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Situação II Somente seria possível transferir o potencial construtivo até o limite do coeficiente básico, subtraindo-se o potencial construtivo utilizado pela edificação existente.

QUADRO COMPARATIVO DOS MUNICÍPIOS Fins da utilização da TDC

Porto

Alegre Curitiba Goiânia Salvador

Utilização para Regularização fundiária (RF), Equipamentos públicos e

comunitários (EQ), Preservação de Patrimônio Histórico (PPH), Preservação Ambiental (PA), Política Habitacional para população de baixa renda (HBR)

EQ, PPH, PA RF, EQ, PPH, PA RF, EQ, PPH,PA, HBR RF, EQ, PPH, PA

Haveria algum outro fim para a utilização da TDC, além daqueles definidos pelo Estatuto da Cidade?

Não Não Não Não

CONCLUSÕES

À política urbana são trazidos, ao nível federal pelo Estatuto da Cidade as diretrizes e os princípios de justiça social como a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização e a recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos. Também se consideram a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico. O aspecto social configura-se nos mecanismos de regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.

Para se fazer cumprir o estabelecido pelas suas diretrizes e pelos Planos Diretores municipais, o Estatuto da Cidade legitima, através de normas gerais de aplicação, diversos instrumentos de indução do desenvolvimento urbano, de regularização fundiária, de financiamento da política urbana e de democratização da gestão urbana. Observa-se que mesmo diante da normatização quanto à existência e à possibilidade de aplicação dos instrumentos, o Estatuto da Cidade assevera que “podem” ser utilizados os instrumentos, não concluindo quanto à obrigatoriedade de sua aplicação, o que culmina com a verificação da sua necessidade por cada Município, além da viabilidade prática, financeira e operacional e vantagens da utilização dos instrumentos. As administrações municipais não podem desconsiderar que a implantação dos instrumentos urbanísticos exige recursos públicos financeiros, técnicos especializados e constantes estudos urbanísticos.

Dentre os instrumentos de política urbana está a Transferência do Direito de Construir (TDC), como vimos, entendida como a autorização concedida ao proprietário de imóvel urbano a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente.

Esta deliberação é limitada quando o imóvel for considerado necessário para fins de implantação de equipamentos urbanos e comunitários; preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural; servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social, podendo ser concedida ao proprietário que doar ao Poder Público seu imóvel ou parte dele.

Anteriormente ao Estatuto da Cidade, o instrumento foi proposto em diversos municípios. Em 1975, a legislação de Porto Alegre trazia a noção do instrumento, sendo desenvolvido um pouco mais pelo Plano Diretor de 1979, sendo hoje o instrumento regulamentado pelo PDDUA de 1999. Na década de 80, Curitiba e Salvador instituíram o instrumento, e mais tarde, nos anos 90, instituído pelo Município de Goiânia.

O relativo pouco tempo de utilização do instrumento, se comparado a outros, não permitiu a consolidação da aplicação da TDC. Cada uma das experiências pesquisadas, tanto em seus aspectos positivos quanto negativos, pode servir de base prática para ajustes em outras legislações municipais, pois se percebe que ainda são necessários mais estudos e discussões para o aprimoramento da aplicação dos instrumentos apresentados pelo Estatuto da Cidade, bem como um maior intercâmbio de conhecimentos técnicos entre administrações municipais.

Com essa investigação, foi possível observar que, para a efetiva utilização do instrumento é desejável que sejam estabelecidos critérios e áreas específicas para a recepção de potencial construtivo transferido, sendo considerado dentre os principais critérios está a relação da densidade construtiva com a capacidade de suporte da infra-estrutura instalada ou projetada, com o intuito de que a recepção de potencial construtivo não acarrete danos à qualidade ambiental da cidade.

Tão importante quanto as definições para a aplicação do instrumento, é o controle constante de densidades e o monitoramento dos impactos nas áreas receptoras a serem adensadas. A aplicação da TDC, necessariamente, deve ser coordenada pelo poder público, através da criação de base de dados (cadastro) municipal sobre a as operações de TDC, com o propósito de controlar o estoque disponível de potencial construtivo no mercado de forma a não permitir excessos, bem como uma atuação integrada entre as secretarias envolvidas com a TDC.

A TDC tem sido apontada pelas equipes técnicas municipais, mesmo que com algumas ressalvas, como uma alternativa viável para a preservação de imóveis de valor artístico, cultural, arquitetônico e histórico, e na ampliação ou preservação de áreas verdes, tal como na viabilização de obras de infra-estrutura urbana e em programas de regularização fundiárias, ainda que com essas possibilidades convivam questionamentos sobre a eficácia e os mecanismos desse instrumento.

Os resultados positivos identificados pelas administrações municipais giram em torno, principalmente da possibilidade do município investir em infra-estrutura urbana sem desembolsar recursos para adquirir dos terrenos necessários e para programas de preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural dos municípios, além de facilitar a incorporação de áreas públicas ao patrimônio municipal.

Em Porto Alegre, o instrumento foi considerado o principal meio viabilizador do financiamento das desapropriações decorrentes da implantação de um importante eixo viário do município. Em Curitiba, a TDC foi utilizada para ampliar as áreas de unidades de conservação por meio de anexação de propriedades inteiras ou frações, que pelas suas características físicas ou biológicas possam ampliar os benefícios já proporcionados por essas unidades de conservação. No Município de Goiânia, os impactos positivos dizem respeito diretamente ao acréscimo do volume de áreas públicas incorporadas ao patrimônio público por força da transferência, que tem enriquecido o patrimônio ambiental do município. A Transcon, em Salvador tornou possível a regularização fundiária de alguns grandes bairros populares da cidade e também a conservação de áreas de valor ambiental.

Entende-se que o instrumento carece de revisões, em face dos eventuais desvirtuamentos de suas finalidades, principalmente da fixação de fronteiras entre as suas atribuições e as dos outros instrumentos que permeiam as finalidades previstas para a TDC.

Ao lado dos resultados positivos a aplicação da TDC tem se dado em meio a críticas e conflitos de aplicabilidade. Diante das especificidades que somente podem ser verificadas em cada município pesquisado, os obstáculos para a implementação do instrumento se diversificam, sendo possível observar, a partir dessas experiências, que ainda não estão suficientemente aprimoradas as formas de aplicação e gestão do instrumento.

As críticas giram entorno, especialmente, dos mecanismos de transação entre particulares, do caráter compensatório do instrumento em face de limitações administrativas

ao direito de construir, a sua utilização sem planejamento como “moeda de troca” para o município, a TDC como causa do sobre-adensamento indesejado e não planejado. Os principais problemas aplicabilidade do instrumento decorrem do excesso de potencial construtivo disponível, da concorrência do instrumento com a OODC e da geração não planejada de densidade nas diversas áreas da cidade.

Apesar dos vários problemas encontrados pelas administrações municipais na implementação da TDC, nenhuma delas cogita a supressão do instrumento no município. O entendimento comum dentre os municípios pesquisados é que a regulamentação e a operacionalização do instrumento, bem como os mecanismos públicos de gestão e controle - principalmente quanto aos impactos gerados pelo incremento de densidade nas áreas receptoras de potencial construtivo - precisam ser revistos e aperfeiçoados.

Ademais, a partir de uma análise mais detida, percebe-se que algumas críticas à TDC são conduzidas por uma análise restrita ao instrumento isoladamente, sem relacioná-lo a outros aspectos, como a atribuição prévia de índices construtivos, e ignorando a sua interação com outros institutos urbanísticos e jurídicos concernentes ao planejamento urbano.

De fato, a TDC é apenas um dos diversos instrumentos do planejamento urbano. Fica evidente a necessidade de rever a relação entre os instrumentos do Estatuto da Cidade que devem ser previstos legalmente de forma que a sua interação possa ser coordenada e coerente com a aplicação dos demais instrumentos, de modo que um não crie empecilhos ou transtornos para a aplicação de outros, uma vez que a aplicação da TDC coincide com as esferas de atuação de outros institutos como o Tombamento, a Desapropriação e a Usucapião, e em especial com a Outorga Onerosa do Direito de Construir.

Portanto, todos esses efeitos adversos apresentados quando da aplicação da TDC devem ser analisados por uma perspectiva mais ampla, que abarque os demais instrumentos urbanísticos e as conseqüências de suas inter-relações. Entende-se que os problemas apontados e as veementes críticas à TDC não devem ser considerados impedimento à sua utilização, mas sim indicar a direção para os possíveis ajustes a serem realizados pelas administrações municipais para que o instrumento torne-se efetivamente atuante para seus propósitos principais.

Pode-se, ainda, considerar que muitos problemas de aplicabilidade decorrem da falta de entendimento sobre os mecanismos de funcionamento, a uma gestão pouco controlada e à

complexidade operacional do instrumento. Além da própria complexidade em sua operacionalização, a TDC possui questões na base de seu entendimento que ainda permanecem controvertidas, carecendo de um debate mais amplo, por exemplo, sobre a titularidade do direito de construir.

Reafirma-se a necessidade de se estabelecer limitações explícitas para a aplicação da TDC, em que a legislação municipal deve organizar as questões que subjazem de forma a impedir impropriedades como a ocorrência de utilização da TDC em áreas não edificáveis, ou de outra forma, organizar questões administrativas quanto ao exercício da utilização da TDC, bem com a possibilidade de sua comercialização entre particulares.

Por fim, ainda permanecem algumas questões a serem reveladas à medida que o sistema de transferências de direitos de construção se desenvolva. Ainda, permanecem questões em aberto que merecem atenção, tais como a utilização conjunta do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e a cobrança ou não de taxas ou impostos imobiliários sobre as operações de TDC.

Os critérios quanto ao êxito ou insucesso da aplicação do instrumento devem partir da relação entre as metas inicialmente traçadas para o instrumento e os resultados alcançados, tendo sempre em vista os impactos urbanísticos resultantes da aplicação do instrumento. Expectativas sobressaltadas a respeito do desempenho do instrumento podem, de certa forma, frustrar a realização de pequenos avanços no campo urbanístico.

Conclui-se, com este trabalho, que a TDC somente pode funcionar adequadamente se concebida e utilizada dentro de um contexto mais amplo e de longo prazo de planejamento e gestão urbana, que estabeleça uma inter-relação entre os seus instrumentos, com uma concepção coerente com a regulamentação de outros institutos jurídicos concernentes ao tema.

Não se pode esquecer que os instrumentos urbanísticos devem atender às bases e às diretrizes do Estatuto da Cidade, inclusive à função social da propriedade e à função social da cidade, pois os instrumentos só fazem sentido se desenvolvidos pelas administrações municipais em prol da coletividade.