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PARTE II – O ESTUDO: METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DO

2. ESTUDO DE CASO

2.4. QUESTÕES ÉTICAS DE ACESSO E TRABALHO NO CAMPO

Conduziu-se o estudo de acordo com o princípio da responsabilidade vertido nas orientações da OE (2006, p.3): “Que em todas as etapas do processo de investigação sejam visivelmente garantidos os aspetos de natureza ética” a par com os princípios universais da autonomia e da confidencialidade subjacentes à investigação com seres humanos. A investigação não é isenta de valores e o investigador deve assegurar os que dizem respeito à comunidade científica e ao próprio estudo, protegendo os interesses de propriedade intelectual, como também salvaguardar e garantir os direitos institucionais

119  e dos participantes, promovendo valores essenciais como a confiança, respeito mútuo e justiça, incentivando a sua colaboração e participação (Beauchamp & Childress, 2002; Guerreiro, Schmidt & Zicker, 2008; Resnik, 2011).

Após a inscrição do projeto de pesquisa na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde-Enfermagem (UICISA-E), iniciaram-se as atividades referentes ao desenvolvimento preliminar do trabalho de campo, em duas etapas: uma primeira, informal, de contacto com profissionais do CS selecionado para estudo do caso; uma segunda, de contacto formal institucional com o órgão de direção do ACeS a que pertence o CS.

Iniciaram-se os contatos informais com os coordenadores das unidades funcionais a que se pretendia aceder, para averiguar a exequibilidade do estudo. Como se referiu anteriormente, o conhecimento prévio do CS selecionado e a natureza das relações pessoais e profissionais precedentemente desenvolvidas pela investigadora, constituíram um fator facilitador para a sua aceitabilidade. Contudo, apresentado o esboço do estudo e obtida uma apreciação favorável dos coordenadores das unidades funcionais, contataram-se alguns profissionais das diferentes equipas, a quem se expôs a intenção de efetuar o estudo para explorar a sua predisposição para participar, num processo a que Yin (2010) se refere como ‘conquistar a aproximação’ para a futura adesão à participação.

O processo de pedido formal de autorização para realização do estudo iniciou-se com o envio, por correio, de requerimento dirigido ao Diretor Executivo do ACeS dando a conhecer o projeto (Anexo VI). Neste documento contextualizou-se a responsabilidade académica e científica do trabalho, ao nível institucional e de orientação, efetuou-se uma breve exposição argumentativa do objeto de estudo, apresentou-se sinteticamente o projeto de investigação mas detalhando as opções metodológicas e os critérios para acesso aos participantes nas equipas de saúde das três unidades funcionais. Anexaram- se os planos e guiões das diferentes entrevistas para recolha de dados e garantiu-se o respeito pelas questões éticas subjacentes, através do esclarecimento e obtenção do consentimento informado de todos os participantes e do tratamento sigiloso de todos os dados cedidos. Para garantir o anonimato, não se apresenta a resposta de autorização e omite-se também qualquer referência suscetível de conduzir à identificação do CS ou dos participantes do estudo.

Durante o processo formal de autorização para realização do estudo, o Diretor Executivo do ACeS deu conhecimento ao Vogal de Enfermagem do Conselho Clínico da permissão concedida. Tendo presente as considerações da OE (2006) relativamente à importância do envolvimento dos gestores e líderes de enfermagem para a criação de ambientes favoráveis ao desenvolvimento de ‘Culturas de Qualidade’ que promovam, incentivem e valorizem a investigação e o espírito investigador, fundamentais para a excelência da enfermagem enquanto disciplina e profissão, contatou-se informalmente a senhora enfermeira que integrava o Conselho Clínico do ACeS. Em reunião particular, apresentou-se pormenorizadamente o projeto do estudo, os seus objetivos e finalidade. Solicitou-se a sua colaboração, enquanto facilitadora da identificação e do contato com os enfermeiros coordenadores (ou com funções de coordenação) das unidades funcionais dos CS do ACeS, para a estratégia mais adequada de convocação e calendarização de reunião para realização do Focus Group Interviewing.

Um dos requisitos fundamentais para a investigação eticamente consistente é o consentimento dos participantes, inerente ao princípio de autonomia que prescreve o direito de autodeterminação do ser humano, pressupondo a liberdade no uso da razão. Firma-se no respeito pelo direito do participante em decidir por si mesmo se participa no estudo, sem coação, assegurando-se igualmente o direito a negar-se livremente (Beauchamp & Childress, 2002; OE, 2007). Para a obtenção de um efetivo consentimento, livre e esclarecido, a boa prática ética exige que ao participante seja proporcionada informação sobre todos os aspetos da investigação e responsabilidades do investigador e do participante, quer verbalmente, quer através de documento escrito onde o participante declara que foi informado e manifesta a sua anuência à participação no estudo (Padilha, Ramos, Borenstein, & Martins, 2005; Guerreiro et al., 2008; Resnik, 2011). Nestes pressupostos, na fase da recolha de dados a investigadora respeitou e garantiu estes direitos dos participantes, contemplados nos Termos de Esclarecimento e de Consentimento Livre e Esclarecido construídos e utilizados para obtenção do seu consentimento (Anexo VII).

O acesso ao campo fez-se em dois períodos: o primeiro ocorreu em Agosto de 2012, para realização da entrevista em grupo com enfermeiros coordenadores de unidades funcionais dos CS do ACeS; o segundo período decorreu de Outubro de 2012 a Maio de 2014, para as entrevistas individuais com enfermeiros, outros profissionais e utentes do CS selecionado. Tanto na entrevista coletiva como nas entrevistas individuais,

121  abordaram-se previamente cada um dos participantes para lhes dar a conhecer o estudo e convidar a participar. No início das entrevistas, entregou-se o Termo de Esclarecimento a cada participante, acompanhou-se a sua leitura e proporcionaram-se esclarecimentos adicionais assim como se respondeu às questões colocadas. Neste documento identificou-se a investigadora, apresentou-se sumariamente o estudo, o seu objetivo e metodologia, explicitando qual a forma de recolha de dados e a natureza de participação pretendida, esclarecendo também sobre a necessidade de gravação áudio da entrevista. Assegurou-se o direito ao anonimato e à confidencialidade, garantindo a preservação da identidade através da atribuição de codificação à entrevista, assim como a salvaguarda do caráter sigiloso das informações nos resultados do estudo ou em qualquer forma da sua apresentação e divulgação. Informou-se sobre a liberdade de acesso aos dados do estudo, sempre que o participante o solicitasse, e resguardou-se o direito à propriedade intelectual dos resultados solicitando a concordância para a sua divulgação em publicações e eventos científicos. Antes de se apresentar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido reiterou-se a liberdade de participar ou não no estudo, assim como de retirar o consentimento em qualquer momento da entrevista. Concedeu-se algum tempo para que o participante realizasse a leitura do documento antes de declarar o seu consentimento. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado em duas vias de igual teor, ficando uma na posse do participante e outra arquivada com a investigadora. Nestes pressupostos, considerou-se o entrevistado livre e esclarecido para participar no estudo e realizou-se a entrevista.

A entrada em campo confrontou a investigadora com outras questões. A metodologia qualitativa, mais do que qualquer outra, levanta questões éticas não só porque o investigador faz parte de todo o processo mas principalmente pela sua proximidade com os participantes durante a colheita de informação (Carpenter, 2002; Denzin & Lincoln, 2005; Lessard-Hérbert et al., 2005; Schmidt, 2008). No trabalho de campo, a autorreflexão e o comprometimento ético das atitudes e do julgamento do investigador são fundamentais. Como refere Schmidt:

As relações de poder e os efeitos ideológicos (…) são produzidos no decorrer da pesquisa e constituem as relações de colaboração e interlocução. A ética reporta, exatamente, ao modo de lidar, tematizar e agir no interior dessas relações, quase sempre, de partida, assimétricas e hierárquicas (2008, p. 48).

Assume-se importante a capacidade do investigador para sair do seu espaço de conhecimento e da sua perspetiva, para negociar a relação com os participantes no seu contexto social e cultural, norteando-se por valores como a liberdade, a isenção, a equidade, o respeito e a confiança (Padilha et. al., 2005; Schmidt, 2008). A familiaridade da investigadora com o CS e com a maioria dos participantes facilitou a entrada no campo mas poderia constituir um eventual factor persuasivo, ou contrariamente dissuasivo, ou mesmo constrangedor relativamente à obtenção do seu consentimento, face às suas diferentes situações profissionais e contextuais. Assim, na abordagem prévia a cada participante para convite a participar no estudo, após obtenção do seu consentimento verbal negociou-se a entrevista para quando considerasse oportuno, podendo ficar marcada a data da sua realização nesse encontro ou ser posteriormente comunicada pelo participante à investigadora. Com a possibilidade de marcação posterior da entrevista por iniciativa do participante, obviou-se qualquer efeito interferente no efetivo consentimento devido ao contato pessoal com a investigadora. Além da data, o próprio participante definiu também as circunstâncias em que iria decorrer a entrevista, assegurando-se assim a privacidade na sua realização, garantindo a especificidade da relação que se estabeleceu entre investigadora- participante e granjeando a sua confiança.

A entrevista não é um mero instrumento para obtenção de informações, constitui uma prática discursiva, ou seja, é um processo dialógico que exige algum interrelacionamento humano pelo que existirá sempre a participação invisível do investigador (Schmidt, 2008; Resnik, 2011). Houve sempre consciência de que a

ideologia da investigadora permeou o estudo, por isso, durante a entrevista a honestidade nas relações estabelecidas com os participantes foi essencial e procurou-se garantir neutralidade com o guião de entrevista como eixo orientador na condução do diálogo, permitindo liberdade ao participante para expressar as suas opiniões sem quebrar a sua confiança. Lessard-Hérbert et al. (2005) acentuam a relação entre a validade de um estudo e a honestidade e neutralidade do investigador, enquanto princípios éticos de ordem social dos quais vai depender a relação de confiança com os participantes, necessária à obtenção genuína das suas conceções, significados e juízos. A saída do campo também mereceu atenção por parte da investigadora. Decorrente do princípio da responsabilidade, na finalização da entrevista forneceu-se o contato pessoal a cada um dos participantes para eventual concretização do seu direito de acesso aos

123  dados e resultados do estudo, caso o desejasse. Reforçou-se a fidelidade no tratamento dos discursos áudio-gravados e garantiu-se novamente a isenção no processo de análise e interpretação das informações, no respeito pela verdade e honestidade intelectual.