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O gênero publicitário é um discurso matizado pela cultura em que está inserido. Este discurso utiliza a língua da comunidade e escolhe o léxico mais apropriado, assim como a imagem e o produto. Trabalha dentro de um contexto, de um “ambiente visual”, que contribui para a compreensão da mensagem.

Tal discurso se relaciona com a encenação de um ato de linguagem, o qual vem a ser uma espécie de representação cenográfica de um dizer social, de um pronunciamento contextualizado por fatores de ordem psicossocial e da linguagem: um jogo cênico, discursivo, amparado pelo circuito do fazer psicossocial - que é o lugar situacional da enunciação - e o circuito da organização do dizer, que é o lugar do discurso. Assim, por esse ângulo, o discurso é o lugar onde o sujeito encena uma dada significação e, não raro, esse processo registra suas marcas em um texto, materialização possível de um ato de linguagem.

Dessa forma, a publicidade induz a uma visão dinâmica do social, privilegiando implicitamente as ideias mais atuais e usa conotações culturais, icônicas e linguísticas, sobretudo, as que veiculam estereótipos mais facilmente codificáveis e compreensíveis, como na campanha publicitária do Guaraná Antártica, com o jogador da seleção argentina Maradona. Utiliza também modelos globais de conhecimentos e baseia neles suas mensagens, para que a intercomunicação se faça com rapidez, clareza e persuasão.

Segundo Carvalho (1996, p:106), o texto publicitário, independente da mensagem implícit a, reflete uma sociedade de consumo e conduz a uma representação da cultura a que pertence, permitindo estabelecer uma relação pessoal com a realidade particular. Além disso, institui uma nova linguagem, porque as variantes combinatórias recortam as significações, criam um repertório e um léxico adequados a esse gênero.

É o que acontece na campanha publicitária da cerveja Brahma de 2008 que, além da linguagem verbal, usa imagens de cidades brasileiras para contextualizar o apelo publicitário na comunicação.

Figura 29

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O vídeo começa com o amanhecer das duas cidades mais conhecidas do Brasil. A primeira imagem é o “cartão postal do Rio de Janeiro” (vista do Cristo Redentor) e a segunda é de um prédio em São Paulo, destacando a imponência financeira desta cidade brasileira.

A próxima figura mostra a crença de um povo que não perde a alegria e nem a esperança diante das dificuldades do dia a dia. Nessa imagem as cores aparecem de maneira contrastiva (praticamente preto e branco com uma nuance alaranjada ao fundo), justamente para enfatizar esse antagonismo entre a esperança e o sofrimento, independente do credo religioso seguido por esse povo. A letra do samba cantado por Zeca Pagodinho no comercial define bem esta imagem: “De manhã cedo eu me benzo,

me levanto e vou trabalhar...”

Na sequência do comercial, aparecem pessoas começando mais um dia de trabalho, ressaltando a característica de um povo trabalhador que desperta cedo para “pegar no batente”, muitas vezes, sem hora para terminar. Infelizmente, essa não é uma imagem passada lá fora, pois como o brasileiro é um povo muito alegre e festivo o estrangeiro acredita que aqui no Brasil as pessoas vivem do samba e do carnaval, sem encarar a responsabilidade diária do trabalho.

O detalhe dessa figura é a pouca iluminação, típica de um amanhecer, que reforça o otimismo do brasileiro na expectativa de que “dias melhores virão”.

Figura 32

As figuras seguintes mostram a variedade das profissões no Brasil – que vão desde entregadores a engenheiros civis. Esta variedade revela a diferença social no país, marcada pelo grau de escolaridade e pela remuneração do serviço prestado.

Figura 34

Figura 35

As próximas figuras também estão relacionadas ao mercado de trabalho e apresentam “serviços mais pesados” desempenhados por mulheres, assim como serviços de cozinha realizados por homens. Essas imagens desmitificam o rótulo atribuído às mulheres como seres de um sexo frágil, incapazes de desempenhar qualquer papel que não esteja relacionado aos serviços domésticos, ainda mais se for um emprego em uma automotiva. O mesmo acontece com os chefes de cozinha, que apresentam uma incrível habilidade na preparação de requintados pratos.

Figura 36

Figura 37

Neste comercial também ganha destaque a estima que o brasileiro tem por sua família. Mais do que uma relação de cordialidade, coloca-se em evidência a necessidade de estar junto, celebrando a simplicidade da vida no dia a dia. Isso fica ainda mais claro nas imagens de um abraço afetuoso entre pai e filho, assim como na do típico almoço em família, em que todos estão reunidos. Essa sequência é acompanhada da letra da música que mostra a preocupação com os valores passados de geração em geração: “Do

meu pai e minha mãe eu aprendi o que eu sei e os meus filhos vão herdar o nome limpo que eu herdei...”.

Figura 38

A mesma estima também acontece nas relações de amizade, celebrada em confraternizações depois do trabalho. É assim que Zeca Pagodinho relata estes momentos: “E no final daquele dia duro de batente, é a hora da minha Brahma que eu

também sou gente. A vida não tem graça sem ter os amigos e o que celebrar”

Figura 40

Mas como o povo brasileiro, em geral, gosta mesmo é de celebrar, não há melhor cenário do que um momento de confraternização com os amigos em um bar e, de preferência no domingo, dia em que a maioria não trabalha.

É nesse contexto que o cantor Zeca Pagodinho canta com o orgulho, batendo no peito, o refrão da música apresentada no comercial: “Eu sou Brahmeiro amor, eu sou

Brahmeiro. Sou do batente, sou da luta, sou guerreiro, eu sou brasileiro!”

Figura 42

A última frase do refrão -“Sou do batente, sou da luta, sou guerreiro, eu sou

brasileiro!”- sintetiza as características de um povo que, apesar de ser batalhador,

enfrenta as adversidades do dia a dia com esperança, bom humor e alegria. Esse ethos coletivo reforça não só o estereótipo desse povo, como também destaca o seu “ jeitinho brasileiro de levar a vida”.

Segundo Trindade (2005, p: 81-3), em um movimento aparentemente paradoxal, a publicidade, na necessidade de realizar ajustes mercadológicos para uma atuação eficaz em determinados contextos, faz uso dos signos e valores das culturas locais, regionais e nacionais como apelos de sedução ao consumo, buscando aproximar-se de seu público-alvo e instaurar, neste movimento, a identificação das marcas anunciadas com os valores das culturas nacionais que incluem também os signos das culturas regionais e locais dos contextos em que atuam.

Neste vídeo, por exemplo, a cultura nacional se faz presente através das imagens que mostram a maneira do brasileiro levar a vida no trabalho, na família e com os amigos, tendo como fiador o cantor Zeca Pagodinho, que canta no comercial o orgulho

de ser brasileiro. Essa valorização de um “sentimento nacionalista”, busca seduzir o público-alvo, numa linguagem de identificação, mas que indiretamente apela para o consumo do produto anunciado.

Esse anúncio termina com a imagem da cerveja Brahma, “estupidamente gelada”, quase transbordando do copo, com a intenção de provocar o desejo de consumo no telespectador. Valoriza também o rótulo da garrafa - estrategicamente posicionada ao lado do copo - que foi propositalmente alterado para o formato de um coração, a fim de reforçar a imagem desse produto no mercado como uma paixão nacional.

Figura 43

Toda campanha publicitária acontece para motivar a aceitação de um produto no mercado e, por isso, precisa conhecer os interesses do público-alvo para atingir o objetivo de vender o que anuncia. A cultura desse consumidor e a relação custo- benefício também devem ser levadas em consideração para evitar desperdício nesse mercado tão competitivo, uma vez que a lei da procura e da oferta nem sempre funciona com todos os produtos.

A cultura, mais do que servir como elemento de identificação com o consumidor, assume um papel do modo de ser desse povo.

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