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O primeiro capítulo, que trata da filosofia em geral, tem como objetivo colocar a questão da reprodução das relações de produção "sob a égide da questão da filosofia", ou seja, da filosofia marxista-leninista.

...é verdade que não se pode responder à pergunta: em que consiste a filosofia marxista-leninista, sem fazer o grande desvio pelo tomo I (Reprodução das relações de produção) e pelo tomo II (A Luta de classes).

Mas por que motivo colocar, assim, na frente a questão da filosofia marxista-leninista e, já que a precede, a questão da filosofia propriamente dita? (tomo I, capítulo I)....

Em poucas palavras, eis aí essas razões.

Tudo o que se refere à ciência desenvolvida por Marx (em particular, neste tomo I, a teoria da reprodução das relações de produção) depende de uma ciência revolucionária criada por ele com base no que se chama, na tradição marxista, a filosofia do materialismo dialético, precisamente, como mostraremos e demonstraremos com base em uma posição de classe proletária filosófica. Portanto, não é possível - e isso mesmo foi compreendido e mostrado admiravelmente por Lenin - compreender, nem, por força de razão, expor e desenvolver a teoria marxista, nem que seja em relação a tal ponto limitado, a não ser a partir das posições de classe proletárias no campo da teoria. Ora, o caráter próprio de qualquer filosofia é representar, na teoria, a posição de determinada classe social.60

Althusser procura demonstrar a importância da filosofia materialista dialética para o desenvolvimento da teoria marxista, como também para as análises concretas das situações concretas, "que é a única forma de tornar possível a ciência marxista, mas é igualmente indispensável para a prática política da luta de classes"61.

60 Louis ALTHUSSER, Sobre a Reprodução, 22-23 61 Ibid,23.

Com relação ao capítulo propriamente dito, Althusser parte da representação popular “do filósofo que vive com a cabeça nas nuvens e cai no poço” e nosso autor considera dois elementos dessa representação popular da filosofia. O primeiro, a filosofia como resignação; o segundo, a filosofia como necessidade racional.

Para Althusser, a filosofia

contém, de fato, uma distinção entre dois tipos completamente diferentes de filosofia. Por um lado, existe a “filosofia” passiva e resignada daquele que “leva as coisas com filosofia” “cuidando de seu jardim” e “esperando que a situação se normalize” (chamaremos essa “filosofia” de filosofia do senso comum). Mas, por outro, existe a filosofia ativa daquele que se submete à ordem do mundo porque ele a conhece pela Razão, seja para conhecê-la, seja para transformá-la (vamos designá-la por Filosofia no sentido estrito do termo, escrevendo-a com letra maiúscula).62

No essencial, o que Althusser pretende é distinguir claramente “a filosofia do senso comum, presente na expressão popular, com a Filosofia no sentido forte do termo, a filosofia “elaborada” por filósofos... que pode ou não se difundir, ou antes, ser difundida entre as massas populares”63.

O autor quer chamar a atenção para a prática filosófica enquanto esforço racional e de abstração, prática que distingue o filósofo dos homens comuns. “O filósofo ‘sabe’ e diz certas coisas que os homens comuns não conhecem, ele deve percorrer as vias difíceis da abstração para alcançar tal ‘conhecimento’ elevado que não é dado imediatamente a todos os homens”64.

62 Ibid,32

63 Louis ALTHUSSER, Sobre a Reprodução, 33 64 Ibid,33

Portanto, ao tratar da Filosofia, e não da filosofia do senso comum, Althusser afirma que todos os homens não são filósofos, mas que qualquer homem pode tornar-se um filósofo.

Ainda nesse capítulo, é defendido que a Filosofia nem sempre existiu, e que para sua constituição, enquanto disciplina na sociedade, depende da conjugação de dois elementos, a existência de classes sociais (condição necessária) e a existência de ciências (condição suficiente). A partir desses condicionantes, e segundo Althusser, o aparecimento da Filosofia, como se conhece, se dá a partir de Platão.

É um fato que a Filosofia, tal como a conhecemos; começou para nós com Platão, na Grécia, no século V antes da nossa era. Ora, observamos que a sociedade grega comportava classes sociais (1ª condição) e que é nas vésperas do século V que a primeira ciência conhecida no mundo, a saber, a Matemática, começa a existir como ciência (2ª condição). Essas duas realidades: classes sociais e ciência matemática (demonstrativa), estão registradas na Filosofia de Platão e unidas nela. Platão tinha escrito no pórtico da Escola onde ensinava a Filosofia: “ninguém entre aqui se não for geômetra”.65

As condições, classes sociais e ciência, para o aparecimento da Filosofia, são condições que determinam as grandes transformações na Filosofia.

Constatamos, talvez com surpresa, que todas as grandes transformações na filosofia intervêm na história, seja quando se produzem modificações notáveis nas relações de classe e no Estado, seja quando se produzem grandes acontecimentos na história das ciências, com esta precisão: ao se encontrarem, parece que, na maior parte do tempo, as modificações notáveis da luta de classes e os grandes acontecimentos da história das ciências se reforçam para produzirem efeitos salientes na Filosofia.66

65 Ibid,34

O que Althusser chama a atenção é que a Filosofia nem sempre existiu e que suas transformações estão em estreita relação com os acontecimentos nas relações de classes e do Estado e na história das ciências.

Ao finalizar o capítulo, nosso autor relativiza suas conclusões e afirma que constatamos somente a existência de uma relação entre essas condições e a filosofia. Mas ainda não sabemos nada da natureza dessa relação. Para ver com maior clareza essa relação, seremos obrigados a propor novas teses, fazendo um desvio bastante grande. Esse desvio passa, como já anunciei, pela apresentação dos resultados científicos do materialismo histórico que são necessários para podermos produzir uma definição científica da filosofia. E, em primeiro lugar, pela pergunta: o que é uma “sociedade”?67.

O fechamento deste capítulo reafirma a questão da filosofia como central do projeto inicial, e em especial a filosofia marxista-leninista. Portanto, no primeiro capítulo, Althusser apresenta sua tese provisória, “a existência da filosofia e de suas transformações parecem estar em relação estreita com a conjunção de acontecimentos importantes nas relações de classe e do Estado, por um lado, e por outro, na história das ciências”68. No que diz respeito ao aprofundamento do que consiste a Filosofia e em especial a Filosofia marxista-leninista, há a necessidade de se compreender a constituição da sociedade. E, ao reler os textos “Aparelhos Ideológicos de Estado” e “Sobre a Reprodução”, há que se considerar o esforço de Althusser em compreender a sociedade em seu todo. E há que se considerar o primeiro texto, como o próprio Althusser apresenta, como notas para uma pesquisa sobre a “Reprodução das Relações de Produção”.

67 Ibid,39