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Peirano (1991) afirma que a Antropologia está “preocupada com a especificidade de seu objeto de pesquisa”, se apresentando como uma Ciência Social que é “paradoxalmente a mais artesanal e a mais ambiciosa: ao submeter conceitos preestabelecidos à experiência de contextos diferentes e particulares, ela procura dissecar e examinar, para então analisar, a adequação de tais conceitos” (PEIRANO, 1991, p. 44). É bem verdade que não existe um método rígido que defina a pesquisa de campo, mas, como a própria autora afirma há “linhagens” que apontam a que fins a pesquisa deseja atingir. Para Marisa Peirano a “transmissão de conhecimento”, bem como a “formação” de novos especialistas passa por um processo de “refinamento de conceitos” mantendo-se, porém, os problemas. Assim, os autores nunca se tornam propriamente ultrapassados (1991, p. 46).

Cardoso de Oliveira (2006), esclarece que, em termos epistemológicos,uma investigação norteada pelo método não é privilégio do pensamento empirista ou racionalista, uma vez que tanto um como outro o concebem como “idéia organizadora”, através da qual se põe ordem “no mundo das coisas” e no “dos conceitos”:

[...] seja pela nítida separação cartesiana entre pensamento e extensão, pela qual se assegura a objetividade de um espírito debruçado sobre a realidade externa, a começar pela de seu próprio corpo; seja pela domesticação metódica de uma experiência descontaminada da presença perturbadora do sujeito cognoscente (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2006, p. 74).

Vidich e Lyman acreditam que uma pesquisa social etnográfica qualitativa exige uma “atitude de desligamento” em relação à sociedade, permitindo a observação da conduta “do eu” e “dos outros” com o objetivo de entender os mecanismos dos processos sociais, compreendendo e explicando “por que os atores e processos são como são” (2006, p. 49). Assim, a própria “atitude” do pesquisador passa a ser um método. Como nos chama atenção Cardoso de Oliveira (2006), nossa percepção de mundo é moldada pela disciplina, ainda que o campo nos seja próximo ou distante, o “olhar, ouvir e escrever” já foi direcionado. Isto acontece por que aprendemos a pensar metodicamente, não apreendendo apenas o aparato teórico. Mas há outra dimensão na

qual se constrói o método: no próprio campo. Ele, ao mesmo tempo que influencia e direciona nosso trabalho é também influenciado e moldado por este.

Segundo Marcus (2009) o trabalho de campo, ainda hoje e apesar das críticas, é moldado pela “expectativa da cena Malinowskiana”. A estética visual é também a estética do método e a etnografia é definida como o instrumento formal do ensino do método (MARCUS, 2009). Propondo um trabalho de campo multissituado, não tal como Bourdieu 14, mas multissituado mesmo em suas tendências, Marcus (2009) faz um paralelo entre experiências de trabalhos artísticos e antropológicos interligados, neste caso por artistas, e propõe que a antropologia se abra para a percepção desta estética, que já estaria embutida nela própria, reinventando seu próprio método. Para Marcus, “ao reinventar o trabalho de campo, é uma certa estética poderosa e estabelecida que está sendo endereçada para oferecer uma nova concepção, e isso é pelo menos tão importante quanto o apelo das técnicas em si” (MARCUS, 2009, p. 27).

A partir dessa compreensão, de que a própria estética do método é visual, como propõe Marcus (2009), e de que a escrita etnográfica é alegórica (CLIFFORD, 2002) por que, então, a Antropologia ainda tem dificuldade em incorporar de vez o Visual como um método (mais do que como técnica)?

Para Pink, um mergulho na “nova” literatura da pesquisa visual, possibilita uma clareza em relação aos interesses comuns entre os pesquisadores visuais contemporâneos de diferentes disciplinas. Estes seriam a reflexividade, a colaboração, a ética nos processos de produções imagéticas, bem como uma relação entre contexto social, conteúdo e a “materialidade das imagens” (PINK, 2005, p. 62). Tais temáticas já se faziam presentes nas proposições lançadas por Jean Rouch, antecipadas em 1940, mas é em 1980 que a visão da câmera como uma “ferramenta auxiliar” será questionada (GUARINI, 2005, p. 88).

Sarah Pink (2005), analisando produções recentes que se referem à Antropologia Visual, afirma que ainda se tem considerado a disciplina como portadora de uma ética

14 Para Wancquant “Bourdieu pode ser encarado como um precursor ímpar da etnografia “multissituada”

[“multi-sited” ethnography], décadas antes dessa ser identificada como um gênero metodológico distinto”. Sua concepção e prática diferem da orientação contemporânea que, para o autor, “conduz um trabalho de campo que tem em conta pessoas e símbolos ultrapassando lugares e fronteiras, que estabelece conexões ao longo de vastas escalas geográficas e institucionais e que descreve fenômenos transnacionais ou supostamente globais” (WACQUANT, 2006: 21).

duvidosa, se pretendendo realista, entretanto, forjando acontecimentos e dispensando discrições. Deste modo, essas produções assumem o discurso do colonialismo ao analisar os trabalhos de Bateson e Mead e Evans-Pritchard como uma produção visual “equivocada”, como ocorre nas análises de Emmson e Smith (2000) (PINK, 2005). Tais considerações, entretanto, são classificadas pela autora como “irremediavelmente ultrapassadas” já que “a Antropologia Visual certamente progrediu”, a despeito das análises que utilizam como referência as propostas de Margaret Mead lançadas em 1975 “como sendo idéias dominantes na antropologia visual contemporânea” (PINK, 2005, p. 67).

A antropóloga Carmen Guarini (2005) considera a câmera como um instrumento de provocação: “al mismo tiempo que altera las situaciones que intenta registrar, posibilita una nueva manera de conocer esas mismas situaciones” (GUARINI, 2005, p. 87). A câmera, neste sentido, cria uma realidade que lhe é própria. Fabricando outra realidade, aquela estabelecida na relação entre quem registra e quem se deixa registrar, não se limita a isto. Ela se refere aos diferentes olhares que a utilizam e quando os agentes produtores da imagem são os ditos pesquisados, elas se referem também aos diferentes lugares que estes ocupam numa determinada sociedade, as suas aspirações, interpretações e mesmo criações, uma vez que nos referimos a um instrumento cinematográfico no qual criatividade e percepção são os elementos que compõem a imagem. Guarini sugere que

La cámara en el terreno de investigación comienza a tomar estatus propio, a formar parte de una serie de análisis teóricas particulares, que antes que elaborar conclusiones excluyentes abren a una seria discusión metodológica y espstemológica acerca de su uso en el proceso de conocimiento. Se trataba de utilizarla ¿Cómo instrumento para descripción? (Collier, 1992) o como postulaban otros ¿Para el descubrimiento? (France, 1979; 1982). Era una cámara que sobre todo ¿podía dar cuenta de la interacción? (Asch, 1995) ¿o de una reflexión sobre el mismo trabajo antropológico? (Rouch, 1979; Ruby 1995) (GUARINI, 2005, p. 88).

Desta forma, durante o processo de realização da pesquisa de campo, bem como dos registros imagéticos e suas respectivas produções, constatei o que Cardoso de Oliveira (2006) e Peirano (1991) sugerem sobre a característica do método em antropologia. Este sempre se adéqua ao seu objeto de estudo e é também formado no

próprio campo. Assim, pode-se dizer, no presente estudo, que o método de pesquisa visual se impôs em campo instigado pelas expectativas dos Tingüi-Botó em relação as técnicas inerentes a ele: fotografia e imagem em movimento, bem como a partir da própria visão da pesquisadora já “norteada”, relembrando as palavras de Cardoso de Oliveira (2006), pelo Visual.