• Nenhum resultado encontrado

Qualidade, mudanças e valores organizacionais

6. APRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS CONTEÚDOS

7.5. Qualidade, mudanças e valores organizacionais

Observando-se a evolução da qualidade (Garvin, 1995), já descrita no presente trabalho, pode-se verificar que a Eletric vivenciou durante sua existência, algumas das “eras” propostas pelo autor. No começo da sua história, as preocupações com a qualidade relacionavam-se apenas com a inspeção de produtos, fabricados ou recebidos (primeira era, de acordo com Garvin (1995). Por exigência de uma empresa estatal, algumas normas e procedimentos foram desenvolvidos, mas ainda sem abranger toda a organização. É possível relacionar este período com a segunda era proposta por Garvin (1995), pois nesse período buscava-se garantir alguma conformidade no ambiente fabril. Um terceiro momento da qualidade na Eletric, relacionado com a implantação da ISO 9000, poderia ser equiparado a terceira e quarta “eras” propostas pelo autor. Respectivamente, garantia e gestão da qualidade, ou seja, buscou-se inicialmente organizar a documentação da ISO 9000 e dos custos da qualidade, para, logo em seguida, iniciar um forte trabalho de participação e empenho tanto dos dirigentes como dos trabalhadores no programa. Estas transformações da organização, em função do tipo de sistema de qualidade na empresa

contribuíram para a formação dos valores organizacionais da Eletric. Principalmente neste terceiro período, que culminou com a venda da Eletric a uma empresa multinacional.

A história das várias fases da empresa, e de seus vários proprietários, parecem fazer da Eletric uma especialista e sobrevivente de mudanças organizacionais. Acredita-se ser apropriado conceber a Eletric em duas grandes fases: A gestão nacional e a gestão internacional. Na gestão nacional a Eletric vivenciou duas administrações diferenciadas. Poucas foram as informações reveladas a respeito da primeira gestão, quando a empresa pertencia a um grande grupo nacional da área de energia. O segundo período iniciou-se com a compra da Eletric por uma empresa familiar que atuava no ramo de produtos elétricos. Neste período, a organização conseguiu grandes contratos e cresceu de forma muito rápida, mas com dificuldades de organização e controle de processos, funções e operações. Havia também problemas de relacionamento interpessoal entre chefias e subordinados e distância na hierarquia, gerando dificuldades de comunicação. Eram estas características que fundamentavam os valores organizacionais dominantes do período, segundo, principalmente, os entrevistado C,D e E.

Com a crise que se abateu sobre a empresa, já discutida em capítulo anterior, a Eletric foi vendida. Assim, desde 1992 já fazia parte de uma organização de capital Internacional. A influência externa fez com que padrões culturais fossem alterados, e novos valores surgissem. Hofstede (citado por Freitas, 1991), conduziu uma pesquisa durante 15 anos em 53 países para analisar a interação entre sistemas de valores nacionais com os sistemas de valores organizacionais. A partir deste trabalho, o autor afirma que as subsidiárias estrangeiras de organizações multinacionais acabam por desenvolver uma cultura híbrida, refletindo a cultura organizacional internacional e a cultura nacional local. Na Eletric, o programa de qualidade parece ter sido responsável em realizar tal união. Como forma de garantir a sobrevivência da empresa sob a direção internacional, a gestão da qualidade serviu como elemento de diálogo para que novos conceitos e princípios de trabalho fossem admitidos na organização. As propostas da qualidade são uma forma de manter a sobrevivência da empresa e se aproxima da cultura dos novos gestores.

Neste período de gestão internacional, o controle acionário da empresa mudou de mãos duas vezes. É possível deduzir que os valores da cultura organizacional se alterariam a cada mudança, já que uma nova liderança foi estabelecida (Freitas, 1991). Contudo, este não parece ser o caso da Eletric. A primeira mudança representou um re-arranjo dos negócios do grupo francês, fazendo com que a Eletric passasse a ser administrada por uma outra unidade de negócios do mesmo grupo. A cultura e a filosofia de trabalho permaneceram praticamente as mesmas, segundo as fontes de pesquisa. A segunda mudança, no entanto, em 2001, representou a compra do controle acionário da Eletric por um grupo austríaco. Algumas diferenças culturais foram percebidas, principalmente quanto a racionalidade e objetividade dos novos gestores. Contudo, um dos fatores que parecem ter colaborado para manter a unidade cultural da empresa foi a presença tanto do presidente da companhia no Brasil quanto do diretor do estabelecimento à frente da organização durante este período. Funcionários de carreira na Eletric, parecem ter colaborado para a manutenção da unidade cultural. Da mesma forma, foi principalmente o diretor do estabelecimento, responsável principal pela implantação da gestão da qualidade total na versão da ISO 9000, que conferiu credibilidade, pelo seu empenho e dedicação à proposta da qualidade. Vários foram os autores que preconizam a importância do comprometimento da alta administração para o processo de condução de mudança da cultura organizacional (Deming, 1997, Campos, 1994). De acordo com Freitas (1991), um processo de mudança cultural bem sucedido deve incluir o comprometimento dos heróis; reconhecimento de uma ameaça real no mundo exterior; treinar novos valores e padrões comportamentais; não perder de vista que a mudança foi promovida por elementos internos; construir símbolos tangíveis da nova direção e insistir que a segurança das pessoas (emprego) está assegurada no processo de transição. No caso da Eletric, todos estes critérios foram seguidos.

Em síntese, na Eletric as mudanças que afetaram seus valores aconteceram em três ocasiões: a primeira, com a implantação da gestão multinacional aliada à gestão da qualidade total. A segunda, ao que tudo indica, está acontecendo no período atual. Embora não tão profunda quanto a primeira, tem gerado alguns temores velados.