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PSEUDONEUROSES DO TIPO ADDISON Vamos começar com um relato de caso:

No documento Viktor Frankl - Teoria e Terapia Das Neuroses (páginas 114-117)

I TEORIA DAS NEUROSES COMO PROBLEMA

B) PSEUDONEUROSES DO TIPO ADDISON Vamos começar com um relato de caso:

Dr. Sch., médico, se queixa de dores de estômago, sofre com diarreias e precisa fazer dieta por longos períodos, abstendo-se de pão preto, frutas e verduras. Sabe-se que isso leva a uma carência de vitaminas do complexo B, no sentido de um distúrbio de absorção como também de uma oferta insufi­ ciente. A anamnese registra, de maneira característica, uma intolerância ao calor e ao sol. O paciente também confessa que frequentemente tem vontade de comer comidas salgadas, o que também é característico. E agora vamos à descrição dos sintomas de despersonalização: o paciente afirma que nada lhe parece verdadeiramente real, ele próprio também não tem a sensação de "es­ tar presente': ele se sente como se fosse "sem essêncià' - "como se uma corda tivesse quebrado em mim': ele diz. "Me sinto como se estivesse num sonho, minha consciência é muito limitada, a consciência do eu inexiste, não volto ao meu verdadeiro eu. E tenho de me perguntar: Por que eu sou eu e não aquele que estou olhando no momento? Tudo me parece tão distante e eu mesmo

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me sinto estranho; minha voz soa tão estranha; é como se meus membros não fossem meus, como se eu estivesse acima do meu corpo ou nem tivesse corpo, como se eu fosse puro espírito': Além disso, há noxas iatrogênicas: em pri­ meiro lugar, são prescritos, como tão frequentemente na medicação de rotina, barbitúricos, dos quais sabemos que via de regra diminuem ainda mais a pres­ são arterial já baixa (neste caso, a pressão arterial era de apenas 95 mmHg). Não apenas a hipotonia arterial é agravada, como também a "hipotonia da consciêncià: nas palavras de J. Berze, que explica a despersonalização. Além disso, o colega médico que cuidava do caso anteriormente falou de maneira impensada, para não dizer irresponsável, de uma "clivagem': fazendo com que o paciente começasse a desenvolver uma psicotofobia reativa.

Agora, de nossa parte, a terapia compreendeu um comprimido de Per­ corten diário, sublingual. Após poucos dias, o paciente se sente "ótimo": "Tudo está normal - tudo voltou a ficar tão próximo, claro e límpido como nos tempos normais': (Um caso análogo, um estudante inglês, relata o efeito terapêutico subjetivo da desoxicorticosterona: "Clareou minha mente; mi­ nha capacidade de pensar está melhor") . "Consciência e memória também estão mais afiadas': Nos meses seguintes, ele se livrou totalmente de suas queixas e continua assim, apesar de já não tomar mais Percorten.

Nos outros casos, ministramos a desoxicorticosterona também de maneira parenteral, como no caso de uma jovem farmacêutica que, devido aos seus sérios eventos de despersonalização, recebeu três aplicações de 5 mg de Cortiron, com intervalos de uma semana entre elas. Como ela afirma, o efeito das duas primeiras injeções durou cinco dias cada e resultou que "tudo se tornou muito mais claro e imediato': No caso dessa medicação parenteral é preciso atentar, porém, ao fato de termos de acelerar as funções do córtex suprarrenal, mas sem acostumá-lo a isso. Do ponto de vista prático, isso quer dizer que não é inofensivo aplicar remédios de efeito retardado, pois suas formas de administração são como flechas que, uma vez disparadas, fogem ao nosso controle. Então, quais são condições para que o córtex suprarrenal continue funcionando de maneira parecida com o normal assim que é acelerado? Nas circunstâncias presentes em nossos casos de distúrbios funcionais

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leves, via de regra é suficiente provocar essa capacitação espontânea na forma de uma mudança da reação do corpo a uma reação vegetativa - e o treinamento es­ portivo talvez seja a maneira mais eficiente de se conseguir isso. Ad hoc o caso seguinte, que agradecemos ao colega J. M. David (Buenos Aires):

Trata-se d e u m oficial argentino d e 30 anos, que h á seis anos não sofre apenas de severa despersonalização como também de uma completa sín­ drome psicodinâmica: falta de concentração e de memória.27 Já foi tratado por cinco médicos e fez psicanálise por dois anos; choques de acetilcolina e dez eletrochoques. Passa a receber Percorten, combinado com vitamina B, parenteral, e também um tratamento breve logoterapêutico por causa de sua frustração existencial concomitante. Depois de três injeções de hormônios do córtex suprarrenal, há uma melhora surpreendente no que se refere à despersonalização: o paciente se sente ótimo, viaja para o campo, mas se es­ quece de levar o medicamento hormonal via oral e sofre uma severa recaída. No decorrer da semana seguinte, começa a praticar esportes de maneira sis­ temática e logo não precisará mais dos remédios.

O caso seguinte também é muito instrutivo sob muitos pontos de vista:

Trata-se de uma jovem paciente do exterior, que foi tratada lá durante seis anos, por seis horas semanais, por uma psicanalista, e que teve de inter­ romper o tratamento por motivos alheios à sua vontade. Depois de anunciar isso à psicanalista, essa última explicou que não se podia falar em interrup­ ção, visto que a análise ainda nem tinha começado - o fracasso se devia à re­ sistência da paciente. De nossa parte, diagnosticamos aqui um hipocorticose com despersonalização em primeiro plano; sendo medicada com desoxicor­ ticosterona, a paciente "começou a se sentir melhor, não apenas em relação à despersonalização, mas também fisicamente", segundo relato de sua médica (a paciente estava de cama no início de nosso tratamento). Além disso, segue

27 Viktor E. Frankl, "Psychadynamie und Hypokortikose. Wiener klinische Wochenschrift, vol. 6 1 , 1 949, p. 735; idem, "Ein über Psych-adynamisches Syndrom und seine Beziehungen zu Funktionss­ tõrungen der Nebennierenrinde. Schweizerische medizinische Wochenschrift, vol. 79, 1 949, p. 1 .057.

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o relato, "ela ganhou peso, está com mais resistência, conseguiu redigir uma dissertação e não precisa mais de tratamento':

Mais uma vez, vemos que para diagnosticar uma neurose é preciso primeiro excluir uma pseudoneurose somatogênica - isso é necessário, 28 mas está ao alcance somente de um médico com formação clínica completa. Por mais que a exclusão de uma pseudoneurose somatogênica seja condição necessária para o diagnóstico de uma neurose autêntica (psicogênica), ela não é suficiente: pois o fato de se ex­ cluir uma pseudo neurose somatogênica está longe de dar o direito de se diagnosti­ car uma neurose (psicogênica). Em outras palavras: o diagnóstico de neurose dado por exclusão não é válido. O próximo caso ilustra esse alerta:

Há cinco anos, Cãcilie D. vai de uma clínica neurológico-psiquiátrica a outra e passa por todos os tipos de procedimentos, tanto diagnósticos quanto terapêuticos: da punção lombar à encefalografia, da narcoanálise até o ele­ trochoque. Por fim, eis a conclusão literal: "Está descartada qualquer causa orgânica; trata-se de uma histeria de conversão': Sob essa etiqueta diagnóstica, a paciente é transferida para nossa seção. Já ao ouvir sua anamnese, tudo nos indica que o tálamo está envolvido. O exame radiográfico aponta para um aumento crônico na pressão endocranial, e o achado oftalmológico fala de uma chrorioditis centralis peracta. Por esse caminho, fomos do (suposto) diag­ nóstico topográfico no tálamo para o diagnóstico específico de toxoplasmose. O teste Sabin-Feldman dá positivo, e a reação à toxoplasmina também é positiva.

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No documento Viktor Frankl - Teoria e Terapia Das Neuroses (páginas 114-117)