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BEHAVIORISMO AO ESTRUTURALISMO

2.2. O LUGAR DO ESTUDO DE CASO NA CIÊNCIA

2.2.3. O QUE É ESTUDO DE CASO?

Iniciamos nossa discussão com a pergunta introdutória que abre nosso item: O que é estudo de caso? na tentativa de encontrarmos uma possível definição ou possível caminho de resposta para nossa indagação. Dessa forma, procuramos na literatura científica uma gama variada de autores e encontramos neles uma problemática, que é constituída pela dificuldade em se definir o que é estudo de caso, devido à sua complexidade e características singulares.

Tal dificuldade ocorre segundo André (1984) por que:

34 Partimos do pressuposto de que a etnografia é um estudo em que o etnógrafo pode participar do cotidiano

social, no qual está inserido, observando tudo que ali acontece, fazendo questionamentos e coletando

106 A própria conceituação de estudo de caso, suas características distintivas e a forma de desenvolver tal tipo de trabalho são aspectos que parecem não ter sido ainda suficientemente discutidos entre os educadores, o que tem originado uma série de incompreensões e mistificações sobre o seu potencial efetivo na educação (ANDRÉ, 1984, p.51).

Mesmo com a pouca discussão sobre o tema como defende André, encontramos algumas possíveis diretrizes e definições de diferentes autores sobre o estudo de caso.

Dessa maneira, desenvolvemos o quadro a seguir, a fim de ilustrar os autores estudados (por ordem crescente de ano das publicações) e seus construtos acerca do que é estudo de caso.

Quadro 11: Definição do que é estudo de caso por diferentes autores (PRODUÇÃO NOSSA) Autores (ANO) Definição sobre estudo de caso

Goode e Hatt (1979) Segundo os autores, o estudo de caso é uma maneira de organizar dados por meio da determinação de um objeto de estudo que deve ser único, porém compreendido na sua totalidade.

André (1984) O estudo de caso focaliza o particular tomando-o como um todo (ANDRÉ, 1984, p.53). Em outras palavras, (...) os estudos de caso pretendem retratar o idiossincrático e o particular como legítimos em si mesmos. Tal tipo de investigação toma como base o desenvolvimento de um conhecimento ideográfico, isto é, que enfatiza a compreensão dos eventos particulares (casos) (ANDRÉ, 1984, p.52).

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Ludke e André (1986) Segundo os autores, o estudo de caso pode

ser simples ou não e seu objeto de estudo deve ser especificado.

Stake (1994) Estudo de caso não é uma escolha

metodológica, mas a escolha de um objeto a ser estudado35 (TRADUÇÃO NOSSA,

STAKE, 1994, p.236). Ainda para o autor: O estudo de caso é tanto o processo de aprendizado sobre o caso quanto o produto do nosso aprendizado36

(TRADUÇÃO NOSSA, STAKE, 1994, p.237).

Yin (1994) Yin (2005)

O estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno no seu ambiente natural, quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não são bem definidas (...) em que múltiplas fontes de evidência são usadas (YIN, 1994, p.13). (...) é a estratégia de investigação mais

adequada quando queremos saber o “como” e o “porquê” de acontecimentos atuais (contemporâneos) sobre os quais o investigador tem pouco ou nenhum controle (YIN, 1994, p.9).

(...) o estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real (YIN, 2005, p.32).

35Case study is not a methodological choice, but a choice of object to be studied (STAKE, 1994, p.236). 36No original: A case study is both the process of learning about the case and the product of our learning

108 Coutinho e Chaves (2002) (...) é o fato de se tratar de um plano de

investigação que envolve o estudo intensivo e detalhado de uma entidade bem definida: o “caso” (p.223).

Voss, Tsikriktsis e Frohlich (2002) De acordo com os autores, o estudo de caso é uma história que pode envolver informações atuais ou do passado, que podem ser coletadas de diferentes maneiras.

Martins (2008) Estudo de caso é um estudo embasado teoricamente, que direciona o objeto a ser estudado por meio das referências selecionadas.

Gil (2009) Segundo o autor, estudo de caso é

transdisciplinar, uma vez que pode englobar diferentes áreas do conhecimento por meio da determinação de um caso que deve ser investigado na sua unicidade e de maneira profunda.

Deus, Cunha e Maciel (2010) Segundo os autores, o estudo de caso é uma forma única de estudo em que se escolhe um objeto a ser investigado. Não se tratando, portanto, de um método particular ou de uma escolha metodológica.

Mello (2013) O estudo de caso é uma proposta eclética

que possibilita aos investigadores analisar fielmente muitos ângulos de uma temática de estudo (MELO, 2013, p.1033).

Diante das proposições apresentadas pelos estudiosos destacados acima, podemos compreender em linhas gerais que o estudo de caso é uma modalidade de pesquisa, que

109 privilegia a unicidade e a determinação de um objeto a ser estudado. O tratamento dado ao objeto pode englobar compreensões que busquem sua totalidade. Além disso, o estudo de caso não é conceituado como uma escolha metodológica, visto que pode ser definido como uma investigação empírica que pode privilegiar elementos do passado e do presente, levando em consideração o contexto, a vida real e a teoria que perpassa o caso a ser pesquisado.

Além disso, para Johansson (2003), na literatura científica, podemos encontrar um posicionamento unânime por parte dos pesquisadores frente ao estudo de caso. Essa convergência é entendida por Johansson como ideias semelhantes, nas quais os estudos de caso devem:

 Ter uma unidade funcional complexa;

 Ser investigado em seu contexto natural por meio de métodos múltiplos;

 Ser contemporâneo (JOHANSSON, 2003, p.2).

Relatados os posicionamentos de diversos cientistas, concordamos em síntese com Stake (1994) de que o estudo de caso faz parte de um método cientifico, contudo, seu propósito não é limitado ao avanço da ciência37, visto que os estudos de caso podem refinar uma teoria e sugerir complexidades para o aprofundamento (continuidade) da investigação, bem como podem estabelecer limites para a generalização38 (STAKE, 1994, p.245).

Acreditamos que para que possamos avançar nossa compreensão sobre o que pode ser um estudo de caso, precisamos entender a priori o que é um caso.

Sabemos que a definição do que é caso não é uma tarefa simples, visto que não se encontra na literatura da área uma definição precisa sobre esse tema, que requer também debates da comunidade científica (JOHANSSON, 2003).

O caso pode ser teórico, empírico ou ambos, podendo ser também um fenômeno especifico de um tempo e espaço (JOHANSSON, 2003).

37 Do original: Case study is a part of scientific method, but its purpose is not limited to the advance of science

(STAKE, 1995, p.245).

38 Do original: Case studies are of value in refining theory and suggesting complexities for further investigation, as well as helping to establish the limits of generalizability (STAKE, 1995, p.245).

110 Ainda sobre a definição de caso, André (1984) afirma que caso é assim um “sistema delimitado”, algo como uma instituição, um currículo, um grupo, uma pessoa, cada qual tratado como uma entidade única, singular (ANDRÉ, 1984, p.52).

Já para Coutinho e Chaves (2002),

Quase tudo pode ser um “caso”: um indivíduo, um personagem, um pequeno grupo, uma organização, uma comunidade ou mesmo uma nação! Pode também ser uma decisão, uma política, um processo, um incidente ou acontecimento imprevisto, enfim um sem fim de hipóteses mil! Numa tentativa de síntese, Brewer & Hunter (1989, citados em Punch, 1998: 152) propõem seis categorias de “caso” passíveis de serem estudadas na investigação em Ciências Socais e Humanas: indivíduos; atributos dos indivíduos; acções e interacções; actos de comportamento; ambientes, incidentes e acontecimentos; e ainda colectividades (COUTINHO & CHAVES, 2002, p.223).

Adicionamos à essa proposição o posicionamento de que não podemos partir da ideia de que tudo possa ser caracterizado como um caso como propõem Coutinho e Chaves (2002) e Stake (2000), visto que um caso é definido por sua unicidade, particularidade e especificidade (STAKE, 2000).

A dificuldade em se definir o caso pode ser explicada pelo fato de um tipo de caso poder mudar ao longo do tempo dentro do estudo de caso. Em outras palavras, o caso pode mudar tanto nas mãos do investigador quanto nas mãos do público do pesquisador (Ragin & Becker, 1992, p.8) (apud JOHANSSON, 2003) dadas às interpretações direcionadas a ele.

Em relação à esse aspecto, Johansson cita, por exemplo, o estudo clássico denominado Street Corner Society (A sociedade da esquina) de William Foot Whyte (1943/1993), que pode ser lido como ele foi originalmente destinado pelo autor: como um estudo de casos múltiplos de gangues composta por meninos, como também pode ser lido – como é provavelmente mais comum hoje em dia - como um caso de observação participante. No estudo de Stake (1994), encontramos um posicionamento sobre estudo de caso, o qual compactuamos. Para o pesquisador,

A definição de caso não é independente do paradigma interpretativo e métodos de investigação. Visto a partir de diferentes visões de mundo e em diferentes situações, o "mesmo" caso é diferente. E embora, nos definamos o caso a princípio, as alterações de definição do estudo mudam à medida que estudamos (Tradução nossa, STAKE, 1994, p.245).

111 Para que possamos entender essa mudança dentro do próprio estudo de caso, exemplificamos a obra de Edmund Morris (1979) sobre o caso de Theodore Roosevelt citado por Stake. Nessa obra, podemos encontrar diversas definições dirigidas ao presidente ao longo da biografia, entre eles: The Dude from New York (O cara de Nova York), the Dear old beloved brother (O amado velho irmão), the Snake on the grass (A cobra na grama), the Rough Rider (O cavaleiro rude) e The Most Famous Man in America (O mais famoso homem da América) (STAKE, 1994, p.245).

Além disso, devido à sua unicidade histórica, o caso é uma entidade operacional complexa envolvida de inúmeros contextos, entre eles: o físico, econômico, ético e estético. O caso é particular, mas apresenta subseções como: produção, mercado, departamento; grupos como pais, professores e alunos; ocasiões: dias de trabalho, feriado, dias próximo aos feriados e uma serie de outros domínios, muitos tão complexos que o melhor a se fazer é apenas listá-los (STAKE, 1994, p.239).

Adicionamos à essas particularidades o fato de que o método e o objeto do estudo de caso podem sofrer alterações ao longo da pesquisa e do tempo em que os mesmos estão sendo desenvolvidos, fatores que podem dar margem à novas possibilidades de interpretação. Stake afirma também que os estudos de caso sofrem uma forte influência metodológica das pesquisas históricas, visto que os estudos de caso históricos, por exemplo, combinam estudo de caso e história.

Nesse cenário complexo, outra pergunta pode vir a nossa mente quando estudamos sobre o estudo de caso. Ela é: Como selecionar um estudo de caso?

De acordo com Johansson (2003), um caso pode ser selecionado conforme interesse intrínseco do indivíduo. Nesse caso, o pesquisador pode não ter o interesse em generalizar suas descobertas, uma vez que seu objetivo é compreender o caso. As generalizações podem ser realizadas pelo leitor que, por meio da generalização naturalística, desenvolve suas interpretações e entendimento sobre o que foi descoberto, descrito ou narrado.

Ainda para o autor, um caso pode ser também selecionado propositalmente em virtude de sua natureza única, rica e crítica. Nesse caso, há o interesse do pesquisador em desenvolver generalizações sobre suas descobertas.

112 Em suma, podemos observar que embora o estudo de caso possa ser desenvolvido a partir de um único caso, sua definição é multifacetada e complexa devido à sua própria natureza singular e heterogênea.

No item a seguir, continuamos a discorrer sobre o estudo de caso, destacando os tipos de estudo de caso existentes.