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TERRITÓRIOS E ABORDAGEM METODOLÓGICA 1 INTRODUÇÃO

6. ANÁLISE QUALITATIVA

6.3. A questão da crise

Como tivemos oportunidade de ver, há uma dispersão grande do período em que os entrevistados emigraram. Não podemos, portanto, relacionar diretamente a crise e as consequentes alterações económicos-sociais, aos motivos pelos quais os indivíduos aqui em estudo migraram. No entanto, houve, por parte de um entrevistado, uma perceção de que algo estaria para acontecer quando saiu de Portugal em 2003, como se poderá observar em seguida. Com efeito, este entrevistado insere-se na nova emigração para o Reino Unido, ainda que a sua intensificação se tenha dado nos anos mais recentes.

Também aliado a isso, nessa altura comecei a ver também que estávamos a entrar numa certa decadência para atividade para a qual eu estava direcionado, poderia sofrer consequências no futuro, tanto é que a prova agora está à vista. Quer dizer ... e mais no local onde eu estava, trabalhava mais com pessoas da construção civil, e pronto, como a construção civil, como sabe, caiu em decadência, a restauração com esta situação do aumento do IVA, e não sei quê, não sei quantos... as pessoas deixam de frequentar esses espaços, a prova está à vista. Se eu realmente tives- se dado continuidade, e tivesse, embora tivesse feito algum esforço, com algum sacrifício, para conseguir um projeto novo, talvez agora estaria com alguma difi- culdade, para fazer face às responsabilidades que esse projeto me exigia (Ent. 5). 6.4. Emigrar para trabalhar

Embora o presente estudo se debruce incisivamente sobre empreendedorismo, grande parte dos entrevistados começa por ter um percurso laboral por conta de outrem, como já tivemos razão de expor. As migrações de trabalho são explicadas, na sua teoria clássica, através do recrutamento ativo de trabalhadores migrantes. De acordo com Piore (1979), as migrações de trabalho com destino a países industrializados acontecem porque empregadores ou governos (ao serviço dos empregadores), através do estabelecimento de acordos com outros países, recrutam migrantes. Não obstante, esta teoria isolada não explica cabalmente todas as migrações de trabalho, precisamente porque, ao haver redes de apoio, é possível migrar e procurar trabalho no destino19. No entanto,

encontrámos um exemplo de recrutamento ativo, se entendermos que esse entrevistado migrou porque conseguiu trabalho através de um anúncio.

19 Cf. Pinho (2015), onde se fundamenta uma proposta de explicação para as migrações de trabalho, articulando o recrutamento com redes sociais.

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Foi neste anúncio as condições que eram propostas eram garantia de trabalho e alojamento, embora deduzido no trabalho. Eu pensei, espera aí, não conhecemos ninguém, caímos ali de para- quedas, temos de partir por algum lado, se eles nos dão trabalho, se nos dão alojamento embora deduzido no salário, já é um bom passo depois nós, com o decorrer do tempo vamos prosseguindo o nosso próprio percurso (Ent. 5).

6.5. Empreender

Há um conjunto de fatores associados ao empreendedorismo – além da existência, ou não, do capital para o investimento – que condicionam a efetivação prática daquilo a que se convenciona chamar “espírito empreendedor”. Se é verdade que o migrante pode transportar com ele esse “espírito”, também é igualmente verdade que existem elementos exógenos, na sociedade de destino, facilitadores ou constrangedores dessa mesma ação.

Uma variável importante a considerar neste domínio é o tempo de permanência suficiente para a obtenção de recursos necessários à constituição de empresas, que passam pelo domínio dos processos imprescindíveis para a sua concretização. A este respeito, Portes e Zhou (1999) afirmar, precisamente, que o tempo influencia a propensão para o empreendedorismo. Em síntese, esse tempo relaciona-se com a experiência da migração, sendo que “os imigrantes que chegaram há menos de cinco anos têm uma probabilidade significativamente menor de montar um negócio” (Portes e Zhou, 1999:152). Para dominar esses recursos, também é referido o auxílio de autóctones:

Trabalhei aqui durante dez anos, depois apareceu este negócio para criar. Apareceu aí o meu cunhado, somos sócios. Ele falo-me Há aí um restaurante, tens um boca- do de experiência na cozinha, vamos...era ali daquele lado (Ent. 1);

eu trabalhei na indústria hoteleira para outros durante sete oito anos, por conta de outras empresas, sim, depois fiquei muito amigo de uma pessoa com quem trabalhei, inglesa, e abrimos uma fábrica de comida empacotada. Foi aí que tudo começou (Ent. 7);

(telefonou) a oferecer o negócio e eu até fiquei, até pensei que não era verdade, voltou-me a ligar outra segunda vez então lá então fizemos um meeting, e falamos do negócio e tal e eu disse que não percebia nada disto, como é que ia pegar nis- to… “Eh pá, isso não é difícil, tu trabalhas na área, tu sabes o que é um empregado de mesa, tu sabes o que é um bar tender e tu conheces muita gente” (Ent. 15);

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as pessoas para quem nós trabalhávamos gostavam muito do nosso trabalho e porque também nós tínhamos já um inglês razoável, então perguntaram porque é que nós não fazíamos, trabalhar por nossa conta em vez de trabalhar por conta de outros. E eu disse que não, que não tinha inglês para isso, tenho inglês falado mas não tenho inglês para escrita, e isso era um problema, mas tanto que essa senhora ajudou-nos a abrir a companhia e pronto, pôs disponível os contabilistas da em- presa, aonde me ajudaram bastante. E a partir daí foi sempre a, pronto, começámos a trabalhar por nossa conta (Ent. 18).

No mesmo sentido do que temos vindo a aflorar, podemos apontar que, neste conjunto, é mais adequado conceptualizar o empreendedorismo que os entrevistados revelam, enquanto produto de uma interação entre características de predisposição que os migrantes já possuam bem como à existência de uma estrutura de oportunidades na sociedade de acolhimento (Waldinger, 1989)20.

Neste contexto, pode dizer-se que o tempo é um elemento necessário, nomeadamente, para a acumulação de recursos para investir. Excetuando os casos em que os entrevistados já tinham ido para Londres com esse intuito, os outros empresários terão necessitado do tal fator “tempo” para conseguirem agregar recursos para, mais tarde, aplicarem nos seus investimentos. Aliás, analisamos um relevante número de entrevistados que não recorreram a nenhum empréstimo, ou ainda alguns empreendedores que optaram por um sistema misto (empréstimo apenas para compra de equipamento):

como éramos três sócios, com os nossos fundos, abrimos os negócios sem ir pedir dinheiro à banca ou a ninguém (Ent. 2);

sim foram recursos pessoais. Dinheiro que obviamente foi crescendo ao longo dos anos (Ent. 4);

Não, foi capital próprio. De certa forma, os montantes envolvidos não foram tantos assim, também houve, de certa forma, uma facilidade de crédito no que diz respei- to à aquisição de equipamento, isso existiu (Ent. 5);

foi com poupanças que tinha (Ent. 10);

Não, não, não, não pedi nada a ninguém (Ent. 17).

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Se é verdade de que é preciso tempo para ganhar dinheiro, não é menos verdade que também o tempo determina muitas das opções de vida. E, neste contexto, só com o passar dos anos, é que um determinado migrante consegue saber se ficará a residir (numa perspectiva de longo prazo) no país, fator essencial para criar e desenvolver qualquer projeto de investimento.

É sabido que, normalmente, numa grande parte dos investimentos, as pessoas contraem empréstimos, os quais só são possíveis quando existem garantias de pagamento, o que, geralmente, exige que o investidor tenha uma relação de confiança quer com a banca quer mesmo com o país:

com as economias que tinha, não pedi nada emprestado, graças a Deus, isso foi sempre uma coisa que antes de que eu pensava eu não queria mesmo fazer esse tipo de empréstimo, porque se desse errado a seguir é complicado, gastar aquilo que temos é uma coisa; agora, gastar aquilo que não temos é outra (Ent. 18).

A esta questão, acresce o facto de que, enquanto a atividade não der retorno, é preciso possuir recursos económicos suficientes para gastos correntes, tal como nos refere um dos entrevistados, curiosamente gestor de uma empresa de serviços ligada aos capitais próprios:

imagine, você vai abrir um negócio novo se você não tiver dinheiro para sobreviver um ano ou dois enquanto não faz a casa, como é que vai fazer? E para sobreviver um negócio aqui um ano inteiro, por exemplo esta casa, este espaço aqui aberto custa-me a mim sei lá vinte e cinco a trinta mil libras, entende, a renda, é grátis e luz e água e gás e etc. é tudo junta acumula um bocado de dinheiro. Se não tivesse um certo movimento automaticamente não conseguia estar aberto (Ent. 15).

Do conjunto dos entrevistados que rumaram para as terras de Sua Majestade, são poucos os exemplos que partiram já com o intuito de investir no país:

Sim, sim, logo que chegamos, aliás viemos pra abrir, já viemos preparados para isso (Ent. 8);

Tinha um stand de automóveis, de usados e começamos a ver as vendas a caírem realmente muito e não quis arriscar mais, fechei, cancelei tudo e, uma vez que tenho cá família, decidi vir para cá tentar (Ent. 11).

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Os restantes entrevistados apenas passaram a empreender já quando se encontravam a residir no país e após outro percurso profissional.

Os procedimentos inerentes à criação de uma empresa são demorados e, dependendo do sector de atividade em que se inserem, podem ser mais ou menos complexos.

Não, não é muito fácil porque é licenças para tudo, não é? E essas licenças tem que haver, se não há licenças não se pode trabalhar (…) Sim e aqui o tipo de licenças de bebidas e essas coisas é, se tem algum problema com a polícia aqui nunca pode ter nada (Ent. 17).