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5.2 Categorias relativas às Instituições de Ensino Superior

5.2.1 Questões Mercadológicas das IES

Assim como vários autores já mencionados (ALCADIPANI, 2005; BERTERO, 2006; CALBINO et al, 2009; CALDERON, 2004; MAINARDES e DOMINGUES, 2010; NICOLINI, 2003; NUNES e BARBOSA, 2009; PAULA e RODRIGUES, 2006; SOUZA- SILVA e DAVEL, 2005), os coordenadores das instituições de alto investimento se mostram preocupados com a mercantilização do ensino superior, especialmente do ensino de graduação em Administração. Entretanto, eles reconhecem a necessidade das instituições privadas serem lucrativas. Veja-se:

Eu acho que as instituições têm estratégias de vendas de cursos porque elas precisam vender, é iniciativa privada, não é? Agora o que a gente precisa ter cuidado é para que o ensino não se torne uma mercadoria, para que o aluno não tenha aquele discurso de eu sou o cliente, eu estou pagando. (E2).

Nesse grupo também se manifestou uma preocupação com relação à desvalorização da categoria resultante da mercantilização do ensino em Administração. Por outro lado, esse grupo de coordenadores acredita que o problema esteja sendo resolvido gradativamente, ou pelo próprio mercado, ou por consequência de políticas públicas de educação conforme os depoimentos a seguir:

Se bem que o próprio mercado agora está dando conta de se resolver, resolveu isso, porque tem várias faculdades fechando. (E39).

... E (existem) escolas, por outro lado, que são fábricas de diploma, que querem ter 100 alunos dentro de sala, que não estão muito preocupadas com qualidade (...) e o governo vem combatendo fortemente esse grupo (de escolas). (E47).

Os coordenadores das instituições de baixo investimento reconhecem que ocupam um nicho de mercado que não é o mesmo das instituições de alto investimento. Em uma das entrevistas foi relatado que o perfil de aluno que eles recebem, e o aluno que eles formam, em geral, não é o aluno que vai competir no mercado pelas mesmas vagas que os alunos das instituições de alto investimento:

Para posições mais estratégicas, você precisa de um profissional com uma visão, uma capacidade de análise conceitual mais significativa, alguém que consiga entender e antecipar os cenários, quer dizer, não é esse aluno, que vem, em média, com um ensino básico fraco que vai desempenhar essas atividades. (E1).

Esse raciocínio compartilha o exposto por Castro (1974; 1981) quando este pondera que pessoas que ocupam posições mais elevadas em uma organização são, necessariamente,

pessoas com visão de conjunto, lucidez e perspicácia, e que os estudantes deveriam receber formação compatível com suas futuras ocupações. Apesar disso, os coordenadores de instituições de baixo investimento afirmam estar contribuindo para o crescimento profissional e a colocação desses alunos no mercado de trabalho, e acreditam também estar atendendo a uma demanda do mercado:

A parte administrativa precisa de gente na base da pirâmide, precisa conhecer, por exemplo, a parte do dia a dia do RH, das outras questões. É esse profissional que a gente privilegia a formação aqui, não é o cara da elite. (E1).

A concorrência entre as instituições foi bastante abordada pelos coordenadores das instituições de baixo investimento. Entretanto eles acreditam que, apesar das dificuldades inerentes ao atendimento de uma grande quantidade de alunos, é justamente essa grande concorrência entre as instituições que impede os empresários da educação de descuidarem da qualidade dos cursos:

Você tem muito aluno (...) é muito mais difícil de você atingir essa “galera”, mas

para o empresário é muito negócio, porque ele tem quantidade de alunos, mas se ele descuidar da qualidade ele vai se perder. (E38).

Esse depoimento vai ao encontro do argumento apresentado por Mainardes e Domingues (2010) quando esses autores afirmam que, no Brasil, especialmente nos cursos de Administração, o aumento da competitividade leva as instituições a buscarem formas de atrair e reter seus estudantes. Desse modo, de acordo com esses teóricos, muitas universidades, visando se distinguirem de seus concorrentes, aumentaram seus investimentos para fortalecerem sua imagem de prestígio e qualidade. No entanto, é necessário questionar, com relação a essa perspectiva, se a qualidade do curso é o principal atributo que o aluno busca no momento em que escolhe a instituição na qual pretende estudar.

Os coordenadores de instituições de baixo investimento entendem que essa questão do mercado também faz com que as demandas do trabalho deles sejam um pouco diferentes das dos coordenadores de instituições pública:

Na instituição privada ele (o coordenador) tem que funcionar como um gestor (...) é alguém que tem que estar ligado também até nas questões mercadológicas, porque a concorrência hoje é cada vez maior e isso acaba impactando na forma captação de alunos. (E1).

Um coordenador de instituição pública mencionou que quando lecionou em faculdade privada sofreu pressão para evitar reprovações, tendo em vista que isso aumentaria as desistências. Esse coordenador também opinou que a formação voltada para as exigências do mercado não é o caminho ideal para os cursos de Administração.

Os professores das instituições de alto investimento demonstraram entendem que essas questões de mercado sempre terão algum impacto nos aspectos didáticos e pedagógicos dos cursos, pois quando vai se implantar alguma coisa inovadora há um impacto nos custos que podem encarecer o curso. Há, entretanto, o exagero, que pode criar o perigoso dilema entre exigência e manutenção dos alunos, e culminar com a transformação do aluno em um cliente. Apesar de não acreditarem que isso ocorra nas instituições em que trabalham, eles afirmam que isso é uma realidade em algumas instituições de ensino superior:

Tem alunos que já me disseram: ah, eu sou cliente, e eu sou obrigada a explicar: não meu querido, você não é cliente (...) eles têm essa construção na cabeça, e se eles têm essa construção na cabeça é porque ela existe no mundo, eles não inventaram isso. (E12).

Os professores das instituições de baixo investimento destacaram que o curso de Administração tem características que o tornam altamente rentável para as instituições:

É um curso em que você tem a necessidade de uma infraestrutura mínima (...). Então é um curso altamente rentável porque a procura é muito grande (...) é muito bom porque você pode colocar 100 pessoas dentro de uma sala de aula. (E35).

Os professores de instituições públicas, em geral, também expressam preocupação com a mercantilização, e a consequente banalização, do ensino superior. Essa banalização, de acordo com Souza-Silva e Davel (2005) ocorre em virtude do esquecimento de valores essenciais que permeiam a noção de educação universitária. Os professores de instituições públicas entendem que essa lógica puramente mercantil também é reproduzida em todos os tipos de instituições de ensino superior:

Isso (a mercantilização) não ocorre só nessas faculdades que a gente está falando (baixo investimento), essa lógica acaba também sendo reproduzidas em outros locais, em universidades de peso também. (E36).

A mercantilização do ensino impõe, na visão desses professores, grandes dificuldades de se operar no campo da meritocracia nas instituições privadas, pois há muitas preocupações com a perda de matrículas. Outro professor de instituição pública estabeleceu um padrão de comparação entre instituições públicas e particulares de baixo investimento para explicar a interferência das questões mercadológicas na qualidade dos cursos:

Um aluno em sala de aula em uma universidade pública custa R$ 2.000 por mês. (...). Se o cara custa R$ 2.000 aqui, como é que você faz uma faculdade que é capaz de cobrar R$ 300? É o lado perverso do que é ser empresário: pra ele oferecer a R$ 300, ele tem que aumentar a quantidade de pessoas que pagam e diminuir o custo dos fornecedores, basicamente a mão de obra de professores. (E45).

Apesar de sustentar que o professor da instituição pública tem tempo para cuidar dos alunos, das aulas, fazer pesquisa e extensão, enquanto o professor de instituição privada de baixo investimento tem que ficar muito tempo em sala de aula sem tempo para mais nada, o que explicaria a diferença na qualidade dos cursos, esse professor argumenta que mesmo essas instituições estão cumprindo o papel a que se propuseram:

Do modo em que a gente, sociedade como um todo, deixou essas coisas serem criadas, elas estão fazendo o papel delas, oferecendo o melhor produto possível, pelo menor preço possível para o mercado que está pedindo. (E45).

Por outro lado, esse professor questiona o que poderia ser colocado no lugar das instituições voltadas para o lucro. Ele afirma não saber se, por exemplo, prover universidade gratuita para todos, transferindo o custo para toda a sociedade, seria um modelo melhor. Apesar de todas as restrições ao modo como esse mercado foi estruturado, ele reconhece que essas instituições, de algum modo, trazem também uma contribuição importante no sentido da inclusão social:

Conheço várias pessoas que são profissionais hoje que estão atuando e contribuindo para a sociedade, oriundos dessas instituições. E se não tivesse elas por R$ 300,00? O que ele ia fazer? Ia ficar fora? (E45).

Esse depoimento vai ao encontro da interpretação de Calderón (2004) segundo o qual as instituições de ensino superior particulares, com fins lucrativos, possibilitam a democratização do acesso ao ensino superior, ampliando e diversificando a oferta de produtos educacionais.