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QUARTO TERRITÓRIO (13 A 25 DE SETEMBRO/2016)

5 DIÁLOGOS E VIVÊNCIAS COMO POSSIBILIDADES NO FAZER MUSICAL

5.4 QUARTO TERRITÓRIO (13 A 25 DE SETEMBRO/2016)

À medida que se desenvolviam as aulas com filmagem, somando-se às oficinas de texturas, comecei a observar uma modificação na relação do(a)s aluno(a)s com o seu próprio fazer musical, bem como em mim mesma, como aprendiz-cartógrafa. Ele(a)s passaram a expressar verbalmente as maneiras que criaram para produzir

determinadas sonoridades. Começaram a se soltar... Assim, durante as aulas, surgiram conversas a respeito de como se pode produzir um determinado efeito nas músicas, comentando sobre as maneiras pelas quais poderiam fabricar uma determinada sonoridade ou efeito em seus diferentes trechos (ver arquivo Cena_2 no DVD).

Ariana conversou sobre duas composições de seu repertório, falando a respeito do uso do peso do corpo na realização de passagens musicais, com dinâmica forte e piano, e também sobre as cifras na peça A bela e a fera.

Figura 29 - Ariana, explanando sobre aspectos das peças A bela e a fera e Burlesque Fonte: frame extraído de filme produzido durante o processo de intervenção (gravação minha)

Em relação à peça erudita, ela afirmou:

essa música se chama Burlesque. Quem compôs ela [sic] foi Leopold Mozart [...]. É uma música estrangeira. [...] tem um toque na melodia... Como eu posso dizer? Que no começo você começa forte, depois diminui um pouquinho, aí fica forte e fraco, alternando. [...] Quando você toca forte – pelo menos eu – inclino meu corpo um pouco prá frente, colocando mais força na minha mão; quando eu toco fraco, eu toco levinho, quase não encosto no piano, meu corpo vai um pouco prá trás. (ARIANA)

Sobre a peça do universo popular, a aluna ressaltou que

essa música é A bela e a fera...[...] acho que... também é uma música estrangeira e... nela... parece que você está dançando... É toda por cifras. Tem umas partes, que elas são meio alegres. E outras que são... como vou dizer? Românticas, mais dançantes... (ARIANA)

Semelhantemente a Ariana, Franco fez explanações sobre sua maneira de sentir e realizar os afectos do minueto de Bach que estava estudando, salientando a necessidade de tocar fazendo as diferenciações de plano sonoro em um determinado trecho. A respeito dessa composição, o aluno fez os seguintes comentários:

se eu fizer a música do mesmo jeito, sem nenhuma alternância entre a força de tocar, igual eu faço esse crescendo, a música fica sem graça. Com o final crescendo, ela fica mais bonita, fica... diferente. [...] Nesse final, eu achei que ficou muito melhor, muito mais bonito com o crescendo. (FRANCO)

O mesmo foi feito em relação a outra peça musical, Bruxas e fantasmas, cujo estilo solicita a constante modificação nos modos de tocar (o toque). Franco criou uma maneira de realizar uma sonoridade em sintonia com os afectos e perceptos que constituíam essa composição, identificando-a como uma música “de circo”. Conversamos sobre as cenas de um circo, o que acontece nesse espaço, a partir do que ele fez a seguinte explanação:

cada toque tem um sentido nessa música. É tipo... no começo, é tipo um circo, um palhaço. Ele chega assim, devagarinho... vai lá, futuca [sic] o outro, depois, sai de fininho, aí, volta de novo, sai de fininho. Aí, depois, vai crescendo, como se tivesse correndo, o outro atrás dele... Aí, depois, morre o som, como se tivesse parado. (FRANCO)

Lucas comentou sobre uma música erudita brasileira – A baianinha das cocadas –, explicando que havia realizado uma sonoridade em seu fim, provocando um susto no ouvinte:

No final, dá um susto! (LUCAS)

E tocou para demonstrar o que estava falando...

Para o estudo dessa composição, conversamos sobre as baianas que vendem cocadas e acarajés, com tabuleiros sobre a cabeça. Andamos pela sala, captando os ritmos desse andar com tabuleiro na cabeça, os passos e os movimentos.

O ritmo dessa música tem como inspiração os batuques. Enquanto ele a tocava, fui fazendo um batuque na madeira do piano. Num dado momento, nós nos empolgamos com o ritmo, eu acabei intensificando a batida e a estante da partitura caiu. Nós dois caímos no riso... A partir disso, sempre que ia começar a música, ele

se lembrava desse episódio e começava a rir, falando sempre, em tom de brincadeira:

é o ritmo, né? (LUCAS)

Lídia, por sua vez, ao tocar uma de suas músicas, observou uma diferença no efeito de determinados sons e perguntou:

Por que esse som some... e esse... fica? (LÍDIA)

A partir da pergunta da aluna, abrimos o piano e experimentamos dedilhar as cordas, observando a vibração nas cordas finas e nas cordas mais grossas.

Figura 30 - Lídia, explorando as diferenças nos efeitos sonoros das cordas do piano Fonte: frame extraído de filme produzido durante o processo de intervenção (gravação da aluna

Ariana)

Criou-se uma dúvida, pois quando ela tocava as teclas os sons ressoavam de uma maneira, mas quando dedilhava diretamente as cordas outro efeito era produzido, oposto ao que Lídia havia percebido ao tocar as teclas. Vimos que os sons nas cordas finas, sob a ação dos martelos do piano, produzem sons quase estridentes, “gritam”; as sonoridades nas cordas grossas, por sua vez, são menos estridentes, fazendo com que o som desaparecesse mais rapidamente.

Outra aluna, Aline, incentivada pelas filmagens, fez um pequeno vídeo de um momento de seus estudos em casa, enviando-o a mim via Whatsapp. Nesse vídeo, ela fala sobre a tarantela que havia estudado no início de 2016, mencionando uma pesquisa que havia feito sobre a origem da dança homônima.

Nesse mesmo período, também observamos fatos relevantes durante as aulas de Ângelo. O aluno brincou com o fato de estar sendo filmado, lançando olhares de soslaio para a câmera, imprimindo um tom de ludicidade à aula (ver arquivo Cena_3 no DVD). Em outro momento, ele tomou a iniciativa de estudar no horário da aula, fazendo anotações próprias na partitura, verificando detalhes e fazendo perguntas. Relativamente a outras músicas de seu repertório, vale ressaltar que Ângelo estava tocando a peça Burlesque com muita fluência e desenvoltura, demonstrando contentamento em virtude de seu desenvolvimento. Observando vídeos de práticas musicais de Ângelo, podemos notar que é evidente a autorrealização que ele encontra nessa atividade.

Figura 31 - Ângelo, estudando detalhes de um minueto de Bach

Fonte: frame extraído de filme produzido durante o processo de intervenção (gravação minha)

Júlia, por sua vez, começava a soltar os movimentos para a realização da peça Bolinhas de sabão. Em um de nossos encontros – durante a oficina de texturas –, realizamos algumas dinâmicas corporais, procurando imitar a movimentação própria de bolinhas de sabão, para sentir os ritmos e as intensidades. Essa atividade instigou-a a tocar as frases musicais produzindo sonoridades mais leves e rápidas, buscando traduzir o “pipocar” das bolinhas.

Figura 32 - Sofia, durante estudo

Fonte: frame extraído de filme produzido durante o processo de intervenção (gravação minha)

Vemos as transformações na expressividade dos alunos – observadas até esse momento da pesquisa – como dado importante para o fortalecimento da hipótese da pesquisa aqui relatada, a de que o desenvolvimento da capacidade de expressão é um fenômeno complexo, perpassado por linhas e movimentos que podem travar ou impulsionar os processos enunciativos e criativos de alunos e professores.