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3.3.2 – As Teorias das Novas Tecnologias

A recuperação do referencial althusseriano, também pode contribuir nas atuais análises das relações entre educação e trabalho, impulsionadas pela introdução das novas tecnologias, no processo de trabalho e no impacto dessas no campo educacional.

No debate, Althusser pode contribuir, na mesma perspectiva da contribuição à Sociologia do Currículo, em análises mais amplas, estruturais, que relacionem educação e trabalho a partir de elementos sociais e políticos envolvidos nessa relação,

além da perspectiva de classe e da luta de classes nessas análises. Sua contribuição pode ser pensada, a partir dos limites e das críticas às teorias das Novas Tecnologias, mesmo aquelas teorias de autores que usam instrumentais do marxismo para fazê-la.

Com relação à crítica às teorias das Novas Tecnologias, independente de concordar-se ou não, o professor Tomaz Tadeu da Silva novamente pode auxiliar, agora na compreensão dos fundamentos dessa corrente de análise. Ele dedica um capítulo inteiro, “Educação e Produção: Conexões e Relações”, de seu livro “Identidades Terminais: As transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política”, para demonstrar a linha de raciocínio e os limites das teorias. Nesse texto, entre outros de sua autoria, abre-se a possibilidade de pensar a relação educação e trabalho, não numa correspondência entre oferta e demanda da formação da mão de obra para o sistema produtivo, mas numa perspectiva do papel político e ideológico da educação na reprodução das relações de produção, no contexto da introdução de novas tecnologias, da globalização dos mercados e da política neoliberal.

Em seu texto, Silva inicia apontando quatro referências onde, segundo ele, os teóricos das Novas Tecnologias centram suas discussões para mostrar o impacto das novas tecnologias sobre educação:

1)Certas modificações na economia capitalista, resultantes de crises no processo de acumulação, obrigam a uma reorganização no processo de trabalho, envolvendo a adoção de tecnologias propriamente ditas, em geral baseadas na microeletrônica, e a introdução de novas formas organizacionais, tais como as ilhas de produção, por exemplo.

2)Estas modificações representam uma mudança radical em relação às praticas fordistas e tayloristas de organização do trabalho, baseadas na produção em massa e continuada de objetos uniformes, na linha de montagem e na divisão extrema do processo de trabalho em segmentos cognitivamente vazios. ... 3)Como conseqüência, as novas formas de produção exigem um trabalhador cujas características atitudinais e cognitivas diferem

radicalmente daquelas do trabalhador do regime fordista e taylorista de produção. ...

4)Finalmente, entra neste raciocínio o papel da educação. Tendo em vistas estas exigências modificadas do processo de produção, caberia ao sistema educacional formar este novo tipo de trabalhador, dotado de um acervo de conhecimentos técnicos e científicos apropriados às novas exigências. Não mais o trabalhador limitado e parcial da linha de produção fordista e taylorista, mas o trabalhador flexível, polivalente e politécnico, munido de uma compreensão geral dos princípios técnicos e científicos, associado às características da produção capitalista pós-fordista. A escola deveria, em conseqüência, modificar-se para produzir este tipo de trabalhador (manual, naturalmente).206

Essas referências levam o autor do texto a afirmar que a maioria dos trabalhos desta corrente não tem gerado grandes diferenças entre suas análises, mesmo as baseadas no técnico-funcionalismo e as da tradição crítica em educação.

Tomaz Tadeu da Silva, após seguida à apresentação das referências das teorias das Novas Tecnologias, faz quatro observações na linha de raciocínio dessas teorias. A primeira em relação ao Brasil, onde questiona os trabalhos que se referem à situação brasileira, uma vez que é desconhecida a extensão do impacto das novas tecnologias e das novas formas de organização do trabalho no Brasil. Além dos indicadores que mostram que a implementação de novas tecnologias em setores mais dinâmicos da indústria, do comércio e dos serviços são setores limitados e não representam o universo do trabalho no Brasil.

A segunda observação do autor se refere à existência de uma otimismo em relação às exigências cognitivas colocadas pelas novas tecnologias sobre o trabalhador.

Segundo Silva, “existe uma tendência em toda essa discussão a se prender a uma definição exclusivamente fisiológica, conteudística e técnica das modificações nas

habilidades exigidas pelas NTs, em detrimento de uma compreensão dos elementos sociais e políticos aí envolvidos”207.

Na observação seguinte, o autor faz a crítica ao pressuposto dessas teorias no que se refere à relação entre as novas tecnologias e a educação. Segundo Tomaz Tadeu, os teóricos das Novas Tecnologias partem da existência de uma correspondência estreita entre as demandas do mundo do trabalho e a oferta da educação para esta demanda. Ao referir-se a essa lógica de raciocínio, o autor compara o modelo das teorias do capital humano aos das teorias das Novas Tecnologias, afirmando que esse

modelo é praticamente o mesmo. O raciocínio inicia-se no impacto das NTs sobre a reorganização do processo de trabalho nas empresas e o conseqüente perfil cognitivo e atitudinal do trabalho aí exigido. A partir de uma descrição do conteúdo dessas modificações e do conteúdo das tarefas exigidas pelas NTs, postula-se a necessidade de um sistema educacional que esteja sintonizado com essas modificações e esteja apto a fornecer o novo perfil de trabalhador. Ou, o que é pior, parece haver em certos relatos a crença de que as modificações tecnológicas levarão automaticamente ou forçosamente a modificações correspondentes na organização educacional, no currículo e na pedagogia. Alguns teóricos de esquerda desenham uma espécie de utopia em que o movimento da tecnologia é determinante na alteração da atual organização da divisão do trabalho e de outras condições sociais, como a educação.208

A crítica de Silva a esse raciocínio avança quando afirma que as teorias das NTs são centradas numa problemática essencialista ou substancialista,

na medida em que focalizam o conteúdo do trabalho manual e as modificações aí introduzidas pelas NTs e não a relação entre trabalho mental e trabalho manual. Isso é possivelmente uma conseqüência do fato de que a classe é a grande ausente desse tipo de pesquisas. Se estivessem baseadas numa análise de

207 Tomaz Tadeu da SILVA, Identidades Terminais, 36 208 Tomaz Tadeu da SILVA, Identidades Terminais, 37

classe, compreenderiam que não importa qual o grau das modificações atitudinais e cognitivas introduzidas no âmbito do trabalho manual, nem sua suposta positividade: isto não constitui nenhuma modificação essencial na natureza da divisão social do trabalho entre mental e manual, na medida em que essas modificações permanecem na órbita do trabalho manual. O trabalho manual não é manual por causa de seu conteúdo, ou de suas características físicas ou mentais ou fisiológicas, ou técnicas. O trabalho manual é manual fundamentalmente por sua relação com o trabalho mental. Nenhuma modificação naquele conteúdo, por radical que seja, terá o efeito de alterar esta relação.209

Quanto à quarta e última observação ao modelo de raciocínio das teorias das NTs, Silva chama a atenção para o caráter restrito, localizado, no interior do processo de produção e os limites desse enfoque.

Ao se concentrar no interior do processo de trabalho, esses estudos deixam de problematizar as relações mais amplas existentes entre a produção da ciência e da tecnologia e o processo de produção capitalista. Esta relação, teórica e politicamente mais importante, não pode ser flagrada no interior do local de trabalho, mas nos processos mais amplos, pelos quais a produção da ciência e a produção tecnológica estão entrelaçados. Ao restringir suas análises ao interior do processo de trabalho, os pesquisadores das NTs correm exatamente o risco de deixar de fora da análise esse importante componente da divisão social do trabalho.210

Após as observações sobre o modelo do raciocínio básico das teorias das Novas Tecnologias, Silva procura demonstrar que as teorias críticas em educação, com raras exceções, têm dedicado muito pouco esforço às análises dos mecanismos estruturais da educação institucional.

209 Ibid,38-39

Referindo-se a Marx, no que diz respeito à separação entre trabalho manual e intelectual, entre concepção e execução, tomando esta divisão como aspecto central na subordinação do trabalho ao capital, e que a separação é própria das relações capitalistas de produção que se originam no processo de trabalho capitalista, chama a atenção para a separação entre trabalho manual e trabalho intelectual.

Silva, ao discutir o papel da escola na reprodução da divisão social do trabalho, a coloca a partir de uma perspectiva diferente das compreensões que indicam mudanças, no interior do processo de produção, em decorrência da introdução das novas tecnologias.

Do ponto de vista do conceito relacional, estrutural, que estou discutindo, nenhuma mudança técnica significará realmente mudança na relação entre trabalho mental e trabalho manual, pois esta é exatamente isto: uma relação social, uma relação entre posições. Como diz Poulantzas (1978, p.21), “o processo de produção não é definido por dados ‘tecnológicos’, mas pelas relações dos agentes com os meios de trabalho e, assim, entre eles, portanto, pela unidade do processo de trabalho das ‘forças produtivas’ e das relações de produção”. Mudanças absolutas, técnicas, de conteúdo ou de natureza, por mais radicais que sejam, por maiores que sejam, mas que deixam intocadas as relações entre posições no interior do processo de produção e no contexto das relações sociais mais amplas, não alteram essencialmente o caráter da divisão social do trabalho.211

A recuperação da problemática do papel da escola, enquanto reprodutora dos agentes e dos lugares da produção de Nicos Poulantzas, feita por Silva, leva-o a afirmar que “a reprodução dos lugares refere-se à reprodução estrutural das classes, enquanto a reprodução dos agentes refere-se à produção subjetiva das pessoas que irão ocupar os lugares”212.

211 Tomaz Tadeu da SILVA, Identidades Terminais, 53 212 Ibid,47

A importância dessa discussão levantada por Tomaz Tadeu da Silva, tanto no que diz respeito à Nova sociologia da Educação quanto às teorias das Novas Tecnologias, é chamar a atenção para a necessidade de análises estruturais da educação; nesse sentido sua preocupação vem contribuir para a tese aqui apresentada, a da recuperação do referencial althusseriano para novas análises mais abrangentes do papel político/ideológico da escola.