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5.3 Categorias referentes ao ensino médio, aos coordenadores e professores

5.3.2 Qualidade do ensino médio

Em vários momentos ao longo das entrevistas, a questão da qualidade do ensino médio foi abordada. É possível perceber que praticamente todos os entrevistados, sejam eles coordenadores, professores ou alunos, de todos os tipos de instituições, têm com paradigma a noção de que o ensino médio público é ruim, que é sempre muito pior do que o ensino oferecido em instituições particulares. Mesmo em situações em que o aluno elogiava o segundo grau que realizou em escola pública, a resposta inevitável era de que a escola era boa

“apesar de ser pública”. Nas entrevistas dos alunos, colhemos respostas que reforçam essa

teoria, mas não é só isso que explica a qualidade da formação dos estudantes.

Um dos coordenadores de instituições de alto investimento, que, em princípio, raramente recebe estudantes oriundos do ensino médio público, a não ser na condição de bolsista, acrescentou uma informação que influencia negativamente a formação de todos os estudantes do segundo grau: a tecnologia.

(...) a chegada das novas tecnologias, que têm “emburrecido” nossos alunos. Eles

estão deixando hábitos importantes, eles estão deixando de ler, e ai eles estudam em escolas boas, entram em escolas boas, nas universidades, mas não sabem escrever direito e não conseguem fazer uma conta simples de matemática. (E2).

Esse coordenador também afirma que os fatores que geraram essa realidade não foram exclusivamente originados nas esferas de governo. Há também questões sociológicas envolvidas.

Tem várias questões sociológicas que estão por traz disso: fragilidade familiar nos últimos 50 anos, o processo de entrada de novas tecnologias que tem atrapalhado a formação do aluno, o enfraquecimento das políticas públicas educacionais de base, o aumento do ciclo de não repetição dos alunos do nível básico... (E2).

Os coordenadores de instituições de baixo investimento se consideram as maiores vítimas desse processo, pois geralmente recebem alunos de camadas sociais menos favorecidas, que normalmente cursaram o ensino médio em instituições públicas ou particulares de baixo preço e qualidade. Uma coordenadora desse tipo de instituição destacou esse problema:

Você (consegue) falar de assuntos que envolvam minimamente um raciocínio abstrato sem o cara saber fazer uma regra de três, não saber, minimamente, somar, multiplicar e dividir, que é como esse aluno chega aqui? Quer dizer que a deficiência é nossa ou vem do ensino básico? (E1).

Esse problema reflete o que defende Buarque (2010): ao invés do Ministério da Educação reclamar da má qualidade de alguns cursos de nível superior, estes cursos é que deveriam reclamar do Ministério, por causa da exclusão de milhões de pessoas e do baixo nível do ensino médio para os que se mantêm na escola.

Os professores, de modo geral, também se demonstraram preocupados com as políticas públicas para o ensino médio. No depoimento a seguir, de uma professora de instituição de alto investimento, são questionadas as prioridades do MEC e a sua atuação como fiscalizador e regulador da qualidade do ensino.

Mesmo os alunos que tem um capital intelectual diferenciado (...) têm uma base, às vezes, ruim. Eu vejo o MEC se preocupando muito com o curso superior e a base está ruim ainda (...). Você não vê um professor hoje de ensino fundamental e ensino médio vivendo só daquilo. Se viver não vive dignamente. (E3).

Os alunos de instituições de alto investimento elogiaram bastante o segundo grau que realizaram. Interessante foi observar os motivos que os leva a valorizar a qualidade do curso que realizaram no segundo grau. Dentre esses motivos tivemos: as turmas eram pequenas, o curso era dinâmico, o ensino era conservador, os professores eram ótimos, o curso era bem focado no vestibular, ofereceu excelente base etc.

Um desses alunos valorizou seu curso secundário pela sua dificuldade e consequente esforço que ele impunha aos alunos:

Eu tive que suar para passar de ano. Fiquei com mais medo de não passar de ano do que de não passar para o vestibular. (E42).

Outros alunos também elogiaram a questão da proximidade nas relações com os professores, propiciada pela quantidade reduzida de alunos ou por características locais.

A minha escola é uma instituição pequena (...). Cada turma tinha no máximo trinta alunos, os professores nos conheciam bem, conheciam nossos pais, era uma coisa bem próxima, bem familiar. (E23).

No interior tem muito disso, você vai conhecendo os professores, eles vão ficando amigos. (E51).

Os relatos dos alunos das instituições particulares de baixo investimento com relação ao segundo grau, especialmente das escolas públicas, que é a realidade da maioria deles, em

muitos casos foram preocupantes. Houve quem afirmasse que sua escola era boa “apesar” de

ser pública. Houve alguns elogios às escolas técnicas, mas houve também quem, aparentemente, não tenha sequer desenvolvido parâmetros adequados para avaliar um curso, como no caso do depoimento a seguir:

O ensino foi bom. Os professores iam, alguns faltavam, mas a maioria ia. (E11).

Quando um aluno reconhece o curso como sendo bom porque “a maioria dos professores não faltam” muita coisa precisa ser revista. Além disso, vários problemas foram

relatados como greves de professores, a baixa remuneração dos professores, condições estruturais precárias e até ausência de aulas de algumas disciplinas para as quais não havia professor.

Eu fiz o primeiro, o segundo e o terceiro (ano do ensino médio) e nunca estudei nem química nem física. (...) eu nunca vi essas matérias. (E71).

Alguns alunos reconheceram em suas instituições atuais o esforço para recuperar deficiências do segundo grau:

Não dá para comparar o ensino público com o ensino particular. Foi bem fraco. Eu vi coisas aqui que eu não vi no segundo grau, por isso foi difícil a adaptação no início. (E61).

Muitas coisas eu estou aprendendo aqui na faculdade, coisas que eu deveria ter aprendido no ensino médio. (E73).

Outra aluna desse grupo, que cursou os dois últimos anos do ensino médio em uma

escola pública, descreveu essa experiência e afirmou ter “perdido tempo” no ensino público:

Eu chegava dentro de sala e o professor faltava, ai vinha outro dava vinte minutos de aula e nós íamos embora, não tinha o que estudar. (...) aí eu fui fazer a prova da UERJ, quando eu vi eu falei: - meu deus, não sem nem o que é isso! (...) aí pensei,

“caraca!” perdi muita coisa na vida. (E10).

Essa aluna fez outra revelação preocupante em relação ao modo como era feita a avaliação nessa escola:

No colégio público os professores davam ponto para quem comprasse a apostila. Se comprasse uma apostila, que custava R$ 0,80 ganhava três pontos. (E10).

Os alunos de instituições públicas não fugiram muito à regra. Aqueles que cursaram o ensino médio em escolas públicas afirmaram que a qualidade do curso era boa apesar de ser pública ou era ruim por motivos semelhantes aos já citados: falta de parte do conteúdo, como aulas de química e física, greves de professores, que precisaram fazer pré-vestibular, que no curso pré-vestibular perceberam que o ensino médio não serviu para nada etc. A exemplo do que ocorreu com os alunos das instituições de baixo investimento, também entre os alunos de instituições públicas que cursaram o segundo grau em escolas públicas alguns parâmetros dos alunos chamaram atenção. Uma dessas alunas, ao falar da qualidade do ensino médio que

cursou em uma escola pública, demonstrou um conformismo desalentador para uma jovem estudante de uma universidade.

Por ter sido numa escola estadual foi bem ruim. Professores eram pouco interessados, estrutura não muito boa, o normal de uma escola estadual. (E81).

Outro desses alunos, apesar de apontar várias falhas em relação ao curso secundário que realizou, classificou o seu curso como regular.

Eu classificaria como regular (qualidade do ensino médio) porque faltavam professores, as matérias às vezes não eram completadas, tinha problemas de estrutura e faltava muita coisa, funcionários... (E26).

Os estudantes de instituições públicas que cursaram o ensino médio em escolas particulares teceram elogios às suas escolas e reconheceram-se como privilegiados por terem tido essa oportunidade.

Foi um bom curso, o ensino médio de lá é voltado para o vestibular, tem ótimos professores, um ensino ótimo, mas não é a realidade de todo mundo. (E83).

Era uma escola particular, então era um nível melhor. Para mim felizmente, mas infelizmente com relação aos outros alunos. (E27).