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Quando o campo interroga os dispositivos de pesquisa

3.3 TRILHAS E CONTORNOS

3.3.1 Quando o campo interroga os dispositivos de pesquisa

reunir os estudantes por curso e orientá-los coletivamente. Pensava em fazer encontros durante o período de matrícula; esses encontros teriam como objetivo a entrega do manual de orientação dos estudantes do PROUNI e a socialização de informações práticas sobre a dinâmica dos bolsistas na instituição.

Mesmo considerando o volume de assuntos a serem tratados na referida reunião, a assistente social não hesitou em me convidar para participar e conversar com os estudantes e, inclusive, ventilou a possibilidade de fazer um questionário, caso fosse necessário para minha pesquisa. A sala de Malu é sempre bem movimentada e, como em outros momentos, foi necessário interromper a conversa, pois na sala de espera algumas pessoas aguardavam para serem atendidas. Malu se comprometeu em disponibilizar as informações pendentes e enviar-me o calendário das reuniões com os estudantes do ProUni, ao tempo em que me comprometi com o envio de um gráfico sobre a situação sócio econômica dos estudantes. Acredito que esta troca de informações faz parte de um acordo tácito, o qual vai se fortalecendo e se evidencia cada vez que precisamos energizar o andamento da pesquisa.

3.3.1 Quando o campo interroga os dispositivos de pesquisa

[...] as verdades são “biodegradáveis”; toda verdade depende de suas condições de formação ou de existência. (Edgar Morin) A dimensão do método sempre acompanhou a busca da verdade e a construção de um percurso metodológico de pesquisa tende a expressar a articulação de dispositivos que expressam crenças ou verdades do pesquisador(a). Sendo assim, a própria construção de uma proposta metodológica comporta possíveis verdades, e não nos parece exagerado pensar que as escolhas das estratégias refletem o campo de visão do pesquisador(a), de maneira que cada instrumento escolhido demarca uma crença nas condições de possibilidades de se construir um método que permita chegar ao conhecimento novo que se busca desvelar.

De certa maneira, o trabalho do pesquisador está cercado pelo envolvimento com verdades e com o desejo de novas descobertas. “O método é obra de um ser inteligente que ensaia estratégias para responder às incertezas” (MORIN, CIURANA, MOTTA, 2009, p. 29). Neste sentido, a construção de um método de pesquisa comporta a consciência de que as verdades são provisórias, “biodegradáveis” “[...] método é o que serve para aprender e, ao mesmo tempo, é aprendizagem” (p. 29). Para isso, é fundamental reconhecer que elaborar uma proposta de pesquisa não significa afastar incertezas. Pelo contrário, o planejamento nos distancia do improviso, mas nos insere no universo das incertezas, pois o planejar nos aproxima da realidade e a abertura do(a) pesquisador(a) para conhecê-la permite enxergar o inusitado, o imprevisto, circunstâncias propícias para o reconhecimento da fragilidade das nossas verdades e o encontro de outros caminhos.

Em se tratando da imprevisibilidade das nossas verdades, reflito sobre o desafio de nos situarmos na pesquisa etnográfica. A contínua necessidade de desconstruir verdades, aparentemente seguras, acerca do que pensava saber sobre os sujeitos da pesquisa é no mínimo “enervante” (GEERTZ, 2011). O inusitado atravessa a dinâmica da pesquisa quase como se fosse a minha própria sombra e, de várias maneiras, acabo por experimentar a provocação de Geertz (2001, p.10), quando sugeria que, em algumas situações, “[...] um ser humano [passa] a ser um enigma completo para outro ser humano”. Portanto, não é razoável pretender o conhecimento total da realidade, o importante é reconhecer-se diante de um movimento complexo e com disponibilidade para ver, ouvir e dialogar com um saber que expressa a maneira idiossincrática como cada participante da pesquisa significa a sua existência, cabendo ao pesquisador identificar as “piscadelas” (GEERTZ, 2001, efetivamente relevantes para o estudo em desenvolvimento.

Isto não significa dizer que o participante da pesquisa possui a verdade absoluta sobre a sua realidade; busco afirmar apenas a existência de um modo singular de compreender e de dar significado às experiências vividas. Como afirmava Elias (1994), a dimensão mais singular de um sujeito não pode ser entendida fora do tecido de imbricação no qual ele está

envolvido. Portanto, o ato de significação é expressão de um contexto específico, e entre o que o sujeito vivencia e o que ele verbaliza pode haver também algumas incongruências.

Lévi-Strauss33 (1996) acreditava ser preciso procurar a simplicidade

desconfiando sempre dela e, nesse viés, o que um grupo social socializa necessita ser encarado em termos de interpretações de experiências vividas. “[...] Começamos com as nossas próprias interpretações do que pretendem nossos informantes, ou o que achamos que eles pretendem, e depois passamos a sistematizá-las” (GEERTZ, 2001, p.18). A imersão no campo de pesquisa é também uma experiência de aprender a lidar com o inesperado, estabelecendo uma relação com o tempo imprevisível, pois o tempo dos(as) participantes da pesquisa desafia constantemente a estabilidade do planejamento do pesquisador(a) e, no desafio precisamos seguir aprendendo a realidade com o saber do outro.

Na etapa que compreendeu mapear os estudantes do ProUni, buscava, também, informações acerca da faixa etária e a escola que estudaram antes de ingressar na Faculdade Social. Foram feitas diversas tentativas junto às pessoas responsáveis pelos arquivos do ProUni e fora comprovada a impossibilidade de resultados exitosos com o dispositivo utilizado (análise documental). Não ficou claro se a instituição tinha a informação, mas já não era possível insistir em uma estratégia que parecia ter sido esgotada. Inspirados nas reflexões de Becker (1999), para o qual o método é um caminho que pode ser redimensionado quando o campo sugerir mudanças, decidimos inserir o questionário nos nossos dispositivos de pesquisa.

O instrumento mencionado se mostrou viável porque, além de permitir acessar as informações pendentes na pesquisa documental, oportunizou a

33 Vale considerar que Levi-Strauss e Geertz tem pressupostos epistemológicos

incompatíveis e, em alguns momentos, dialogamos com teóricos, sobretudo da antropologia, que defendem pressupostos diferenciados. Contudo, apesar de apresentarem perspectivas diferentes, deixaram importantes contribuições para o trabalho etnográfico e nos ajudam a compreender o processo de configuração deste campo teórico. Isto se torna razoável pelo fato destes autores não se constituírem referência central do trabalho.

mais de 40 estudantes dos diversos cursos expressarem-se sobre questões relacionadas ao acesso e à permanência na Faculdade Social. Outro ganho expressivo do questionário foi a oportunidade de contato direto entre pesquisadora e participantes da pesquisa. Tratou-se de uma experiência intensa, margeada por incertezas e dificuldade de encontrar os estudantes vinculados ao ProUni.

Desde o período das matriculas 2011.2, foram iniciadas tentativas de socialização do questionário, contudo, os encontros, que estavam sendo organizados pela assistente social, foram cancelados por falta de público. Na ocasião Malu lamentou o ocorrido e sugeriu serem os questionários enviados por e-mail. A sugestão foi acatada, cataloguei os endereços e, no início do semestre, encaminhei o questionário com um pequeno texto explicativo.

Na primeira tentativa apenas dois estudantes responderam e, na segunda, recebi mais quatro instrumentos respondidos. No universo de mais de 60 e-mails enviados, a devolução de 06 não era representativo e, por considerar o resultado insuficiente, retomei o diálogo com a diretora da Faculdade, solicitando autorização para passar nas salas e entregar os questionários pessoalmente. A diretora, que ainda não conhecia a proposta de pesquisa, pois estava chegando à instituição, demonstrou muito interesse pelo estudo e solicitou as informações sistematizadas para fins de análise em vista à captação de alunos.

No segundo bimestre de 2011.2, foram iniciadas as visitas para apresentar a proposta de estudo e entregar os questionários. Visitei todas as salas e, quando encontrava estudantes do ProUni, propunha a participação na pesquisa. De maneira geral, os alunos foram receptivos e acolheram o convite sem maiores desconfortos; todavia, os estudantes de Pedagogia e Psicologia demonstraram maior interesse pela pesquisa e precisão na devolução dos questionários, o que não aconteceu nos cursos de Direito e Educação Física. Os alunos foram acolhedores, mas apresentaram resistência quanto à devolução dos questionários.

Durante as visitas, algumas situações provocaram certa inquietação: o número de estudantes com bolsa ProUni encontrado nas salas de aula parecia muito distante dos 260 mapeados no primeiro semestre de 2010.

Compreendo que alguns estudantes tinham concluído o curso, outros tiveram o benefício cancelado, mas, mesmo assim, o contato direto com as turmas mostrou um encolhimento significativo, sobretudo no concernente aos estudantes ingressantes com bolsa do referido programa.

O propósito inicial foi convidar todos os bolsistas a participarem dessa etapa da pesquisa, supondo que isto daria condições de identificar os ingressantes na FSBA na faixa etária entre 18 e 24 anos, e selecionar 06 para o estudo multicasos com um leque maior de possibilidade. Após visitar as salas e as áreas de convivência, considerei importante não insistir demais nas visitas às salas de aula a fim de não criar instabilidade no trabalho dos professores, mesmo considerando a pertinência de continuar a pesquisa no semestre seguinte, sobretudo nos cursos de Educação Física, Direito e Fisioterapia, nos quais o número de jovens com a faixa etária definida para participação na pesquisa não se mostrou satisfatório.