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PARTE I. ENQUADRAMENTO TEÓRICO E REVISÃO DE LITERATURA

CAPITULO 2 A Educação Artística no âmbito da Educação Especial

3.2. Que funcionalidade para o currículo de artes visuais?

Os alunos participantes no presente estudo usufruem das medidas do regime educativo especial definidas pelo Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de Janeiro, documento que determina e fundamenta as respostas educativas e respectivas formas de avaliação, as quais são formalizadas na elaboração de um Programa Educativo Individual (PEI) em parceria entre a escola e família. Desse documento formal que garante direito à equidade educativa dos alunos com NEE, constam as adequações do processo de ensino e de aprendizagem que visam promover a sua aprendizagem e a participação, e pelas quais a escola e os encarregados de educação são responsáveis. Constituem as medidas educativas referidas as seguintes alíneas: a) Apoio pedagógico personalizado; d) Adequações no processo de avaliação; e) Currículo Específico Individual e f) Tecnologias de apoio.

Por se tratarem de alunos com dificuldades acentuadas, não estão sujeitos a matrizes curriculares definidas para os restantes alunos, pelo que se prevê a aplicação da medida do CEI (artigo 21º), cujo documento anexo ao PEI modifica as competências definidas para cada nível de ensino mediante o parecer do conselho de turma, equipa multidisciplinar, docente de Educação Especial e Encarregado de Educação. Pressupõe alterações que poderão ser significativas relativamente ao currículo comum, podendo as mesmas traduzir-se na introdução, substituição e ou eliminação de objetivos e conteúdos, em função do nível de funcionalidade do aluno. Pretende-se que o CEI inclua conteúdos conducentes à autonomia pessoal e social do aluno e dê prioridade ao desenvolvimento de atividades de cariz funcional centradas nos contextos de vida diária. Ou seja, dever-se-ão ter em conta as características e as necessidades individuais de cada aluno, atendendo à máxima de que "cada caso é um caso" e à tónica das metas/objetivos que melhor visam a autonomia. Em síntese, pretende-se que os currículos específicos:

«Tenham um carácter funcional e as atividades propostas sejam úteis para a vida presente e futura (pos-escolar) do aluno; a seleção das competências a desenvolver devem ter como critério a sua aplicabilidade nos diferentes contextos

da vida do aluno (…); as atividades devem estar relacionadas com a idade cronológica do aluno».44

A legislação não prevê a aplicação de um modelo único, pelo contrário, define que o CEI deve ser flexível e criteriosamente adaptado ao nível de funcionalidade dos alunos. Nesse sentido, a frequência de um CEI não é impeditiva da participação dos alunos nas turmas de ensino regular, devendo acompanhar, tanto quanto possível (de acordo com as suas capacidades), as temáticas e conteúdos abordados no currículo comum.

De acordo com as orientações da Direcção Geral de Educação, deverá ser preferencialmente organizado e operacionalizado segundo áreas curriculares como: Língua Portuguesa Funcional (expressão escrita, leitura, compreensão e expressão oral), Matemática Funcional, Formação Pessoal e Social e Atividades da Vida Diária, sendo que as áreas disciplinares como Educação Física, Educação Musical, Educação Visual e Educação Tecnológica, poderão estar contempladas mediante a possibilidade de participação dos alunos no seio das suas turmas de referência. Porém, as propostas e orientações no que se refere à “funcionalidade” de programas curriculares na área da Educação Artística nas artes visuais, são escassas para alunos portadores de problemáticas cognitivas ou motoras. Quanto a outra das áreas da Educação Artística – a Música - têm sido implementados projetos experimentais na vertente da musicoterapia. Contudo, as questões ligadas à elaboração de um CEI, que contemple uma avaliação detalhada do perfil de funcionalidade de cada aluno e um currículo elaborado “à medida de cada um”, não se podem desligar dos formatos de trabalho dos estabelecimentos de ensino, largamente imobilistas e renitentes à mudança.

No quotidiano das escolas encontramos muitas vezes este caráter contraditório e verificamos que são feitas sugestões no sentido da diferenciação curricular positiva, mas que não encontram no terreno um enquadramento que permita a sua operacionalização.

Desse modo, a medida de CEI, ao invés de potenciar a diversidade e desvendar as áreas fortes dos alunos com dificuldades acentuadas, afunila para áreas muito restritas

44 Fonte. Princípios Orientadores da Educação Especial, Adelaide Barbosa (2013), disponível em «http://pt.slideshare.net/AdelaideBarbosa1/principios-orientadores-educao-especial». [Consult:10/06/14].

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dirigidas para a autonomia dos alunos ao nível da literacia, numeracia, segurança e higiene pessoal e, só a partir dos quinze anos se procede ao despiste vocacional, a fim de programar uma transição para a vida ativa. Como refere Maria do Céu Roldão, no seminário Inclusão e Conhecimento45 (2012): «Incluir tem assim sido abordado, no plano curricular, sobretudo

através de conceitos como diferenciação e adequação. Contudo, a apropriação práxica desses conceitos tem muitas vezes reconduzido a formas internas de exclusão, em nome de opções de nível, ou na escolha do praticismo versus o conhecimento mais elaborado».

O pendor do modelo curricular funcional no âmbito das artes visuais enquanto promotor de competências funcionais, é determinante no foco atribuído às «competências que o aluno necessita desenvolver para funcionar nos diversos ambientes com o máximo de autonomia possível. Este modelo tem implicações ao nível do grau de estruturação curricular, o qual deverá permitir níveis de flexibilização e adaptação permanente no sentido de ajustar o processo individualizado de ensino-aprendizagem. Fatores como o comportamento dos alunos e alteração dos registos da interação podem ser razão para alterar toda uma planificação prévia. De acordo com Ana Maria Bénard da Costa, na obra Currículos Funcionais - Manual para formação de docentes (2000):

«a análise dos comportamentos interactivos coloca-nos, obrigatoriamente, perante os conceitos de bidireccionalidade, adaptação mútua de comportamentos, contingência, responsividade, sincronia, pré-adaptação biológica à interação social. Coloca-nos face à capacidade/incapacidade de permanentemente ajustarmos os nossos comportamentos à imprevisibilidade e complexidade estrutural (cognitiva, motora, linguística...) dos comportamentos do outro, o que envolve a presença, a fusão e o abraço, de mecanismos» lógico-racionais e de mecanismos afetivos e intuitivos» (p.20).

Reportando-se ao perfil do professor de acordo com a perspetiva educativa funcional dirigida aos alunos com deficiência intelectual acentuada, Benárd da Costa refere que «Ao potenciar a construção de uma relação afectiva securizante, a vivência de sentimentos de competência e eficácia por parte da criança, facilita o confronto com as aprendizagens»

45 Fonte: Comunicação no seminário: Inclusão e Conhecimento, Maria do Céu Roldão.disponível em «http://www.ceied.ulusofona.pt/images/stories/artigos/livro_resumps_5_seminario_educacao_inclusiva.pt» [Consult:05/07/14].

(ibidem). A este ambiente securizante associamos a atitude responsiva do adulto, enquanto fator que influencia igualmente o sucesso nas aprendizagens e o desenvolvimento sócio- afetivo.

Consideramos que responsividade enquadra o perfil de professor enquanto mediador na promoção de «sentimentos de competência e eficácia do aluno em relação à sua capacidade de agir e controlar o mundo físico e social» (ibidem). Com base nestes pressupostos, os currículos funcionais deverão também ser adequados à idade cronológica, sendo que pouco ou nada têm a acrescentar ao desenvolvimento da autonomia ou de adaptação ao meio algumas tarefas, nomeadamente quando enquadradas na área artística da seguinte forma:

«Um dos problemas enfrentados, em muitos países, no que diz respeito a estes alunos, na sua vida escolar consiste no facto de que, uma vez matriculados nas escolas regulares, são avaliados com base nas suas competências intelectuais e são-lhes propostas atividades infantilizantes, totalmente desfasadas da sua idade cronológica. São típicas destas perspetivas não-funcionais, tarefas tais como colar, picar, pintar imagens, etc., atividades estas que, são geralmente justificadas por uma única razão: o desenvolvimento da motricidade fina».

Bénard da Costa sublinha que a perspetiva funcional de um currículo deve focar estratégias centradas em atividades úteis, que desenvolvam em cada aluno a autoestima e o sentido de participação num grupo ou comunidade. Por isso as atividades infantilizantes, no contexto da educação inclusiva, constituem a antítese ao nível de participação desejada e conduzem a exposições totalmente desintegradas em relação aos pares das mesmas faixas etárias. Sobre a atividade artística, a autora considera que esta não possui, nesta abordagem curricular, um caráter estritamente funtional, e destaca o seu valor intrínseco e a relevância de se desenvolver junto dos pares:

«é igualmente importante que a sua educação passe pelas atividades artísticas, pelo desporto ou pelo jogo que, obviamente, não têm um carácter funcional, mas que contribuem para o enriquecimento global do ser humano (…) É, assim, necessário

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que estas atividades funcionais e não funcionais se equilibrem, sempre que possível, em estreita ligação com as que decorrem para todos os colegas na sala de aula».46

Tendo em conta estas premissas, segundo a orientação da perspetiva de ação centrada na pessoa, procuramos não nos limitarmos somente ao desenvolvimento da atividade/ação baseada em competências específicas (operacionais ou de procedimentos) da EA nas artes visuais, mas também às finalidades ou metas de aprendizagem capazes de desenvolver nos alunos a curiosidade, a imaginação e a criatividade, bem como a autonomia, a autoestima e o desenvolvimento físico e intelectual, conducentes a «sentimentos de eficácia e competência» (2000:20).

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