• Nenhum resultado encontrado

Qualidade das práticas: questões de investigação

cApÍtulo i modelos conceptuais em intervenção precoce

2. Qualidade das práticas: questões de investigação

A partir da década de noventa do século passado, com a mudança do enfoque e dos objectivos dos programas de intervenção precoce, as questões de investigação prioritárias sofreram profundas alterações.

Bailey e colaboradores (1998), consideram que os estudos que visam avaliar a eficácia dos programas de intervenção precoce devem abordar as percepções que a família tem relativamente à sua experiência e à satisfação como participante no programa, bem como a influência que a intervenção precoce tem nos vários aspectos da vida familiar. Assim, e de acordo com estes autores, o avaliador deverá reunir documentação escrita e recolher informações a vários níveis:

a) dos coordenadores, ao nível da filosofia e modelos do programa e forma como estes reflectem um enfoque na família partilhado por todos os elementos da equipa;

b) dos profissionais que prestam serviços às famílias, ao nível das práticas de trabalho e da forma como estas reflectem a natureza da relação família/profissional, bem como as necessidades de formação e o grau de satisfação sentido por estes;

c) da família, relativamente à sua satisfação com o programa, assim como, em que medida a intervenção contribui para o aumento da sua competência para proporcionar um ambiente estimulante à criança e para a qualidade de vida familiar.

No entanto, a avaliação das práticas em intervenção precoce não deverá limitar-se a identificar as percepções de pais e profissionais ou a responder a questões relativas às acções desenvolvidas nos programas, mas deverá avaliar também eventuais discrepâncias entre os objectivos delineados e a forma como estão a ser efectivamente desenvolvidos na prática, e em que medida o programa cumpre as recomendações e legislação em vigor (Bailey, 2001; Dunst & Bruder, 2002).

A revisão da literatura evidencia que os efeitos dos programas de intervenção precoce no desenvolvimento das crianças são mediados pela qualidade do programa. Isto significa que o desenvolvimento da criança é ou não potenciado em função da melhor ou pior qualidade dos programas (Bruder, 1997; Bailey et al.1998; Guralnick, 2004). Contudo, tal como referem Kontos e Diamond (2002), estes resultados têm sido baseados em estudos que avaliam aspectos gerais da qualidade dos programas (por exemplo, organização do espaço, materiais e actividades para promover o desenvolvimento), mas não a qualidade dos serviços especializados e característicos da intervenção precoce (por exemplo, terapias, coordenação de serviços). Ainda assim, assume-se que os efeitos da intervenção precoce estão relacionados com a qualidade destes serviços (Aytch, Castro & Selz-Campbell, 2004; Bailey et al., 1998).

Uma das razões para a falta de dados é a inexistência de instrumentos para avaliar a qualidade em intervenção precoce existindo, por isso, a necessidade crescente de instrumentos vocacionados para aferir os padrões de qualidade destes serviços especializados. Tal como referem Bairrão e Almeida (2003), no nosso país, têm sido muito raros os programas de IP que se têm preocupado em realizar uma avaliação sistemática das suas práticas, havendo, por isso, a necessidade, quer de adaptar instrumentos de avaliação à nossa realidade, quer de criar novos instrumentos que possam elucidar-nos sobre o que se passa neste domínio.

Bailey e Wolery (2002) consideram que, num futuro próximo, o estudo das práticas deverá focalizar-se na avaliação de quais são os melhores modelos e programas para diferentes crianças e famílias. E, apontam várias questões de investigação, sendo que uma delas se prende especificamente com “a importância da qualidade do programa”, para o que são necessários estudos que visem o desenvolvimento de instrumentos de medida da qualidade dos programas de intervenção precoce.

A avaliação dos serviços de intervenção precoce é, presentemente, um domínio de considerável importância em Portugal. Contudo, tal como referem Bairrão e Almeida (2002), Cruz (2003) e Pimentel (2005), os estudos de

avaliação no âmbito da intervenção precoce têm sido, entre nós, bastante escassos e têm-se focado fundamentalmente nas percepções de profissionais e no grau de satisfação dos pais.

O modelo de intervenção centrado na família foi preconizado pelo Despacho conjunto 891/99. Contudo, esta abordagem não tem sido plenamente posta em prática, tal como indica o estudo realizado por Bairrão e Almeida (2002), que conclui que muitas práticas continuam a reflectir uma perspectiva de intervenção centrada na criança.

O estudo de Pimentel (2005) permitiu identificar discrepâncias entre as percepções de pais e de profissionais relativamente às práticas desenvolvidas, sugerindo a necessidade de se analisarem as práticas efectivamente implementadas no âmbito dos programas de intervenção precoce. Os resultados deste estudo revelaram, de um modo geral, que as práticas dos profissionais no Distrito de Lisboa não cumpriam os critérios de qualidade preconizados internacionalmente.

A investigação realizada por Almeida (2008) revela que os conceitos teóricos subjacentes às práticas estão em grande medida assimilados pelas equipas de intervenção precoce, mas verifica-se dificuldade na sua implementação. Os profissionais procuram operacionalizar o modelo de intervenção centrado na família, contudo no que diz respeito à componente participativa da família subsistem ainda muitas lacunas.

Dos resultados dos estudos publicados sobre avaliação de programas e práticas de intervenção precoce que foram desenvolvidos sobretudo na Região Norte e na Região de Lisboa, como referem Pinto, Grande, Felgueiras, Almeida, Pimentel e Novais (no prelo) “deduz-se a premência de dar continuidade à implementação de orientações legislativas bem fundamentadas e que possam contribuir para a consolidação das boas práticas, sendo a avaliação a nível nacional e a divulgação de resultados condições cruciais para que se promovam práticas efectivamente baseadas na evidência”.

Considerando que a avaliação dos programas, incluindo a autoavaliação dos profissionais, bem como a participação efectiva das famílias, são factores considerados importantes para o desenvolvimento das equipas de intervenção precoce (Winton, 2000), com base nas evidências empíricas referidas, propomo-nos, na presente investigação, analisar serviços de intervenção precoce e, ao fazê-lo, aprofundar o conhecimento sobre as suas práticas, definindo indicadores de qualidade.

Neste contexto, foram delineadas as questões de investigação que passamos, em seguida, a enunciar:

1. Em que medida a autoavaliação dos profissionais, no que diz respeito à qualidade das suas práticas em intervenção precoce, varia em função:

a) Da região do país em que a equipa/serviço de intervenção precoce está inserida: distrito de Portalegre ou zona metropolitana de Lisboa.

b) Do domínio profissional dos elementos que constituem as equipas de intervenção precoce: educação de infância, psicologia, serviço social, terapia da fala ou ocupacional.

c) Do tempo de serviço a desempenharem funções na sua categoria profissional.

d) Do tempo de serviço a desempenhar funções em programas de intervenção precoce.

2. Em que medida as práticas de apoio precoce efectivamente

implementadas pelos profissionais das equipas de intervenção directa diferem em função:

a) Do tipo de problemática dos casos apoiados: situações de condição estabelecida, risco biológico ou risco ambiental.

b) Do domínio profissional do elemento da equipa de intervenção directa a prestar apoio: educação de infância, psicologia,

serviço social, terapia da fala, terapia ocupacional ou fisioterapia.

3. Em que medida a autoavaliação da qualidade percebida pelos profissionais acerca do programa de intervenção precoce que se encontram a implementar é contemplada nas práticas de apoio precoce, efectivamente implementadas e observadas, no âmbito das equipas de intervenção directa.

4. Em que medida a autoavaliação dos profissionais, bem como as práticas de apoio precoce efectivamente implementadas pelas equipas, são coincidentes com as práticas de intervenção precoce recomendadas, baseadas em modelos teóricos internacionalmente reconhecidos.

Considerando que os estudos realizados até ao momento relativamente à realidade da intervenção precoce no nosso país, em geral, e à região do Alentejo em particular (Franco & Apolónio, 2008), se baseiam na avaliação indirecta das práticas com base em questionários ou entrevistas, este estudo pretende aprofundar o conhecimento acerca destas práticas, complementado os dados de inquérito com dados de observação das acções efectivamente implementadas. O papel da observação, como método de investigação qualitativa, permite ao investigador descobrir como as coisas de facto acontecem ou funcionam. Tal como salienta Flick (2005), as práticas só são acessíveis pela observação, as entrevistas e narrativas apenas dão acesso à descrição das práticas, mas não às próprias práticas.

Esperamos que, ao devolvermos os resultados desta investigação aos profissionais do terreno, eles possam ser aplicados na prática no contexto dos programas de intervenção precoce.

Porque é que os práticos não fazem o que a investigação recomenda? Porque é que os investigadores não estudam o que realmente interessa à prática?

1.

Método

No capítulo anterior, ao explicitarmos as questões de investigação, referimos que este estudo pretende realizar a avaliação de práticas, assinalando indicadores de qualidade nos programas de intervenção precoce.

O alvo principal deste estudo de avaliação foram, como anteriormente referido, as equipas de intervenção precoce a funcionar ao abrigo do Despacho Conjunto n.º 891/99, tendo sido seleccionado o distrito de Portalegre por conveniência de proximidade.

Os trabalhos efectuados por Hauser-Cram, Warfield, Upshur e Weisner (2000) salientam que a realização de um estudo avaliativo deve corresponder a um desejo dos profissionais envolvidos a diferentes níveis na implementação dos programas. Deste modo, quer os financiadores e gestores do programa, quer os profissionais que prestam serviços directos, devem estar de acordo relativamente ao tipo e objectivos da avaliação.

Nesse sentido, auscultámos, num primeiro momento, a Equipa de Coordenação Distrital de Portalegre, a qual integra representantes do Ministério da Educação, do Ministério da Saúde e do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, bem como das Entidades de Suporte (Instituições Particulares de Solidariedade Social), para averiguar do seu interesse na realização de um estudo para avaliação da qualidade das práticas de intervenção precoce no distrito.

A nossa proposta foi bem acolhida, visto ir ao encontro de uma necessidade já sentida pelos elementos da referida equipa, pelo que o estudo foi posteriormente apresentado, em reunião distrital, aos coordenadores e profissionais das Equipas de Intervenção Directa (EID). Procedeu-se, então, à explicitação dos seus objectivos, tendo sido analisadas as formas de colaboração futura, nomeadamente, em relação à participação dos profissionais e famílias.

Passamos a descrever, em seguida, toda a estruturação da investigação realizada, a qual tem como objectivo caracterizar a realidade dos serviços de intervenção precoce, estruturados de acordo com os princípios estabelecidos no enquadramento legal existente no nosso país, bem como avaliar o grau de implementação dos modelos subjacentes a uma perspectiva de intervenção centrada na família, e a adequação das práticas efectivamente implementadas pelos profissionais, na resposta às necessidades identificadas ao nível da criança, da família e da gestão dos recursos da comunidade.

1.1. Participantes

Definimos como amostra de conveniência para o nosso estudo, as Equipas de Intervenção Directa do distrito de Portalegre, que integra a região Alentejo. Nesta zona do país a implementação de serviços de intervenção precoce foi sendo estruturada com base nas directrizes preconizadas pelo Despacho Conjunto n.º 891/99 (que regulamentou, até Outubro de 2009, os serviços de intervenção precoce em Portugal), através do estabelecimento de Acordos entre Organizações Não Governamentais (que constituem as Entidades de Suporte das Equipas de Intervenção Directa) e Organismos Governamentais nos domínios da Educação (Direcção Regional de Educação do Alentejo), da Saúde (Administração Regional de Saúde do Alentejo/Sub- Região de Saúde de Portalegre) do Trabalho e da Solidariedade Social (Centro Distrital de Segurança Social de Portalegre).

Na decisão por efectuar a investigação no distrito de Portalegre, pesou o facto de aí se situar o nosso local de trabalho, designadamente a actividade docente que exercemos na Escola Superior de Educação, quer ao nível da

formação inicial de alguns dos profissionais que integram as EID,

nomeadamente educadoras de infância e assistentes sociais, quer da formação complementar e especializada em educação especial (sobretudo, ao nível da formação especializada em intervenção precoce). Tal decisão na escolha, possibilitaria um envolvimento em maior permanência, assim como uma profundidade diferente no conhecimento in loco das práticas implementadas.

Considerámos também, tal como anteriormente referido, a garantia de podermos cumprir o objectivo de analisar práticas que têm como paradigma de referência o normativo legal, em vigor à data da recolha de dados, para este domínio de intervenção.

Considerámos, ainda, como amostra para a nossa investigação alguns Serviços de Intervenção Precoce (SIP) da zona metropolitana de Lisboa, com o intuito inicial de estudar o instrumento de autoavaliação dos padrões de qualidade em intervenção precoce, mas que nos viria a permitir incluir também no nosso estudo algumas análises comparativas das práticas, promovidas por equipas de duas regiões com um historial diferente de criação de serviços.

1.1.1. Caracterização das Equipas de Intervenção Directa

Os elementos, de caracterização geral das EID, que se seguem foram obtidos com base nos dados recolhidos através da “ficha de caracterização geral de serviços/equipas de intervenção precoce”, elaborada pela autora do presente estudo (ver secção 1.2. Instrumentos).

O distrito de Portalegre é constituído por quinze concelhos e existiam em 2006 (ano em que iniciámos o estudo com a autoavaliação de padrões de qualidade efectuada pelos profissionais) onze equipas, sendo que em 2007 (ano em que concluímos a recolha de dados com a realização da observação das práticas) foi criada mais uma equipa de intervenção directa, passando assim a um total de doze EID, as quais abrangiam toda a zona geográfica do distrito, sendo que três das equipas apoiavam em simultâneo dois concelhos.

As equipas estavam agregadas a quatro entidades de suporte, sendo constituídas por profissionais de diferentes domínios de intervenção (ver Quadro 6). As EID eram, na sua maioria, compostas por educadoras, psicólogas, assistentes sociais, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas. Algumas das equipas contavam com a colaboração de médicos e de enfermeiros (uma das equipas integrava uma técnica superior de educação especial e reabilitação). De referir que, 59% dos profissionais integravam, em simultâneo, mais do que uma equipa de intervenção directa (as

quais estavam agregadas à mesma entidade de suporte) e desempenhavam, por isso, funções a tempo parcial nas várias equipas; e que, 14% dos profissionais pertenciam a outros serviços da comunidade (sobretudo Centros de Saúde e Câmaras Municipais) fazendo parte da equipa concelhia. Assim, apenas 27% dos profissionais desempenhavam funções em permanência na equipa, sendo quase exclusivamente as educadoras.

Quadro 6 – Entidades e Profissionais que compõem as Equipas de Intervenção Directa

Entidade

Suporte Equipa

Profissionais

Edu Psi AS TF TO TR Fis Med Enf

A EID 1 EID 2 3 1 1* 0 1* 1* 2* 1* 1 1* 0 0 1 0 0 0 0 0 EID 3 1 0 1* 1* 1* 0 1* 0 0 EID 4 1 0 1* 1* 1* 0 1* 0 0 B EID 5 3 3* 1* 1 1* 0 0 1* 2* EID 6 1 3* 2* 1* 1* 0 0 0 1* EID 7 2 1* 1* 1* 0 0 1* 1* 1* EID 8 1 2* 1* 1* 0 0 0 0 1* EID 9 1 2* 3* 1* 1* 0 1* 0 0 C EID 10 4 2* 3* 1 0 1 1* 1* 0 D EID 11 1 1* 2* 1* 1* 0 0 0 0 EID 12 1 1* 1* 1* 1* 0 1* 0 0

*Profissionais a desempenharem funções em tempo parcial nas diferentes equipas.

A partir da caracterização global efectuada relativamente a todas as EID do distrito, verificámos, no que diz respeito à situação contratual dos profissionais (ver Figura 5), que na maioria dos casos o vínculo laboral existente não era definitivo.

Assim, cerca de 50% dos profissionais, ou estavam destacados nas equipas pelo Ministério da Educação (educadoras de infância) ou trabalhavam em regime de prestação de serviços (sobretudo terapeutas). Estes profissionais que se encontravam em regime de prestação de serviços eram financiados pela Administração Regional de Saúde do Alentejo, que garantia os honorários correspondentes aos apoios terapêuticos realizados mensalmente, para além

dos tempos cedidos pelos hospitais e centros de saúde no âmbito dos acordos de cooperação estabelecidos ao abrigo do Despacho Conjunto n.º 891/99, que enquadravam, por exemplo, a colaboração da pediatra e da assistente social de um dos hospitais, assim como de enfermeiros e de fisioterapeutas de alguns dos centros de saúde. Uma percentagem relativa a cerca de um terço dos profissionais, dizia respeito a elementos contratados através das Entidades de Suporte (psicólogos, assistentes sociais, terapeutas, técnico de educação especial e reabilitação), sendo que alguns deles pertenciam ao quadro de pessoal da instituição.

As equipas integravam ainda profissionais sem qualquer tipo de vínculo, os quais eram cedidos por outros serviços da comunidade (nomeadamente por autarquia, centro de saúde, hospital ou associação local) desempenhando funções no âmbito da equipa de intervenção alargada, ainda que na maioria dos casos não prestassem apoios directos às crianças e suas famílias.

Figura 5 – Distribuição dos profissionais das EID de Portalegre em função do tipo de situação contratual

A circunstância de o vínculo laboral não ser definitivo, em muitos casos, implica que se verifique alguma mobilidade dos profissionais, a qual tem repercussões quer na dinâmica das equipas, designadamente ao nível da consolidação das práticas implementadas, quer na relação de confiança estabelecida, nomeadamente pelos responsáveis de caso, com as famílias apoiadas. Vínculo Laboral 38% Contratado 28% Prest. Serviços 30% Destacado 4% Sem Vinculo

6