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O QUE É SER PROFESSOR? QUEM SÃO OS PROFESSORES?

CAPÍTULO 3 - PROFESSOR: UM DOS AGENTES DA POLÍTICA DOS 9 ANOS

3.1 O QUE É SER PROFESSOR? QUEM SÃO OS PROFESSORES?

Em muitas das discussões travadas acerca do ofício de professor em tempos recentes, são comuns asserções acerca das várias dificuldades encontradas nas diferentes realidades sentidas e vividas pela maioria dos professores do país: - perda de dignidade e identidade profissionais; - aumento de exigências, para além da função docente; desprestígio e desvalorização social; - alterações curriculares e da organização escolar à revelia da participação deles na sua discussão; - escassez de recursos materiais; - espaços escolares inadequados para o trabalho; - diminuição do apoio social à educação como perspectiva de ascensão social;

mudanças na relação professor/aluno; - baixos salários; - sensação de abandono mesclada ao desejo de desistir, abandonar a profissão; entre outras. (ESTEVE, 1995; NÓVOA, 1995; CORRÊA; MATOS, 1999; TARDIFF; RAYMOND, 2000;

GATTI, 2000; FREITAS, 2002; LIBÂNEO, 2003; SAMPAIO; MARIN, 2004; CALDAS, 2007; PENNA, 2007).

A fim de resgatar a centralidade da função do professor, Roldão (2007) problematiza o conceito de ensino e a representação sobre ser professor na atualidade e reitera a complexidade implícita a esse papel social:

A função de ensinar, nas sociedades actuais, [...] é antes caracterizada, na nossa perspectiva, pela figura da dupla transitividade e pelo lugar de mediação. Ensinar configura-se assim, nesta leitura, essencialmente como a especialidade de fazer aprender alguma coisa (a que chamamos currículo, seja de que natureza for aquilo que se quer ver aprendido) a alguém (o acto de ensinar só se actualiza nesta segunda transitividade corporizada no destinatário da acção, sob pena de ser inexistente ou gratuita a alegada acção de ensinar). (ROLDÃO, 2007, p.95).

A autora entende que a função do professor se traduz em uma atividade

“socioprática”, que não por isso, deixa de implicar um saber “intrinsecamente teorizador, compósito e interpretativo” (2007, p.101). Nesse sentido, a autora prefere

utilizar a expressão “acção de ensinar” em lugar de “prática docente”. Para Roldão, o ato de ensinar constitui-se em uma “acção inteligente, fundada num domínio seguro de um saber. Esse saber emerge dos vários saberes formais e do saber experiencial, que uns e outro se aprofundam e questionam.” (2007, p.101).

As concepções e saberes profissionais do professor informam sua ação de ensinar e são nessa ação questionados e/ou recriados, para ajustarem-se a cada situação educativa, implicando em um domínio profissional que vai além do domínio específico dos conteúdos ou das habilidades nas relações interpessoais.

Caldas (2007) ressalta a relação contraditória que permeia o trabalho docente, reconhecidamente precarizado. A autora discute acerca do protagonismo do professor em nível de discurso, propalado pelos órgãos oficiais, pelas políticas de formação inicial ou em serviço, pelas escolas e pelos próprios professores; contra o seu sofrimento, por vezes ou sempre negado, invisível, subsumido no cotidiano escolar. Isso mostra a contradição para os professores entre onipotência e impossibilidade perante o ensino.

Importa considerar essas primeiras e contundentes discussões relativas à função docente perante o perfil da profissão no contexto brasileiro, para se ter uma ideia geral de quem são os nossos professores. Assim, recorreu-se ao Censo do Professor, realizado pelo INEP e respondido por cerca de 1,7 milhão de docentes de todo o País, em 2003.

Esse levantamento revelou que, entre os professores que atuam na Educação Básica (da Educação Infantil ao Ensino Médio), a maioria, 74,4%, tem até 44 anos de idade. O exercício da profissão está sendo realizado majoritariamente por mulheres, que somam 84,1% dos profissionais da educação (BRASIL, 2003). Esse percentual corrobora informações encontradas em outras pesquisas realizadas no Brasil (CODO, 1999; SILVANY-NETO e col., 2000; UNESCO, 2004; REIS e col., 2006), que também indicam que os trabalhadores da educação constituem uma

categoria essencialmente feminina, caracterizando-se a chamada feminização da profissão. Essa característica da profissão traz algumas implicações relacionadas à condição feminina e aos estereótipos dela decorrentes: ideia de vocação natural das mulheres, no sentido de ser uma extensão da criação dos filhos; exercício de moralização e disciplinarização das crianças; maior capacidade em relação aos homens de compreensão do outro (no caso a criança) e de estabelecimento de vínculos, que dependem de dedicação e sensibilidade próprias da feminilidade;

submissão maior do que os homens a condições de trabalho ruins e salários baixos (PENNA, 2007). Ainda que atualmente os dados demográficos indiquem que há um grande número de lares chefiados e/ou sustentados exclusivamente por mulheres, a média salarial da população masculina continua sendo superior à das mulheres.

Os 6 participantes que foram entrevistados nesta investigação, conforme ver-se-á mais adiante, são todos do sexo feminino, sendo que nas escolas onde trabalhavam não havia nenhum professor do sexo masculino como regente das turmas de pré a 5o ano (ou 4a série).

Quanto à carga horária de trabalho, para 51,2% dos docentes que responderam ao levantamento (Censo do Professor), era de até 20 horas semanais, sendo que 18% dedicavam entre 21 e 30 horas às atividades em sala de aula e 12,6%, de 31 a 40 horas. Do total, 18,4% afirmaram que exerciam outra atividade além do magistério. A pesquisa também indicou uma renda familiar sensivelmente superior em relação à média da população. Enquanto pouco mais da metade da população brasileira ganha até dois salários mínimos42, entre os professores, 65,5%

dispõem de dois a dez salários mínimos de renda familiar mensal e 36,6% dispõe de cinco a dez salários mínimos.

42 O salário mínimo nacional, a partir de março de 2008 até provavelmente março de 2009, era de R$ 415,00 (Disponível em: <http://www.mte.gov.br/sal_min/default.asp>). No Estado do Paraná, o salário mínimo, a partir de maio de 2008 até provavelmente maio de 2009, variava de acordo com a ocupação profissional, sendo entre R$ 527,00 e R$ 548,00 (Disponível em:

Em outro relatório divulgado pelo INEP, “Estatísticas dos Professores no Brasil”, fez-se um cotejamento entre os ganhos salariais de diferentes profissões de carreira do serviço público e de autônomos, com base na PNAD de 2001, e revelou-se que os profissionais com menor rendimento mensal são os professores de Educação Infantil e do Ensino Fundamental, seguidos dos professores de Ensino Médio, dos suboficiais das Forças Armadas e dos agentes administrativos, que têm salários de 1,4 até 2 vezes maiores do que os salários do primeiro grupo de profissionais. Também ficou explícita a diferença regional entre os salários pagos no Brasil. “Um professor do Sudeste, por exemplo, ganha em média, duas vezes o que ganha um professor do Nordeste.” (BRASIL, 2003a, p.35).

Tais dados precisam ser relacionados a outros, tais como: o fato de a maioria (64,4%) dos professores, ao escolher essa profissão, ter conquistado uma elevação das condições socioeconômicas se comparadas com a situação dos seus pais (BRASIL, 2003a) e de, na atualidade, os professores serem oriundos das classes populares, distanciando o exercício da profissão das elites econômicas (KNOUBLACH, 2008; PENNA, 2007; GATTI; ESPÓSITO; SILVA, 1998).

Com isso infere-se que a referência quanto à maioria dos professores (69,2%) trabalharem entre 20 e 30 horas semanais, muito provavelmente perfazendo rendimentos menores do que aqueles que trabalham 40 horas ou mais, pode implicar em que o rendimento familiar seja acrescido pelo de outra ou outras pessoas da casa e que eles não sejam os responsáveis exclusivos pelas despesas domésticas, o que também se relaciona à questão da feminização da profissão, principalmente nas funções ou postos docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Entre as 6 professoras entrevistadas para a presente pesquisa, observou-se que metade trabalhava durante um período e a outra metade trabalhava em dois períodos na mesma Rede. Uma das professoras referiu já ter trabalhado, por muitos

anos, em dois períodos e que até teria necessidade de continuar, mas sente-se muito cansada e por isso não assumiu dois turnos no ano de 2008.

A pesquisa do INEP também revelou, quanto ao regime de trabalho, que a maioria dos profissionais eram servidores públicos: 46,7% vinculados às escolas das redes municipais de educação, 40,1% às redes estaduais e 11,9% a estabelecimentos particulares (BRASIL, 2003a). Desses dados em particular, entende-se que é justamente nas escolas públicas que a afetação das políticas públicas educacionais se faz com mais pungência, uma vez que traz a necessidade de revisões e/ou reorganizações de grande número de professores, alunos e familiares envolvidos.

Contudo, esse tende a ser o segmento que menos se pronuncia, a exemplo do que ocorreu com a implantação da política de ampliação do Fundamental no sistema estadual de ensino do Paraná. No caso em tela, a mídia impressa parece ter

“assumido as dores” das escolas particulares, que tiveram objeções quanto à regulamentação proposta pelo CEE/PR, no que dizia respeito ao ingresso da criança no Ensino Fundamental com 6 anos completos. Foi esse o segmento contemplado majoritariamente nas discussões ocorridas por essa via, na defesa da mudança de data corte para matrícula das crianças no Ensino Fundamental de 9 anos, diminuindo a exigência de idade das crianças ingressantes. Tal expectativa não representa, necessariamente, os interesses dos dois segmentos – privado e público.

Também se pode observar que, nessa situação em particular, a participação dos professores foi quase nula. Ouviram-se diretores e donos de escolas, responsáveis e/ou representantes dos órgãos governamentais envolvidos, especialistas da área, mas os professores implicados nessa política não foram ouvidos.

Retomando a questão do perfil docente, encontra-se a pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em parceria com o MEC, intitulada “O perfil dos Professores Brasileiros:

o que fazem, o que pensam e o que almejam...” (UNESCO, 2004). Esse levantamento abrangeu 5.000 professores do Ensino Fundamental e Ensino Médio, de escolas urbanas, públicas e privadas, dos 27 (vinte e sete) estados, que responderam os questionários entre abril e maio de 2002.

Entre as discussões levantadas no documento elaborado acerca do que foi apurado na pesquisa, destacam-se as seguintes observações: - “as pistas a serem seguidas, no sentido de chegar ao desenho de uma política pública mais democrática, capaz de resgatar a dignidade desses profissionais” (p.170) estão nas respostas dos próprios professores; - em uma apreciação mais rápida dos dados há o risco de se entender que “na sua grande maioria, os professores do país estão munidos de recursos suficientes para ultrapassar o senso comum e entender e aceitar, com muita facilidade e desenvoltura, as novas situações e exigências educacionais e sociais.”, contudo “grande parte dos docentes reflete, de modo geral, o imaginário da sociedade brasileira, contemporizando e minimizando situações de exclusão e desigualdades e reproduzindo, nas suas práticas, situações de violência simbólica, dificilmente mensuráveis.” (p.171); - os professores percebem a importância das famílias no processo educacional, demonstrando haver “uma preocupação com o olhar do outro sobre seu próprio trabalho.” (p.172); - há entre os professores uma percepção de que houve melhoras na educação, no que tange à legislação (LDB), às condições de trabalho e de infraestrutura do estabelecimento onde lecionam e ainda; - o fato de ser premente a necessidade de “investimento em um processo amplo e de políticas públicas integradas, com ênfase na valorização do magistério, compreendido sob as mais diferentes conjunções.” (p.178). Como a maioria dos documentos da Unesco, este se encerra com várias recomendações, que não devem ser aceitas como prescrição, mas como objeto de reflexão e discussão aos interessados nas questões educacionais.

Assim, entre alguns paradoxos que abrangem o ser professor na atualidade, vê-se que o protagonismo propalado sobre o papel do professor parece circunscrito a sua hiper-responsabilização, no que tange às dificuldades que seus alunos venham a demonstrar acerca dos conteúdos a serem aprendidos. No mais, em questões que envolvam reorganização curricular, seja da sua própria formação ou da formação de seus alunos; mudanças na organização da escola, da forma de gestão, participação da comunidade de pais, entre outras, constata-se que o professor as assiste de fora.

Em relação ao Ensino Fundamental de 9 anos não foi diferente. Os professores, de diferentes redes e instituições, não foram convocados diretamente pelo governo federal, responsável pela elaboração do programa de ampliação e pelas primeiras normatizações, desde a promulgação da Lei no 11.274/06, até os pareceres e resoluções do CNE. Os interlocutores junto ao MEC foram principalmente os gestores estaduais e municipais da educação. De acordo com o 2o Relatório do Programa (BRASIL, 2005d), 20 secretarias estaduais e apenas 135 secretarias municipais (há no país 5.563 municípios) haviam participado do

“Encontro Nacional: Ensino Fundamental de Nove Anos”, realizado em novembro de 2004. Qualquer interlocução direta com os professores, se houve ou não, dependeu das instâncias locais, sob a responsabilidade das Secretarias de Educação e das próprias escolas.

Antes da oferta de turmas para crianças de 6 anos no Ensino Fundamental, estas eram educadas por professores e/ou educadores do segmento da Educação Infantil. Histórica e tradicionalmente, o professorado que atua no Ensino Fundamental difere em termos de perfil, carreira e remuneração, se comparado com o grupo de profissionais da Educação Infantil.

No relatório “Estatísticas dos Professores no Brasil” (BRASIL, 2003a), os dados relativos à formação dos professores do Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série

mostram que houve melhora na escolaridade deles. No documento em questão, encontra-se 64% das funções docentes43 ocupadas por professores com Magistério, em nível Médio, e 2,9% com nível médio sem Magistério; a formação superior (com ou sem licenciatura) perfaz 30,3 % do total. Com esses dados vê-se que diminuiu a proporção de 15,3% (1996) para 2,8% (2002) das funções docentes ocupadas por professores com instrução somente até o Ensino Fundamental.

Já em relação à Educação Infantil, em termos de formação, 14% das funções docentes exercidas em Creche têm formação inferior ao Ensino Médio, sendo 5,3%

com Ensino Fundamental incompleto e 8,7% com Ensino Fundamental completo.

Contudo, há ainda que se considerar a precariedade das estatísticas sobre creches até o presente no Brasil, pois, uma parcela dessas instituições não se encontra regularizada, ficando impossibilitada de responder ao Censo Escolar. Assim, entende-se que os problemas de qualificação dos profissionais nesse segmento devem representar mais do que a porcentagem indicada anteriormente. Também se verificou que 71,3% das funções docentes são exercidas por profissionais habilitados em nível médio e que 14,7% o são por profissionais com curso superior (BRASIL, 2003a).

Sobre as funções docentes desenvolvidas na Pré-escola, houve um aumento de 16,3% (1996) para 22,5% (2002) de funções ocupadas com formação superior com licenciatura. E ao se considerar a formação superior, com e sem licenciatura, esse percentual sobe para 27,4.

Vários pesquisadores já destacaram que um dos desafios mais contundentes para a melhoria da qualidade da Educação Infantil é a formação e a valorização do profissional que atua na área, sendo que a capacitação específica do profissional é um dos fatores que causam maior impacto sobre a qualidade do atendimento

43 No Censo Escolar 2002, de responsabilidade do INEP, ao invés de considerar-se o universo de professores, considerou-se o universo de postos ou de funções docentes, sendo que um mesmo professor pode ocupar uma ou mais funções docentes.

(BARRETO, 1998; CAMPOS, 1997; KULHMANN JÚNIOR, 1999). Contudo, não se deve desconsiderar que a infraestrutura das instituições, bem como as condições de trabalho devem acompanhar a melhora na formação e habilitação desses profissionais.

Retomando a discussão sobre o ser professor, independentemente do nível de escolaridade em que atue, realizada por Roldão (2007), encontra-se que:

[...] saber ensinar é ser especialista dessa complexa capacidade de mediar e transformar o saber [...] pela incorporação dos processos de aceder a, e usar o conhecimento, pelo ajuste ao conhecimento do sujeito e do seu contexto, para adequar-lhe os procedimentos, de modo que a alquimia da apropriação ocorra no aprendente – processo mediado por um sólido saber científico em todos os campos envolvidos e um domínio técnico-didáctico rigoroso do professor, informado por uma contínua postura meta-analítica, de questionamento intelectual da sua acção, de interpretação permanente e realimentação contínua. (p. 101-102).

A autora reitera, contudo, que ser esse mediador implica “ser um ‘profissional de ensino’, legitimado por um conhecimento específico exigente e complexo”

(ROLDÃO, 2007, p.102), que independe de dom ou vocação e que não se esgota em uma técnica específica.

A prática profissional ensina o professor a produzir a mediação do saber, adequada e necessária aos estudantes, desde que seja uma “prática informada, alimentada por velho e novo conhecimento formal, investigada e discutida com os pares e com os supervisores – ou, desejavelmente, tudo isto numa prática colectiva de mútua supervisão e construção de saber inter pares.” (ROLDÃO, 2007, p.102).

A capacidade e a necessidade de investigar e teorizar a própria ação docente não retira do ensino sua caracterização principal, de acordo com Roldão (2007, 2003), a prática. O ensino requer ação e interação, vinculados a um conhecimento rigoroso e atualizado.

Concorda-se com a autora quando ela diz que o desafio e ao mesmo tempo o salto na profissionalização docente é criar condições para o desenvolvimento de “um saber profissional mais analítico, consistente e em permanente actualização, claro na sua especificidade, e sólido nos seus fundamentos.”(ROLDÃO, 2007, p.102).