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PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA (PTR) E AMÉRICA LATINA

3.3. PTR e a sua relação com as Necessidades Básicas

Voltando a conceitos relacionados à efetividade e à satisfação de necessidades básicas, para os neoliberais, tomando como base as ideias de Hayek, a implementação de bens e serviços como obrigações do Estado é criticada, tendo em vista a compreensão de que as mesmas violam a natureza individual da liberdade. Para os neoliberais, o mercado é a instituição que melhor pode distribuir bem-estar, por ser eticamente neutra, segundo as aspirações, desejos e preferências dos indivíduos. Para eles, a justiça social é um conceito inútil.

Sob outra perspectiva, trazendo as contribuições de Gustin (1999), a realização ou não realização das necessidades pode afetar, positivamente ou negativamente, a plenitude da pessoa ou da coletividade. Então, deve-se garantir aos indivíduos e aos grupos, oportunidades que lhes permitam adquirir capacidades efetivas que são reconhecidas como direitos. Só alcançando esse status, o homem passa a se distinguir pela liberdade de escolha e de vontade. A categoria “autonomia” cobra destaque já que deve ser compreendida como de natureza social, e o indivíduo só pode apreender o seu significado a partir da interação social com os demais, onde se sinta pertencente a esse grupo. É nessa perspectiva que a autonomia passa a se tornar um direito dos cidadãos que identifica as pessoas como portadoras de necessidades a serem atendidas, assim como de assumir responsabilidades pessoais e sociais, por conseguinte, deveres. E pelo fato de ser um direito, precisa da tutela e compromisso do Estado para protegê-la e garanti-la.

Nessa mesma linha, Pisón (1998) destaca que a ideia de necessidade humana básica tem um importante papel na teoria dos direitos e, especialmente, como sustento dos direitos sociais. Isto porque permite dotar de conteúdo conceitos de liberdade, igualdade ou de dignidade humana, no sentido de exigência de que os homens tenham meios suficientes para uma vida digna. Esse é um estado de garantia que deve ser assumido pelo Estado, no seu papel de administrador dos bens públicos e defensor dos direitos e garantias dos cidadãos.

A problematização quanto aos níveis ótimos de satisfação de necessidades conduz à importante interrogação, quando falamos de PTR na região latino-americana, qual seja, os referidos programas refletem uma satisfação mínima ou crítica? Em definitivo, considerando as conclusões de Santarsiero (2011) baseado em Gough, as necessidades têm componentes universais relacionados com a autonomia dos indivíduos e com a saúde física, as quais, para uma adequada satisfação, devem considerar o contexto com o momento histórico e a cultura de cada sociedade. As necessidades não podem ser definidas unicamente pelo sistema ou pelo avanço das tecnologias. A forma de assegurar condições básicas não pode estar presa a condições de ingressos dos cidadãos. Fazendo um vínculo com os PTR, estes não devem requerer provas ou comprovações de extrema pobreza ou incapacidade. Deve ser uma condição garantida para todos.

Mas, quando se fala de necessidades humanas, quais são as prioridades em questão? Quando se faz referência a políticas impulsionadas por meio dos PTR, a que necessidades se referem? Fazendo uma associação com o conceito de pobreza e insatisfação das necessidades, recorremos à concepção ressaltada por Gough (1982), de que as necessidades básicas, consistem em precondições universais que, se não satisfeitas adequadamente, ocasionam dano sério à vida; tornam-se um impedimento para participação social ativa, crítica e exitosa. Para tanto, ainda que insuficientes, a autonomia e a mínima saúde física tornam-se essenciais para os indivíduos. De acordo com o autor, é indispensável considerar diversos aspectos, tais como: boa alimentação, água potável, moradia adequada, trabalho e lugar físico seguro, cuidados de saúde, proteção na infância, relações primárias significativas, segurança física e econômica, controle da natalidade, adequada formação das crianças e educação básica.

Gough (1982) considera vital o apoio de uma estrutura institucional que garanta uma provisão suficiente de recursos para possibilitar sua ótima satisfação. Complementando a posição do autor, Brage (1999) reconhece o conceito de necessidades sociais básicas, ou mínimo de subsistência ou mínimo vital, mas recusa a identificação desse mínimo com uma quantidade fixa, dada por fatores biológicos ou outros fatores, uma vez que variam segundo tempo e lugar. A leitura do mínimo vital

passa a uma formulação em que as necessidades estão relacionadas com o padrão de vida mínimo aceitável em uma sociedade.

Partindo das distintas e heterogêneas realidades dos países da América Latina, supõe-se que um nível ótimo de satisfação de necessidades não é algo realista. Pode- se observar nos programas sociais dos referidos países, níveis mais baixos e mínimos de proteção como supostos objetivos de uma estratégia “em longo prazo”. Sobre esse ponto, Pereira (2000) recusa o conceito de mínimo como critério de satisfação de necessidades básicas, preferindo utilizar o conceito de básico, porque ele não expressa a ideia de prestação ínfima e isolada de provisão e, portanto, permite a inferência de que níveis superiores e concertados de satisfação devem ser perseguidos quando se lida com necessidades humanas. “Enquanto o mínimo nega o ‘ótimo’ de atendimento, o básico é a mola mestra que impulsiona a satisfação básica de necessidades em direção ao ótimo”, ressalvando que o ótimo não é sinônimo de máximo, destaca a autora (PEREIRA, 2000, p. 26).

A problematização quanto aos níveis ótimos de satisfação de necessidades conduz a uma importante interrogação, quando falamos de PTR na região latino- americana, qual seja, os referidos programas refletem uma satisfação mínima ou crítica?

Fazendo uma associação com os PTR, na realidade de países como o Brasil e o Peru, levando em consideração, por exemplo, a dimensão geográfica do Brasil e a diversidade de sociedades produto da mistura de culturas que os dois países apresentam, é difícil marcar um padrão de sobrevivência em sociedades com particularidades tão diversas, mas, os países estabelecem bases apoiadas em determinados parâmetros, tais como o consumo. O caso brasileiro estabelece uma linha de pobreza extrema se o consumo mensal for inferior a de 77 reais por mês. No caso peruano, declara-se extremamente pobre aquela pessoa que registra um consumo mensal inferior aos S/.155 nuevos soles (aproximadamente US$ 52). Cabe também mencionar que, considerando o valor transferido e as políticas envolvidas nos PTR (saúde e educação), a qualidade dos seus serviços, o padrão das exigências dos usuários, as estratégias de acompanhamento e as possibilidades de mudanças das

condições de vida a longo prazo, o conceito de necessidades básicas satisfeitas podem se apresentar como algo ainda distante da realidade dos respectivos países. Além disso, esse conceito constitui um desafio frente às políticas focalizadas, já que a satisfação de necessidades é um direito de todos os cidadãos, que se concretiza por meio de políticas universais, portanto, um horizonte ainda distante das metas traçadas pelos PTR.