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3 A HOMOLOGAÇÃO DE ACORDOS EXTRAJUDICIAIS NA JUSTIÇA DO

4.1 O QUE PODE SER OBJETO DO ACORDO

Ao tratar da homologação de acordo extrajudicial no processo do trabalho, muito se pensa sobre o que, de fato, poderia ser objeto desse ajuste e de disposição pelas partes. Frise-se que os requisitos apontados no capítulo primeiro, principalmente no tocante à renúncia e transação, devem ser rigorosamente verificados.

Antes de abordar o que pode ser objeto do acordo extrajudicial é preciso fazer algumas observações.

Como já exaustivamente dito, o procedimento ora estudado deve ser pensado como meio alternativo para resolução de conflitos, que aparece na seara trabalhista como forma potencialmente mais célere de pacificação social. Sendo, por esse motivo, um instrumento que possivelmente será mais utilizado ao término do contrato de trabalho, quando o empregado se livra da subordinação e resolve reivindicar o que é seu por direito.

Mas, por inserir-se em um campo com regramento específico e com princípios próprios, deve observância a estes, de forma que esse instrumento de resolução de controvérsias não preste verdadeiro desserviço à efetividade dos direitos trabalhistas.

A segunda observação é que exige-se maior cautela quando este acordo for celebrado na vigência do contrato de trabalho, por dois motivos: a subordinação e a hipossuficiência econômica do empregado, a qual está presente na esmagadora maioria das relações de emprego. É fácil imaginar que, na maior parte dos casos, o empregado aceita as condições propostas pelo empregador, ainda que manifestamente desfavoráveis, no receio de perder seu posto de trabalho, temor esse que prejudica a higidez da manifestação de vontade.

Nessa sintonia, é preciso frisar que a condição de hipossuficiência e subordinação deve ser observada no que tange ao poder de disposição do empregado sobre certos direitos, mas não pode viciar, por presunção, o negócio jurídico celebrado entre empregado e empregador.

“Somente quando o poder hierárquico interferir nas manifestações de vontade, em detrimento da parte mais frágil, estarão os negócios eivados de nulidade.” 228

Veja abaixo, in verbis, a notícia divulgada por um website que demonstra a realização bem sucedida de um acordo no curso do contrato de trabalho, em que a empresa e a empregada negociaram a redução da carga horária, com a manutenção do salário-hora, em benefício da própria obreira.

Em rápida decisão, a Justiça trabalhista de Porto Alegre homologou acordo extrajudicial que resultou na redução de horas de trabalho, com a manutenção do salário-hora, de uma empregada de uma operadora de planos de saúde.

No caso, a empregada, que trabalha há muitos anos na empresa, tinha uma jornada de trabalho de 44 horas, mas pediu para trabalhar 30 horas por semana, sem reduzir o salário. Ao invés de mudar de emprego, ela sugeriu a alteração à empresa que atendeu ao pedido.

O acordo, realizado entre empregada e empregador, foi homologado pelo juiz do trabalho substituto Max Carrion Brueckner da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. “Homologo o acordo ajustado pelas partes nos termos dos arts. 855-B e seguintes da CLT (redação dada pela Lei 13.467/17), uma vez que ambas as partes estão representadas por advogados, inexistindo evidência de vício de vontade, bem como os documentos [que] demonstram a necessidade de a trabalhadora reduzir a jornada por questões familiares”, afirmou o juiz em sua decisão.

A ação de homologação de acordo extrajudicial está prevista no artigo 855-B da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Pela regra, o processo requer a representação por advogados.

Segundo a advogada Maria Carolina Seifriz Lima, do Andrade Maia Advogados, mesmo com o consenso das partes, a homologação do acordo por um juiz dá maior segurança jurídica ao acordo, além de impedir uma nova ação no futuro para rediscutir o acordo. 229

Dentro dessa perspectiva, o papel do magistrado na homologação é buscar analisar em que circunstâncias o acordo foi celebrado e verificar se existe manifestação de vontade real ou mesmo se esta, ainda que livre de coação, não está viciada pelas condições socioeconômicas, como bem alerta Wagner D. Giglio.230

228 PESSOA, Valton Dória. Transação extrajudicial nas relações individuais de trabalho. São Paulo: LTr, 2003.

p. 85.

229 SCOCUGLIA, Livia. Seguindo reforma trabalhista, juiz homologa acordo extrajudicial: termo resultou na

redução da carga horária de uma funcionária gaúcha, jan. 2018. Disponível em: < https://www.jota.info/tributos- e-empresas/trabalho/seguindo-reforma-trabalhista-juiz-homologa-acordo-extrajudicial-12012018>. Acesso em: 15 nov. 2018.

230 Nesse sentido Wagner D. Giglio esclarece que, muitas vezes o empregado até manifesta a sua real vontade de

negociar, mas esta encontra-se viciada pela pressão econômica. Verbis, “Para esse ramo do direito não basta assegurar a livre manifestação de vontade, pois não se ignora que a necessidade econômica macula a formação de vontade, impondo ao empregado um só comportamento como imperativo, diante das circunstâncias. Em síntese: de pouco vale garantir a autenticidade da manifestação de vontade, se não se garante a liberdade de constituição dessa vontade. Em termos mais simples e objetivos, o empregado, ao manifestar sua intenção de transigir, diante

A terceira observação diz respeito ao fato de que, dada a tão mencionada situação socioeconômica em que se insere o empregado, seja no curso ou ao término do contrato, o poder de sua autonomia privada não é ilimitado, razão pela qual não se permite o exercício do poder de disposição em relação a certos direitos e normas, os quais estão subtraídos do alcance da autonomia privada.

A grande questão, no entanto, é saber quais são eles.

Nesse cenário apresentado, saber o que pode ou não ser objeto do acordo perpassa por entender sobre a inderrogabilidade das normas protetivas do trabalhador e a relativa indisponibilidade dos direitos trabalhistas. Pois, como afirma Letícia de Campos Velho Martel, “a indisponibilidade aparece associada à renúncia, a acordos, contratos ou transações que diminuem ou afastam a incidência de um dado direito em face de terceiros”.231

A autora, depois de análise minuciosa da jurisprudência nacional no tema da indisponibilidade dos direitos fundamentais, chega à conclusão de que não existe entendimento pacífico sobre quais direitos podem ser abdicados, quando essa abdicação pode ser admitida e em que limites, não havendo também “congruência quanto a ser a indisponibilidade uma característica intrínseca a alguns direitos ou uma opção normativa que grava certos direitos”.232

A seu turno, Alice Monteiro de Barros alerta que:

[...]as normas de Direito do Trabalho são, na maioria imperativas, cogentes, limitando o Estado deliberadamente a autonomia da vontade em face da necessidade de proteger o economicamente mais fraco. Logo, a disponibilidade de direitos sofre limitações, quer no tocante à renúncia, quer no tocante à transação, pois não seria coerente que o ordenamento jurídico assegurasse ao empregado garantias mínimas e depois deixasse esses direitos subordinados à sua vontade ou à vontade do empregador.233

Certo é que no campo juslaboral, definir o objeto do acordo extrajudicial depende de uma análise sob a perspectiva dos princípios trabalhistas. Chama-se atenção nesse ponto, para o que preconiza o art. 9º da CLT234, ou seja, todo acordo que visa lesionar direitos trabalhistas

da autoridade, diz o que realmente quer, no seu íntimo, porque a pressão econômica não lhe permite querer outra coisa.” (GIGLIO, Wagner Drdla. A conciliação nos dissídios individuais do trabalho. São Paulo: LTr, 1982. p. 61)

231 MARTEL, Letícia de Campos Velho. Direitos Fundamentais Indisponíveis – os limites e os padrões do

Consentimento para a Autolimitação do Direito Fundamental à Vida. 2010. Tese (Doutorado em Direito Público) – Centro de Pós Graduação em Direito Público, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. p. 22

232 Ibidem, p. 36.

233 BARROS, Alice Monteiro de. Limites da renúncia e da transação judicial e extrajudicial. Revista do Tribunal

Regional do Trabalho 3ª Região, Belo Horizonte, v.57, n.27, p. 89-101, jul. 1997, p. 89.

234 BRASIL. Decreto-Lei nº 5. 452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.

previstos na CLT e baseados em princípios como o da proteção não pode ser aceito pelo magistrado.

Além disso, o juiz deve se pautar, também, no princípio do não retrocesso social, isto é, uma negociação só pode ser considerada válida se respeitar as conquistas sociais obtidas na seara trabalhista. 235

Não pretendendo esgotar o tema, passa-se à análise de determinados grupos de direitos que, sob a perspectiva aqui abordada, não poderão ser objeto de disposição pelas partes de um acordo extrajudicial.

É preciso sempre levar em consideração, de forma geral, a impossibilidade de transigir sobre “os direitos assegurados através de normas que visam proteger a saúde e a integridade física do empregado, o trabalho do menor, os direitos sobre a própria pessoa (honra, moral) e aqueles de interesse social, precisamente porque não é possível lhes atribuir valor monetário”.236 E, conforme Arion Sayão Romita, esses direitos indisponíveis estão previstos nas chamadas normas inderrogáveis.

Para o autor, as normas de direito do trabalho, por serem de ordem pública, são inderrogáveis e “consequentemente, os direitos por elas previstos em favor do empregado são irrenunciáveis em sede individual: caracteriza-se a norma inderrogável como prius, e a indisponibilidade dos direitos como posterius.”237

No dizer de Elaine Nassif, “norma inderrogável é aquela que não pode ser modificada – derrogada ou revogada – por acordo das partes. Ela constitui o patamar mínimo sobre o qual podem ser negociados direitos mais favoráveis ao trabalhador”.238

Defende-se, no presente estudo, que, as normas de segurança, saúde e higiene do trabalho são espécies de normas inderrogáveis, e por isso não podem ser objeto de negociação. Como bem explica Luiz de Pinho Pedreira da Silva, uma das razões pelas quais existe o princípio da proteção ao trabalhador, é:

o comprometimento, na execução do serviço, da própria pessoa do trabalhador, de que é um bem indestacável o trabalho, o expõe, durante a realização deste a perigos a sua

235 WYZYKOWSKI, Adriana Brasil Vieira. Autonomia privada e a relação de emprego sob a perspectiva do direito

individual do trabalho. In: Revista, TST, Brasília, Vol. 82, nº 4, p. 19-46 out/dez 2016. p. 39.

236 PESSOA, Valton Dória. Transação Extrajudicial nas Relações Individuais de Trabalho. São Paulo: LTr, 2003,

p. 65

237 ROMITA, Arion Sayão Romita. Inderrogabilidade da norma e indisponibilidade de direitos em face da

negociação coletiva: limites impostos pelos direitos fundamentais. In: Revista LTr legislação do Trabalho: publicação mensal de legislação, doutrina e jurisprudência. São Paulo, v. 81, nº 06, p. 81-06/647 - 81-06/657, junho 2017. p. 648.

238 NASSIF, Elaine Noronha. Conciliação Judicial e Indisponibilidade de Direitos: paradoxos da “justiça menor”

incolumidade moral e física, tais como ofensas, de ambas essas naturezas, acidentes ou doenças do trabalho, assédios sexuais, etc., decorrentes de não ter o empregador, a quem cabe colaborar para o cumprimento pelo empregado de sua prestação, predispondo um ambiente de trabalho sob todos os pontos seguro e sadio, cumprindo esse dever, tornando-se, destarte, inadimplente do seu dever de previsão, também denominado obrigação de segurança. 239

O direito à saúde e segurança no ambiente de trabalho é um direito fundamental que contribui para a própria materialização do princípio da dignidade da pessoa humana, pois a higidez e a segurança no local de labor é garantia da preservação da incolumidade física e psíquica do empregado.

Nesse mesmo sentido preceituam Ana Cristina Meireles e Edilton Meireles:

Daí se tem que o campo de atuação da vontade individual não pode atingir o patamar mínimo dos direitos, isoladamente considerados, assegurados aos trabalhadores. Assim, mesmo que o esquema alternativo ou compensatório ofertado pelo empregador possa ser considerado mais favorável ao empregado (quinze dias de férias com remuneração em triplo ao invés de trinta dias com acréscimo remuneratório de um terço), nula será a estipulação contratual ou sua alteração quando contrariar disposição de proteção ao trabalho. 240

Assim, as normas de saúde, segurança e higiene do trabalho são inderrogáveis, pois qualquer acordo realizado entre empregado e empregador está subordinado ao quanto expresso no art. 444 da CLT241, o qual deixa claro que as partes componentes da relação de emprego têm liberdade de estipulação, desde que não se contravenha as disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos e as decisões das autoridades competentes.

Em tempos outros, Américo Plá Rodriguez, com base nos ensinamentos de Gottschalk, afirmou, nesse mesmo sentido, que, “uma norma cujo objetivo seja a prevenção de acidente de trabalho, ou que proíbe ao menor o trabalho nocivo à sua saúde, não pode ser modificada ou derrogada pela vontade das partes, no contrato individual de trabalho”.242

Comunga, também, do mesmo pensamento o “Grupo de Trabalho sobre Hermenêutica Infraconstitucional da Lei 13.467/2017” do MPT, para quem:

à vista dos princípios da irrenunciabilidade e indisponibilidade, próprios do Direito do Trabalho, tais acordos extrajudiciais não poderão se referir a direitos indisponíveis,

239 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 25 240 MEIRELES, Ana Cristina Costa; MEIRELES, Edilton. A intangibilidade dos direitos trabalhistas. São Paulo:

LTr, 2009, p. 85.

241 BRASIL. Decreto-Lei nº 5. 452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm.> Acesso em: 1 dez. 2018.

242RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. 3. ed. São

previstos em normas cogentes, de ordem pública. Entre esses direitos estão, sem dúvida, as normas de saúde e segurança do trabalho, aí incluídas as disposições relativas a descansos e à jornada de trabalho.

Interpretação em sentido contrário mostra-se descabida, eis que, de acordo com o art. 5º do Decreto-Lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas), “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que se dirige”, sendo que os fins sociais da legislação trabalhista são, incontroversamente, a proteção do trabalhador, particularmente de sua vida e sua saúde.243

Dessa maneira, reafirma-se que não há falar em negociação quanto às disposições de saúde, higiene e segurança do trabalho.

Agora, cabe tratar dos direitos da personalidade do empregado.

A Constituição Federal de 1988 trouxe uma série de mudanças relacionadas à valorização do ser humano em sua esfera subjetiva, e, conforme assevera Maurício Godinho Delgado “no plano trabalhista, uma das mais importantes mudanças e aperfeiçoamentos foi a descoberta do universo da personalidade do trabalhador no contexto da relação de emprego”.244

Nesse cenário, destaca-se, também, como de impossível negociação os direitos da personalidade do empregado, os quais são conceituados por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho como “aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e suas projeções sociais”.245

Segundo os autores, são exemplos desses direitos: direito à vida, à integridade física, à integridade psíquica, direito às criações intelectuais, direito à liberdade, direito à integridade moral, no seio do qual estão o direito à honra, a imagem e a identidade pessoal.

Esses direitos ocupam um espaço diferenciado no patrimônio jurídico do indivíduo, pois este, nem por expressão de sua própria vontade, poderá praticar atos de disposição sobre eles.

O art. 11 do Código Civil trata dessa indisponibilidade ao estabelecer que “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.246

Se o diploma normativo civilista, que tem por fim precípuo regular relações entre particulares, marcadas pela igualdade entre as partes, impede que haja a disposição desses direitos, com muito mais razão os direitos da personalidade também não podem ser objeto de

243 LIMA, Carlos Eduardo Azevedo “et al”. Hermenêutica infraconstitucional da Lei nº 13.467/2017: Reforma

Trabalhista. Brasília: Gráfica Movimento, 2018. p. 54.

244 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 709.

245 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. v. 1. 16.

ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 186.

246 BRASIL. Lei nº 10.406, de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 11

de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm.> Acesso em: 11 nov. 2018.

disposição em uma relação trabalhista, que, na maioria das vezes, é travada em um cenário de disparidade socioeconômica.

Sendo assim, em regra, entende-se pela impossibilidade de negociação de tais direitos nos acordos extrajudiciais.

É o que também alerta Arion Sayão Romita: “De qualquer forma hão de ser tidos por irrenunciáveis os direitos da personalidade do trabalhador, tal como dispõe o art. 11 do Código Civil brasileiro, de 2002”.247

Adriana Brasil Vieira Wyzykowski entende que os direitos da personalidade são barreiras à imposição pelo empregador de determinados comportamentos:

Primeiramente, não pode o empregador determinar a forma de exercício dos direitos da personalidade do empregado. Uma coisa é haver uma renúncia parcial daquele direito da personalidade, com a anuência e a ciência do empregado sobre todas as condições em que se dará a renúncia. Outra coisa é a imposição, como condição para a celebração do contrato de trabalho ou permanência no emprego, de certos comportamentos. Aqui se volta a uma situação de inferioridade na negociação, de sorte que a autonomia privada incidiria em sua versão mais fraca, exposta no ponto anterior. 248

Mas, está com razão a autora quando destaca situações excepcionais que, em razão da natureza do trabalho, o empregado poderá dispor parcialmente de seus direitos da personalidade:

Em certos casos, em razão da função exercida, pode-se haver a imposição de certos hábitos de vestimentas ou comportamentos. Exemplo disso são as trabalhadoras de shopping que devem utilizar vestimentas da loja como uniformes e devem utilizar maquiagem e cabelos muitas vezes considerados extravagantes. Tal comportamento se justifica em razão da função exercida, quer seja o labor com moda, no qual se procura passar a visão daquela marca ou loja em que o trabalho é prestado.

Outro exemplo é a imposição de determinados comportamentos por questões sanitárias e de saúde. Trabalhadores de restaurantes devem manter cabelos presos, envoltos por uma tela de proteção que faça com que não haja contato com o alimento, barba, no caso de homens, e unhas devem estar curtas e higienizadas, dentre outros comportamentos. 249

Portanto, somente em situações excepcionalíssimas, que se justifiquem pela natureza do trabalho desenvolvido, é que poderá ser aceita parcial disposição de direito da personalidade.

247 ROMITA, Arion Sayão. Inderrogabilidade da norma e indisponibilidade de direitos em face da negociação

coletiva: limites impostos pelos direitos fundamentais. In: Revista LTr: legislação do trabalho, Vol. 81, n° 06, junho de 2017. p. 81-06/647 – 81-06/657. p. 654.

248 WYZYKOWSKI, Adriana Brasil Vieira. Autonomia privada e a relação de emprego sob a perspectiva do direito

individual do trabalho. In: Revista, TST, Brasília, Vol. 82, nº 4, p. 19-46, out/dez 2016. p. 40-41

Cabe lembrar também que a Lei 13.467/2017, a conhecida Reforma Trabalhista, inseriu na CLT, por intermédio dos arts. 611-A e 611-B250 aquilo que pode e aquilo que não pode ser objeto de negociação coletiva. O art. 611- B251 traz, portanto, todas as matérias que não podem ser suprimidas ou reduzidas por intermédio de acordo e convenção coletiva.

Dentre elas estão: carteira de trabalho, seguro desemprego, FGTS, salário mínimo, décimo terceiro salário, salário família, remuneração do trabalho noturno superior ao diurno, número de dias de férias e o terço constitucional, normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, proteção ao mercado de trabalho da mulher, proibição de discriminação de trabalhador com deficiência, dentre outras.

Esse artigo da CLT trata das normas e direitos que não podem ser tocados em sede de negociação coletiva, sendo que esta acontece em uma relação onde se supõe a igualdade das partes negociantes. Portanto, com muito mais razão esses temas também serão indisponíveis em sede de acordo extrajudicial entabulado em uma relação de trabalho individual, marcada, em regra, pela desigualdade fática entre as partes.

Para Patrick Maia Merísio “uma interpretação sistemática deixa claro que estas matérias não poderão ser objeto de homologação, sempre que significarem em supressão e redução de direitos”.252 Ressalta, ainda, o autor que esse rol disposto no art. 611-B da CLT253 não pode nem mesmo ser considerado taxativo, na medida em que poderão ser reconhecidas ou criadas outras hipóteses de indisponibilidade.

Por fim, Henrique Correia chama atenção que o prazo para pagamento das verbas rescisórias não pode ser objeto de negociação no acordo extrajudicial. Dessa forma, se o empregador não pagar as verbas rescisórias no prazo de 10 dias após o término do contrato,