de acesso para que este lhe forneça os meios para a navegação na Internet, estão se submetendo às regras de vários dispositivos da Lei Substantiva Civil, não importando se esse contrato seja celebrado com provedor pago ou gratuito.

Por não existir norma reguladora dos serviços de provedores no Brasil, entendemos que essas empresas se colocam como prestadores de serviço, inseridos num mercado novo e com características próprias. A aplicação das normas constantes da legislação civil, no que diz respeito aos contratos, não suscita qualquer contestação.

Sobre a responsabilidade dos provedores gratuitos é conveniente que se proceda à análise dessa responsabilidade também à luz dos princípios do Código de Defesa do Consumidor. Como qualquer outra prestação de serviços, se esse serviço fosse remunerado, estaria submetido às prescrições do CDC. Mas, se realiza contrato típico, gratuito, dificilmente se poderia aplicar as disposições do CDC. É um típico contrato gratuito de prestação de serviços, onde a característica principal é a promessa de uma das partes e a aceitação da outra, pura e simplesmente.

Nesse tipo de contrato, só um dos parceiros se obriga, ao passo que o outro não assume qualquer obrigação, tal qual definem os doutrinadores no contrato “gratuito” (ex. o de doação). O usuário não terá encargos, se responsabilizando pelos

conteúdos de suas mensagens e pelo uso propriamente dito dos equipamentos, enquanto que o provedor oferece serviços de conexão à Rede de forma individualizada e intransferível e até mesmo o uso por mais de um usuário.

Questiona-se: esse tipo de contrato pode ensejar um acordo ligeiramente oneroso, com cláusulas arbitradas por um dos contratantes (no caso, o provedor), com “adesão” do usuário ? E se tal acontecer, caracteriza a prestação de serviços preconizada pelo Código de Defesa do Consumidor ?

A princípio, o contrato assinado entre usuário da Rede e provedor gratuito, passa a vigorar entre os contratantes sob a orientação do vetusto princípio pacta

sunt servanda, que obriga os assinantes aos seus termos. A partir daí, a relação negocial

entre os pactuados não mais se modifica, e mesmo ocorrendo o distrato, tudo deverá obedecer à legislação civil ou ao acordo celebrado entre as partes.

Outros questionamentos decorrem das relações acima citadas: há responsabilidade civil dos prestadores de serviços de acesso, mesmo gratuitos ? E, no caso de retirada dessas empresas do mercado, os administradores dessas empresas podem ser compelidos a reparar possíveis danos?

É necessário analisar se o contrato firmado inicialmente com o usuário não caracteriza “contrato de consumo”, com cláusulas bem definidas (e elaboradas dentro do que o Código do Consumidor permite). Se constou limitação de responsabilidades, esquivando-se o Provedor, em caso de falência ou motivo de força maior, a não indenizar por danos diretos e indiretos causados aos usuários, talvez aí caiba aplicação do CDC.

Muitos contratos prevêem procedimentos para suspensão ou cessação do serviço, ensejando a “quebra da base do negócio jurídico”, proporcionando a aplicação de normas mais rígidas do que as preconizadas pelo Código Civil58.

Uma das denúncias mais graves que se tem contra os provedores gratuitos é aquela que diz respeito ao fato dessas empresas, operando na modalidade

58 BRASIL, Ângela B. O Ciber Direito: Informática Jurídica, São Paulo, 2001. Disponível em:

hotmail, repassarem dados dos seus usuários a empresas ou a terceiros, sem o devido

consentimento.

Na pesquisa realizada entre usuários (vide capítulo V), constatamos que o serviço de correio gratuito da Microsoft, que conta com milhões de internautas registrados, oferece informação pessoal de seus clientes, sem o consentimento destes e, o pior, não recebe qualquer punição pelo fato.

Apesar das negativas da Microsoft, isto tem se tornado uma prática corriqueira. Consta da sua página central que os dados dos seus clientes não serão repassados a terceiros, sem consentimento prévio desses clientes. Entretanto, o serviço de hotmail introduziu três opções para preenchimento do usuário quanto ao seu “perfil”. Uma delas é preenchida pelo usuário e as outras duas ficam à disposição da Microsoft para preenchimento ao seu bel prazer.

Ainda sobre os provedores gratuitos, há um caso interessante: a empresa de telecomunicações Global Voice pediu contra o provedor de acesso gratuito iG uma indenização no valor de R$ 5 milhões, por lucros cessantes, danos morais e materiais à empresa. O Provedor teria encomendado à Global Voice um projeto para permitir o acesso gratuito de internautas da região de Ribeirão Preto (1.500 linhas telefônicas) e Barretos (150 linhas)59.

O negócio, segundo alega a empresa reclamante, não se concluiu por causa de mudanças internas no iG que acabou contratando outro fornecedor. No entanto, conforme os autores da ação, após o fracasso nas negociações ficou combinado que o provedor ficaria com as 1650 "portas" e cobriria todo o prejuízo, o que não teria ocorrido.

A Global Voice pediu no Judiciário R$ 4,149 milhões por lucros cessantes (valores que a empresa deixou de receber por não ter sido contratada) e quase R$ 900 mil por danos morais e materiais, mas o processo (até a data da pesquisa) continuava em andamento.

O surgimento dos provedores gratuitos, que foi um presente para os internautas com baixo poder aquisitivo, provocou reações diferentes no público em geral e nas empresas provedoras com serviço pago. Se por um lado, os usuários se dividiram entre os que imediatamente aderiram e os desconfiados, as empresas reagiram de forma veemente contra os concorrentes. Agora, vários desses provedores saíram do mercado e outros passaram a exigir remuneração pelos serviços prestados.

Quanto à responsabilidade legal veremos que, como qualquer pacto de Direito Civil, os internautas ao contratarem um provedor de acesso para que este lhe forneça os meios para a navegação da Internet, estão se submetendo às regras do Código Civil Brasileiro, não importando se o contrato foi celebrado com um provedor remunerado ou gratuito.

Como já se tornou ponto pacífico no Direito Civil Brasileiro, arrimado em princípios dos direitos romano e francês, nada impede que, mediante serviço prestado de forma gratuita, onde a característica principal é a promessa de uma das partes e a aceitação da outra, seja celebrado um contrato consensual, bilateral e gratuito. Neste tipo de avença, só um dos parceiros se obriga, ao passo que o outro lado não assume qualquer obrigação e funciona tal qual o contrato de doação sem encargos.

Ao assinar o contrato, passa a vigorar entre os contratantes os princípios jurídicos do contrato tradicional, dentre eles o pacta sunt servanda, que obriga os assinantes aos seus termos. É o que ocorre com os provedores ditos gratuitos, os quais, visando futuros interesses, tentam atrair os usuários com poder aquisitivo suficiente para lhe compensar mais tarde.

É perfeitamente viável que, uma vez que se obrigou a prestar o serviço, tem o provedor de serviços gratuitos a obrigação de presta-los bem, de forma contínua, segura e eficiente. Até pela suspensão imotivada dos serviços, pode o provedor gratuito ser responsabilizado.

Para que tal aconteça, é necessário que o contrato firmado inicialmente com o usuário seja bem elaborado e com cláusulas bem definidas, dentro do que prevê o Código de Defesa do Consumidor, a exemplo da limitação de

responsabilidades. Claro que essas limitações ou exclusões de responsabilidades não podem ser abusivas ou trazer qualquer constrangimento ao consumidor.

Sobre a responsabilidade extracontratual dessa modalidade de provedor, nenhuma dúvida pode ser apontada, pois, como qualquer sujeito do mundo jurídico, se causar dano, tem de reparar. O que precisa ser regulamentada, com muita brevidade, é a atividade dessas empresas que, se dizendo gratuitas, oferecem e prestam um serviço, dos quais irão auferir, com certeza, lucros ou dividendos diretos ou indiretos.