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A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

QUAIS PODEM SER NOSSAS AÇÕES?

¾ a falta de contato e hábito de leitura ¾ dificuldade de interpretar

¾ dificuldade para ver além da sua realidade e para perceber o mundo escrito

¾ o uso de linguagem

¾ dificuldade para perceber a importância da escolarização na vida

¾ dificuldades neurológicas e visão

¾ equipe multidisciplinar ¾ atividades de reflexão e debate ¾ palestras

¾ dinâmicas

Quadro 3: Dificuldades de aprendizagem na EJA X Possíveis ações – construído na reunião do

grupo do dia 29/06/05

As dificuldades relatadas pelas professoras apresentam elementos para reafirmar a importância de estudos sobre a aprendizagem do adulto. É preciso desvendar os processos sócio-cognitivos do adulto, procurando entender o que impede o seu desenvolvimento.

Os estudos realizados em educação escolar de jovens e adultos trabalhadores parecem mostrar que os alunos com dificuldades para aprender, carregam consigo a concepção de aprendizagem como sinônimo de repetir ou guardar de memória, ranço da escolaridade tradicional de crianças ou dos próprios filhos; não compreendem, por exemplo, a relação entre “efetuar” e “resolver” quando têm que fazer alguma atividade. Pode- se ensinar-lhes e eles podem aprender, mas é necessário que haja uma instrução bastante orientada, de preferência com utilização vasta de sinônimos dos conceitos e/ou palavras empregadas nas tarefas de aprendizagem. (PICONEZ, 2005, p. 4)

Juntamente com estes conhecimentos sobre o adulto, as ações sugeridas pelo grupo podem oferecer maior segurança ao professor visto que a presença de uma Equipe Multidisciplinar que acompanhe o professor, que encontre em conjunto alternativas para o desenvolvimento dos educandos com mais dificuldades é primordial. Da mesma forma, a busca por metodologias diferenciadas que proporcionem reflexão e debate ajudará a minimizar as dificuldades encontradas

pelo aluno. Procurar motivar o aluno através de palestras com diversos temas pode contribuir.

As dificuldades dos alunos e a dificuldade de saber lidar com elas angustiam o professor, principalmente porque, às vezes, se vê em situações como a fome que foge da sua responsabilidade. Outras vezes, passa por situações que não encontra explicações. No encontro de discussão sobre esta temática uma professora questionou:

Tá, eu sei que é um texto teórico de estudos, mas como fica então os casos dos alunos como nós tivemos: um que ficou 10 anos na escola, tinha uma família super legal e com condições, era um líder da turma, mas não aprendia? Passou por várias professoras, diferentes metodologias, mas não conseguia aprender nem as vogais? (Diário de Campo, Mariglei, 08/06/05)

Essas interrogações da professora mostram que o professor, além de um conhecimento do desenvolvimento cognitivo do adulto precisa saber sobre os processos do tipo motivacional e o sócio-afetivo, configurando a necessidade de um conhecimento sócio-cognitivo. A aprendizagem dos jovens e adultos precisa ser explicada a partir da perspectiva social e afetiva. (PICONEZ, 2005)

Nesse sentido, com jovens e adultos torna-se inviável a educação bancária, o mero conteudismo. Trabalhar na perspectiva da cidadania, que se pensa como fundamental para EJA, significa acreditar que todos os alunos aprendem, e é a partir das necessidades dos sujeitos, que se constroem conhecimentos significativos para promover as suas transformações e a da realidade da qual fazem parte.

O estudo e as constatações na prática nos fazem repensar sobre a aprendizagem e as dificuldades dos alunos da EJA. Esses possuem uma distância temporal da escola e do ambiente considerado alfabetizador. O professor como um dos grandes responsáveis por desencadear o processo de aprender, às vezes, sente-se impotente diante dos alunos que não conseguem aprender.

A reflexão a seguir, revela a angústia que como professora, eu senti com o acesso à EJA e as dificuldades de aprendizagem dos alunos bem como as dificuldades diárias dos sujeitos que procuram a EJA.

Nossos alunos são marcados pela exclusão da escola e têm uma vida muito sofrida. Meus alunos passam fome e sem ter essa necessidade básica realizada como quero que aprendam? Faço o possível, mas é difícil. Penso seriamente que, junto com o direito à educação, nossos alunos precisam de garantia de dignidade, ou seja, que possuam comida na mesa e acesso à saúde de qualidade. Nossos alunos precisam também

ser valorizados em suas inteligências múltiplas. Nós precisamos valorizar suas habilidades, mostrando que temos diferenças. Da mesma forma precisamos encorajá-los a buscar coletivamente saídas para as dificuldades que enfrentam. (Diário de Campo, Mariglei, 29/06/05, grifos meus)

Essa reflexão reforça que as dificuldades dos sujeitos da EJA vão além das de aprendizagem, envolvem necessidades sociais e econômicas, as quais sabemos que o brasileiro passa cotidianamente, por já não terem estudo não possuem trabalho e condições dignas de vida. Nossas ações precisam fazer com que sintam forças para encontrar alternativas de mudança de vida. Para isso, precisam sentir-se capazes, valorizados em suas múltiplas capacidades. Se um aluno não tem habilidade para desenhar pode ter para cantar, para criar poesias ou encenar, para criar artesanatos e assim sucessivamente. O professor tem que estar sensível às diferenças e às inteligências dos alunos. Diante disso a discussão sobre o currículo é primordial entre todos os sujeitos da EJA, para que não se caia no desenvolvimento de práticas utilitaristas.

Repensar nossas ações pedagógicas, discutir coletivamente outras práticas possíveis, produzir conhecimento em conjunto. Para isso, é imprescindível que conheçamos quem é o aluno real que está na escola e suas expectativas quando resolvem retornar aos bancos escolares. Quando isso não acontece, o currículo proposto não atende aos anseios dos alunos e o conhecimento passa a ter apenas um caráter utilitarista. (EUGÊNIO, 2005, p.16)

Assim, as ações citadas pelas professoras (quadro 3), como possibilidades para minimizar as dificuldades de aprendizagem dos alunos, são fundamentais junto à elaboração de um currículo contextualizado e ressignificado. As secretarias e coordenadorias, bem como os gestores e os professores devem lutar para que essas ações sejam garantidas no dia-a-dia da EJA, principalmente ao acesso de profissionais que promovam o bem-estar físico e psicológico do aluno. A dinamização da aula com debates e a reflexão são muito importantes também.

As metodologias que apresentam maior sucesso no ensino com pessoas adultas são aquelas que resgatam o cotidiano de seu contexto cultural, partem do concreto, dinamizam as relações entre os participantes, tanto em pequenos como em grandes grupos, contribuem para reforçar valores ou idéias arraigadas culturalmente. (PRADA, 1997, p. 85-86)

Essas constatações nos levam à discussão dos conhecimentos que são importantes para os alunos da EJA. Fizemos essa reflexão no grupo, a qual tratarei a seguir.

2.3.4- Conhecimentos na EJA

O grupo, após a construção de algumas atividades para o trabalho com os alunos, refletiu sobre quais conhecimentos são importantes37. Cada professora registrou em seu Diário o seu entendimento. A professora Marlize sintetizou os aspectos levantados pelo grupo:

¾ Entender o contexto em que vive;

¾ Saber situar-se e localizar-se no tempo e no espaço;

¾ Cálculos, leitura e escrita ligados ao contexto do aluno;

¾ O conhecimento amplia o exercício da cidadania;

¾ Aplicabilidade dos conhecimentos matemáticos e leitura e escrita.

(Diário de Campo do grupo, escrito por Marlize, 03/08/05)

Percebe-se que as professoras possuem a compreensão de que os conhecimentos trabalhados na EJA devem estar ligados com a experiência e o contexto dos mesmos. O aluno adulto tem uma forte relação com o trabalho, ou já exerce uma profissão ou está na EJA para conseguir um emprego. Essas relações têm que ser levadas em conta e assumirem uma permanente troca de experiências e construção de conhecimentos.

Essa carga de experiências das pessoas trabalhadoras estudantes constitui-se no fundamento sobre o qual “aprendem” na escola os conhecimentos programados no currículo. Estes estudantes esperam da escola ajuda para superar problemas de conhecimentos cotidianos, de alguma forma desejam ter conhecimentos relacionados com seu próprio trabalho; as relações de produção, a ideologia e política por trás de sua exploração como trabalhadores; as diversas relações econômicas sejam remuneração salarial, ou condições de vida, embora não enunciem nestes termos. (PRADA, 1997, p. 80-81)

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Segundo a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos para o 1º Segmento os blocos de conteúdos e tópicos de estudos são organizados em três Áreas: Língua Portuguesa, Matemática e Estudos da Sociedade e da Natureza. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja/propostacurricular/primeirosegmento/propostacurricular .pdf>

Então os conhecimentos trabalhados na EJA necessitam ir além de somente passar conteúdos ao aluno, mas de fato levá-los ao processo de letramento e de superação das necessidades ligadas ao trabalho e à vida.

2.3.5- Partilhando38 conhecimentos na EJA

A

LUNO DA

EJA

O aluno da Educação de Jovens e Adultos busca superação de rótulos pré-estabelecidos por si mesmo e pela sociedade.

Cabe ao professor acolhê-lo promovendo atividades socializadoras e motivadoras, no sentido de garantir sua permanência na escola.

Numa próxima etapa, o professor seguro da apropriação pelo aluno do prazer em estar na escola deverá instigá-lo e despertá-lo para o interesse pelo aprender a aprender.

A sala de aula na EJA deve ser um laboratório de aprendizagem onde o conhecimento do aluno seja relevante ao mesmo e se estabeleça uma troca constante entre educando e educador.

A metodologia aplicada para o aluno da EJA deve ser clara, objetiva, coletiva, envolvente e apaixonante onde o educador deve rever seus conceitos, despindo-se de pré-conceitos, promovendo assim mudança de comportamento pedagógico, contextualizando teoria e prática.

Educador de EJA mais aprende do que ensina, mais ouve do que fala, motiva-se a partir da motivação do aluno.

Educar na EJA é prazer, aprendizagem, interação, descobrimento, superação, discernimento, enfim é estar vivo para a educação. (Texto

Coletivo escrito pelas professoras Celita, Luisa, Rosa, Eclar e Mariglei em

uma reunião, 18/05/05)

Esse texto ressalta, em primeiro lugar, a importância da construção coletiva, da partilha e solidariedade (BRANDÃO, 2005). Quando se tem a possibilidade de construir coletivamente, há uma automotivação que proporciona felicidade e desejo de fazer diferente em educação. A seguir relato como terminou a reunião na qual construímos o texto: “Penso que posso me sentir feliz, pois estavam esperando para fechar a escola e via nas colegas o desejo de continuarem aprendendo em conjunto. Também pela forma motivada com que saíram da sala.” (Diário de Campo, Mariglei, 18/05/05)

Em segundo lugar, o texto evidencia que as professoras da EJA possuem saberes sobre essa modalidade, que ao serem colocados em conjunto, ampliam-se

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Uso este termo embasada nas considerações do livro “A canção das sete cores: educando para a paz” de Carlos Rodrigues Brandão (2005) que na página 101 expressa “compreendemos algo que aprendemos quando partilhamos com uma comunidade de pessoas o saber e o sentido do que, juntos e entre as nossas diferenças, compreendemos. Toda a compreensão é solidária. Não há saber solitário”.

ou modificam-se. E por último, gostaria de destacar as considerações sobre o professor na EJA: “este mais aprende do que ensina, mais ouve do que fala, motiva- se a partir da motivação do aluno”. Essas constatações mostram o que diz o Parecer CNE/CEB 11/2000 quando expõe que o professor atuante nessa modalidade tem que ter uma atuação empática com os estudantes e estabelecer o exercício do diálogo.

Dessa forma, percebe-se que o cotidiano das escolas de EJA em Santa Maria, exemplificadas nesta pesquisa pelas escolas que fazem parte do grupo possui experiências comuns ao universo da EJA. As escolas vivenciam a evasão e as peculiaridades dos jovens e adultos, muitas vezes, sem ter onde buscar conhecimentos para vencer estes desafios.

Os professores já acumulam uma história profissional e, apesar de terem uma jornada apertada, dispõem-se a estudar juntos. A experiência do grupo mostrou que é possível aprender juntos e superar as dificuldades de uma formação inicial que não contemplou conhecimentos sobre a EJA.

As escolas de Santa Maria vêm buscando construir práticas significativas com os seus alunos, porém as experiências não são sistematizadas. Em várias escolas, constatamos práticas que poderiam servir para pensar outras realidades, mas ficam isoladas, sem divulgação. O cotidiano da EJA é perpassado por experiências significativas, dificuldades comuns e necessidades que podem ser supridas por uma formação continuada centrada na escola.

PARTE II